Marcelo Rebelo de Sousa diz que se o Orçamento do Estado para 2019 não for aprovado pode antecipar as eleições legislativas. Não é a primeira vez que o Presidente da República passa este tipo de mensagem. Há cerca de um mês tinha avisado que prefere ter de intervir só para promulgar o documento. Mas, desta vez, fez uma referência ao seu poder máximo – o de dissolver o Parlamento. A insistência é desnecessária e perigosa. A apresentação do Programa de Estabilidade trouxe alguma tensão. Foi, no entanto, conflito expectável no contexto de uma geringonça gerida dia a dia. Mais importante, já foi há um mês e essa questão já se dissipou. Não ouvimos Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins a fazer ameaças todos os dias. Marcelo chegou a Belém com o intuito de diminuir a crispação. No entanto, avisar sobre tensões que podem nem existir parece contraproducente. Pode simplesmente ajudar a fomentá-las, especialmente ao tentar envolver o PSD em soluções de “bom senso”.

A motivação do Presidente? Já lá vamos. Antes disso, o outro aviso feito na entrevista: a repetição de uma nova tragédia de incêndios será “impeditivo de recandidatura” a Belém. Este aviso é ainda mais ameaçador e despropositado que o das eleições antecipadas. É difícil ver a que nível poderá funcionar. As instituições vão se desdobrar em esforços adicionais para evitar tragédias sob ameaça de o Presidente se ir embora? No cenário de novas catástrofes, não teremos mais em que pensar do que na recandidatura de Marcelo? Há, contudo, um aspeto mais preocupante. O Presidente é um dos mais populares na história da República e tem tido uma atuação ponderada e atenciosa, que convenceu muitos que nem votaram nele. Mas fica-lhe mal acenar com uma ‘não recandidatura’ para pressionar ação governativa ou institucional. O problema é que a relação principal dele é connosco – o eleitorado – e não com o Governo. É como se estivesse a dizer que se o Governo não fizer a coisa bem feita, ele (o Presidente) sai e ficamos nós com o problema. É uma forma de usar a popularidade para convocar o eleitorado a pressionar também o Governo. Não, obrigado, Sr. Presidente, não gostamos de ver a nossa boa vontade retribuída assim.

Porquê estes avisos do Presidente agora? Não duvido que o intuito seja chamar a atenção para dois eventos perigosos no horizonte. Mas não podemos esquecer a natureza política de Marcelo, que está sempre dois passos à frente. E também não podemos ignorar a natureza do sistema político português, no qual os presidentes têm poucos poderes e têm de dosear quando os exercem. Dos dois principais, um deles – o veto – não é um super-poder, pois pode ser contornado. O outro é o acesso à ‘bomba atómica’, a dissolução da Assembleia da República. Devido ao timing do ciclo, só agora é que Marcelo pode começar a pensar em usar esse poder. É difícil evitar pensar que o ex-líder do PSD está a posicionar-se no centro do regime, a lembrar-nos que ele é que tem o poder final. Não era necessário. É uma verdade básica do sistema.

Não se sabe qual é a solução governativa que Marcelo considera ser a melhor para o país (ou para o Presidente) na próxima legislatura, mas sabemos que ele pode influenciar essa solução ao bombardear a atual. Ficámos a saber, através de uma entrevista, que o Presidente já olhou para o botão vermelho da bomba atómica.

Já agora, fica aqui um aviso também: dizer que pode carregar nesse botão não é avisar, é interferir.