O título desta coluna poderia ser sobre um presidente que foi, inexplicavelmente, apanhar uma vacina de tronco nu, ainda por cima acompanhado de repórteres. Mas não, isso pode ficar para janeiro. Neste caso é sobre um presidente, do outro lado do Atlântico, que desempenhou de forma tão delirante a tarefa que já chegou a altura de o povo lhe dizer que está despido de qualquer autoridade.

A primeira coluna que escrevi para o Jornal Económico, em janeiro de 2017, era sobre o balanço da presidência de Barack Obama, e terminava com o seguinte repto: “o próximo que tente fazer melhor”. Infelizmente, Donald Trump não fez melhor, e, pior ainda, em muito aspetos nem sequer tentou fazer melhor.

Para sermos honestos, as expetativas em relação a um bom desempenho do republicano na Casa Branca eram baixas. O duvidoso passado empresarial, o ego evidenciado na carreira televisiva e as mensagens xenófobas e chauvinistas que expressou na campanha em 2016, já para não falar das suspeitas sobre a interferência russa, faziam temer o pior. Mesmo assim conseguiu, em vários aspetos, desiludir.

Comecemos por uma área de atuação na qual Obama foi criticado – as relações externas – por ter cometido erros, como a ação desastrosa na Líbia, e por não ter conseguido controlar o risco representado pela Coreia do Norte. No caso de Trump, o acordo com Kim Jong Un é o principal sucesso na arena global, pois conseguiu minimizar uma ameaça séria.

Infelizmente, porém, foi a exceção que fez a regra. O presidente americano é contra o multilateralismo, privilegiando as relações bilaterais. Só que nesse campo atuou de forma agressiva e impetuosa, muitas vezes sem necessidade, como o bullying que está a fazer a nível global para derrotar a chinesa Huawei na construção das redes 5G.

No campo da economia, o mandato é marcado pela guerra comercial com a China, com resultados mistos, e a reforma fiscal, que beneficiou principalmente os mais ricos, como era de esperar. A economia continuou a crescer, até à pandemia, com a Reserva Federal (Fed) a ajudar, num prolongar do boom da era Obama.

Nas relações internas, o balanço é terrível. A Fed, os democratas, os media, os imigrantes, os manifestantes antirracistas, as mulheres e até ex-aliados foram insultados e demonizados. A política é guerra, mas nem tudo vale e Trump conseguiu polarizar ainda mais um país dividido.

A pandemia veio trazer a pior combinação destes comportamentos. A China e a Organização Mundial da Saúde podem e devem ser criticadas pelo péssimo trabalho na contenção do vírus, mas Trump usou-os como bodes expiatórios para desculpar a sua gestão errática e irresponsável. Internamente, atacou todos os que discordavam minimamente, fossem peritos como Anthony  Fauci ou políticos como Andrew Cuomo.

Na economia, e após uma boa reação inicial, que incluiu uma valente ajuda da Fed (cujo board Trump chamara de inúteis, entre outras coisas), não se conseguiu ainda entender com os democratas para lançar um novo pacote de estímulos cruciais para manter a recuperação e proteger os mais afetados pela pandemia.

Em todos estes aspetos, Trump age e fala como se soubesse tudo e como se o diálogo e os compromissos fossem uma mera perda de tempo face à sua evidente superioridade em todos os temas.

Joe Biden não é um candidato que inspira, mas serve. Chegou a altura de os americanos se inspirarem no rapaz do conto de Hans Christian Andersen e dizerem ao presidente que ele vai nu e que nós é que sabemos.