Um ex-primeiro ministro é acusado da prática de crimes graves, incluindo corrupção e branqueamento de capitais. Mas o partido de que foi líder e que o apoiou durante anos não diz nada de relevante sobre o assunto. Espantoso! Isto só pode acontecer num país e num partido que não têm memória nem respeito por si próprios.

Antes de prosseguir, uma ressalva: José Sócrates e os outros acusados da Operação Marquês são inocentes até sentença transitada em julgado. E não há, nestas linhas, a pretensão de julgar quem quer que seja. Aos tribunais o que pertence aos tribunais. Mas há pelo menos dois aspetos que nos devem suscitar as maiores interrogações.

Em primeiro lugar, o silêncio incomodado do PS, que continua a fazer de conta que este assunto não lhe diz respeito. Só que não estamos a falar de um qualquer autarca acusado de corrupção. Estamos a falar de  José Sócrates, antigo líder do partido e ex-primeiro ministro, que é acusado pela Justiça de numerosos crimes alegadamente praticados durante o exercício de funções. Em Governos de que fizeram parte o primeiro-ministro António Costa e outros membros do atual Executivo.

Das duas uma, ou Sócrates é inocente e o PS o apoia incondicionalmente até à decisão final da Justiça, como sempre fez enquanto o “menino de ouro” venceu eleições; ou Sócrates é culpado e o PS tem de fazer um mea culpa e assumir responsabilidades.

O que não é aceitável é este limbo, este silêncio, este não querer atravessar-se por alguém que o partido apresentou aos portugueses como sendo o homem providencial que iria salvar o país. Nem tão pouco admitir que se possa ter errado nesse endosso.

Estar do lado de um amigo acusado pela Justiça, mesmo que no fim seja condenado, pode ser compreensível; já a covardia nunca o é. Mário Soares, que nunca foi covarde, jamais teve problemas em defender os amigos acusados pela Justiça, enquanto acreditasse na sua inocência. Podíamos discordar de Soares e das suas amizades, mas havia nobreza e coerência nessa forma de estar na vida. Se acreditamos que os nossos amigos são inocentes, apoiamo-los até ao fim. Se não acreditamos que são inocentes, não os apoiamos. Já o PS, por instinto de sobrevivência, optou simplesmente por fazer de conta que Sócrates não existe.

Em segundo lugar, na Operação Marquês não estão em causa apenas questões criminais. Há também questões éticas de relevo. Vamos supor que o Ministério Público está errado e que Carlos Santos Silva se limitou a emprestar dinheiro a um amigo em necessidade. Já sem falar dos valores em causa – 500 mil euros? – o PS acha aceitável que um primeiro-ministro passe férias de luxo pagas por um amigo empresário que, por acaso, tem negócios milionários com entidades públicas? Mesmo que não tenha existido crime, não deixa de ser uma situação questionável do ponto de vista ético.

É admissível que o partido da ética republicana, que se considera o guardião do templo da III República, não se pronuncie sobre o elefante no meio da sala?