Explico: quando o Presidente da República diz (em entrevista ao Público e à Rádio Renascença) que não teria condições para se recandidatar a novo mandato caso o País voltasse a viver uma tragédia de incêndios equivalente à do ano passado, com semelhante nível de mortes e de destruição, ele não está a anunciar, apenas, um compromisso pessoal. Neste caso, até, um compromisso de alguém que, atendendo à natureza das suas funções, nada pode fazer em matérias executivas, a não ser sensibilizar e alertar o Governo, e toda a administração ligada à gestão deste problema do combate aos fogos, para a necessidade de lidar bem com os trabalhos de casa.
O Presidente Marcelo, como antes o Marcelo político ou o Marcelo comentador, raramente fala numa única dimensão.
É por isso necessário fazer, pelo menos, uma segunda leitura das suas palavras.
E há uma que me parece igualmente evidente.
Ao dizer que, naquele caso, ele próprio deveria, como responsável político, tirar as devidas ilações, por maioria de razões o Presidente da República está a alertar o governo para que este Verão também vai ser avaliado. Se falhasse, se voltasse a acontecer uma tragédia, o Presidente não concorreria a um segundo mandato mas este governo também não chegaria ao final da Legislatura. O Presidente, estou convencido, avançaria de imediato com os procedimentos constitucionais para a queda do executivo.
Marcelo Rebelo de Sousa não está a ameaçar; está a fazer uma pressão positiva para que tudo corra o melhor possível. É bom de entender que, por motivos destes, nenhum português deveria desejar qualquer crise política, e muito menos o Presidente. Mas é bom, igualmente, que toda a gente saiba os desafios que enfrenta no próximo Verão, no qual Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa jogam muito do seu futuro político a curto prazo, sobretudo o primeiro-ministro. Foi isso que disse o Presidente da República fechando com os portugueses um compromisso de honra. Não sei se era necessário. Mas é claro e responsabiliza.