Tantos debates decorridos, cada vez mais próximos do dia das eleições, fica a impressão de que as discussões que verdadeiramente importaria fazer passaram ao lado.

Muita responsabilidade nisto tem o populismo, os debates sempre a resvalar para a linguagem insultuosa do “está a mentir!”, “é hipócrita”, a descortesia da interrupção massiva, a desestruturar qualquer debate de ideias, a substituí-lo pela tentativa de levar o adversário político às cordas, um KO como nos desportos de contacto, sem que importe vencer nos argumentos, mas sobretudo neutralizar o adversário, deixá-lo sem reacção, bloqueado em directo, num ringue que tem todo o eleitorado por assistência. Não são mais verdadeiros, mais autênticos, mais sérios debates assim.

Mas não cabe a responsabilidade toda ao populismo. Sem relativizá-la, há um plano de incompreensão das necessidades do nosso tempo que atravessa amplamente o espectro partidário, também à esquerda, campo onde me situo.

Por que há tanto descontentamento se não vivemos anos de chumbo do ponto de vista da economia? Podemos ter pontos de vistas diferentes sobre o que fazer com a folga orçamental, se é usada para abater a dívida externa, ou para baixar impostos, aumentar salários, mas é de uma folga que se trata, da política de prioridades na sua gestão.

Pelo menos comparativamente com os anos que antecederam a governação António Costa, a economia e as finanças públicas não justificam sobressaltos. E se há justas reivindicações de muitos setores – médicos, professores, polícias, forças militares –, a negociação sempre taco a taco tem alcançado resultados. O problema de fundo é outro.

O que mudou então? Não é tanto a economia, como foi na década passada, mas uma profunda percepção de mal-estar ligada às condições existenciais do nosso tempo. Era preciso que nos programas políticos, nos debates, nas campanhas, se reflectisse agudamente como o mundo está a ficar inabitável a várias escalas. A palavra de ordem devia ser “Habitar!”. São as casas inacessíveis a cada vez mais pessoas, como se habitar fosse um luxo e não um direito básico dos cidadãos. Todos dizem que o assunto é importante, mas dão por solução migalhas.

Nas fronteiras da Europa, são estes dois anos cravados por uma guerra na Ucrânia, a tornar um país inabitável, e sem que se faça alguma coisa séria no sentido de a parar, nos termos da “paz imperfeita” que for possível, como tem defendido Viriato Soromenho-Marques.

É, desde Outubro, um genocídio na Palestina demasiado consentido pela ordem internacional. À data, mais de 23 mil vítimas mortais, a maioria mulheres e crianças. São também os muitos milhares de migrantes económicos que nos morrem no Mediterrâneo. Só a tentar chegar a Espanha, 6600 migrantes morreram em 2023. E é uma crise climática, o planeta a caminho de se tornar inabitável, com governos demasiado passivos apesar da responsabilidade pelo futuro que deixamos.

Curiosamente, basta circular pelas ruas das cidades por esse país fora (não só Lisboa e Porto) para encontrar os cartazes a convocar sucessivas manifestações pela habitação, pela paz e pelo clima. E não deve espantar se muitos manifestantes coincidem nestas manifestações. Todas estão a fazer a mesma pergunta: Como vamos habitar o mundo?

Era isto que devia estar a ser discutido, a sério, nos debates, nos programas, nos outdoors. De outro modo, o que importa passará ao lado destas eleições e dos eleitos que, em seguida, nos representarão.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.