A PL OE 2018 vem estender a incidência de IRC a uma nova realidade. A partir de 2018, passam a estar sujeitos a IRC os ganhos realizados por entidades não residentes em Portugal com a alienação de partes de capital ou de direitos similares (ex: unidades de participação) em sociedades ou outras entidades igualmente não residentes, sempre que, em qualquer momento nos 365 dias anteriores à venda, o valor das partes de capital ou direitos alienados resulte, em mais de 50%, de imóveis situados em Portugal, ainda que tais imóveis sejam detidos através de outras sociedades ou veículos.
São excecionados desta norma os casos em que em que os imóveis estejam afetos a uma atividade agrícola, industrial ou comercial desde que essa atividade não consista na compra e venda de bens imóveis.
Vejamos então a incongruência. Considere-se o exemplo da Entidade A, cujo principal ativo é uma fábrica em Portugal afeta à sua atividade industrial. Analisemos, então, de forma muito breve, as diferentes implicações fiscais decorrentes da alienação das partes de capital ou direitos da Entidade A, consoante esta seja ou não residente em Portugal e consoante o detentor das partes de capital ou direitos seja ou não uma entidade residente em Portugal (“Investidor”). Ou seja, temos quatro cenários possíveis:
Cenário 1 e 2: a Entidade A é residente em Portugal (cenário 1) ou não (cenário 2) e o Investidor é uma sociedade Portuguesa. Em qualquer destes dois cenários, não obstante a mais-valia decorrente da alienação das partes de capital ou direitos da Entidade A ser sujeita a tributação em Portugal, a mesma não irá, posteriormente, concorrer para a determinação do lucro tributável do Investidor se estiverem cumpridos os requisitos previstos no artigo 51.º-C do Código de IRC (regime de “participation exemption”). Para que se verifique tal “isenção” é relevante que o referido imóvel esteja afeto a uma atividade agrícola, industrial ou comercial, desde que essa atividade não consista na compra e venda de bens imóveis. No caso em apreço, tratando-se de uma fábrica, tal requisito estaria cumprido e, como tal, a mais-valia não deveria ser tributada. Este cenário não muda com a PL OE 2018.
Cenário 3: a Entidade A e o seu Investidor não são residentes em Portugal. Nos termos da PL OE 2018, este é um novo cenário que passa a estar abrangido pelas regras de incidência de tributação em Portugal [nova alínea f) do artigo 4.º do Código do IRC], no pressuposto que nos 365 dias anteriores à venda, o valor das partes de capital ou direitos alienados na Entidade A resulte, em mais de 50%, de imóveis situados em Portugal. Não obstante, no caso em apreço, a mais-valia não estaria sequer sujeita a tributação em Portugal (ao abrigo desta nova regra de incidência tributária) na medida em que o referido imóvel (a fábrica) estaria afeto a uma atividade industrial.
Cenário 4: a Entidade A é residente em Portugal e o seu Investidor não é residente em Portugal. Este cenário há muito que está abrangido pelas regras de incidência de tributação em Portugal [alínea b) do artigo 4.º do Código do IRC], mas nunca se tendo previsto (nem esta PL OE 2018 passa a prever) a não incidência de tributação quando os imóveis situados em Portugal estejam afetos a uma atividade agrícola, industrial ou comercial. Aliás, a incongruência vai, ainda, mais longe na medida em que existe uma norma legal (artigo 27.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais) que prevê uma isenção de tributação para o Investidor não residente em Portugal, na transmissão onerosa de partes sociais de entidades Portuguesas, mas excluindo (i.e. não se aplicando esta isenção) quando o valor das partes de capital ou direitos alienados resulte, em mais de 50%, de imóveis situados em Portugal. Também aqui é irrelevante que esses mesmos imóveis estejam afetos a uma atividade agrícola, industrial ou comercial.
Chegados aqui, coloca-se a seguinte questão: se o Investidor fosse uma entidade residente na UE será que os cenários 1 e 2 (em que o Investidor é português) não conferem uma vantagem fiscal face ao cenário 4 (em que o Investidor não seria residente em Portugal mas noutro Estado-Membro da EU)? Numa primeira análise, parece-nos sair fragilizada a liberdade de circulação de capitais, protegida como fundamental pelo Direito da UE
Resta perceber se esta situação foi deliberadamente criada ou resultou de um lapso. Qualquer uma das hipóteses nos parece preocupante. l