O desastre, agora apenas um pouco mais conhecido, da Caixa Geral dos Depósitos (CGD) ilustra o estado do regime, que ficará ainda mais à vista quando for revelada a lista dos grandes devedores do BCP, do BES/Novo Banco e dos outros sorvedouros dos dinheiros públicos das últimas décadas, como o BPN e o Banif.

Comecemos pela dimensão política: é preciso não ter vergonha para qualquer um dos grandes partidos nacionais procurar simular desconhecimento da situação concreta agora conhecida quanto à concessão de crédito na CGD. Foram o PS e o PSD, sempre em harmonia mesmo quando um era poder e o outro oposição, que formataram o banco tal e qual é hoje: uma repartição político-financeira do bloco central, nos tempos mais modernos caricaturada com a irmandade Carlos Santos Ferreira, Armando Vara e Francisco Bandeira (o homem que Sócrates depois enviou para o BPN) pelo lado rosa e Faria de Oliveira, que tinha maiores obrigações, pelo lado laranja.

A certa altura, estes dois sócios incorporaram mesmo o CDS de Paulo Portas, que se fez convidado do banquete e foi a correr com Celeste Cardona, primeiro, e Nuno Henriques Thomaz, depois. É perante este quadro que se torna incompreensível a posição recente de PCP e Bloco de Esquerda na abortada comissão de inquérito parlamentar. Ambos se juntaram ao PS para evitar que o país conhecesse a situação da CGD. Essa é uma nódoa que não se apaga com simples declarações que buscam recuperar a legitimidade desbaratada.

Depois a dimensão do negócio de ocasião: parece não haver nenhum interesse notável dos últimos anos, de Vale do Lobo ao Grupo Lena, passando por empresas do grupo BES, entre outras já falidas ou em liquidação, que não tenha tido direito ao seu quinhão neste bolo que os contribuintes pagaram com a recente injeção de capital no banco.

Os ‘empresários’ apoderados beneficiaram de dinheiro vindo de decisões obviamente políticas, tomadas à revelia das mais elementares regras de concessão de crédito, para fazerem a sua vida – como outros, mordomos de Ricardo Salgado, também receberam do BES aquilo de que necessitavam para fazerem os negócios diretamente proibidos à banca, do imobiliário à comunicação (como mais adiante se irá saber).

Acrescentem-se a dimensão social (é criminoso ver desbaratar tantos recursos dos impostos que depois faltam ao SNS e à SS) e a dimensão económica (como pode a economia funcionar devidamente com tantos entorses e o tecido empresarial ser saudável com tanta concorrência desleal?).

Finalmente, temos o caso particular de assalto ao BCP por parte do socratismo. Como se vê agora melhor, a CGD avançou com o dinheiro para que José Berardo e a sua Metalgest, mais Manuel Fino, comprassem importantes posições acionistas no BCP, tomando o poder no maior banco privado nacional e abrindo caminho à ‘transferência’ de Carlos Santos Pereira e Armando Vara.

Sabendo-se como funcionava o BES de Ricardo Salgado (sempre em apoio ao governo de turno), quem tinha a CGD e controlava diretamente o BCP ficava com poder quase absoluto sobre os negócios do país. Belmiro de Azevedo sentiu isso na pele quando tentou a OPA sobre a Portugal Telecom, de Granadeiro e Zeinal Bava.

Este é um retrato real do que valem as chamadas elites políticas e os seus correlativos traficantes de influências. Portugal deve ser um grande país para continuar a resistir a tudo isto. Mas tem, com urgência, de mudar o pessoal político e calibrar a dimensão do Estado.