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O Risco é componente essencial de uma infância equilibrada

Defendo que as crianças sofrem, nos dias de hoje, de transtorno de deficit de risco e de contacto com o meio exterior, desenvolvendo assim problemas na avaliação do risco, fraca consciência espacial, tornando-se excessivamente dependentes, tímidas, com falta de autoconfiança. São estas crianças que não deslocam os ombros nem arranham os joelhos, mas que desenvolvem atraso sensorial motor, obesidade e doenças crónicas típicas da idade adulta.
17 Abril 2019, 07h30

O risco existe tendencialmente fora de portas das nossas casas e das escolas. Isso acontece porque pais e professores vivem amedrontados e tratam as crianças como cristais preciosos que se podem partir e perder o seu valor.

Será que andam a confundir o risco com o perigo? O risco é algo que é controlável pela criança, e que é extremamente importante para sua aprendizagem. O perigo são riscos invisíveis sobre os quais a criança não tem qualquer controlo e, por isso, não tem como os evitar. Vítimas desta confusão e de incongruências sociais, as crianças não têm permissão para correrem riscos, sendo mesmo proibidas de saltar à corda, de jogar à apanhada, de jogar ao lencinho e de ousarem participar neste género de atividades lúdicas. E tudo isto sucede porque, ao fazê-lo, as crianças podem sofrer quedas ou arranhões, o que desperta um sentimento de pânico em muitos adultos e também em algumas escolas portuguesas.

Mark Tremblay (2015) defende que os pais estão obcecados com eventos extraordinariamente raros e muitas vezes inexplicáveis, ao não permitirem que os filhos corram riscos e que tenham que observar a rua somente através dos vidros dos carros e das janelas de casa, esquecendo-se que nestes contextos as crianças estão vulneráveis a outros perigos óbvios. Pelo facto das crianças não se deslocarem a pé ou em transportes escolares, muitas crianças sofrem, infelizmente, acidentes de viação; e o facto de não poderem brincar nas ruas leva à “probabilidade de estarem em contacto com  predadores cibernéticos, que é 150-200 vezes maior do que a probabilidade de encontrarem um predador real do lado de fora” -, revela Tremblay, explicando ainda que os riscos vão muito além do fator psicológico. “Dentro de casa, as crianças têm menos atividade física – o que sabemos que é mau – e têm tempo excessivo em contacto com os ecrãs; com a exposição à violência, sexo e terrorismo. E isso, geralmente, acontece tudo sem supervisão!”

Defendo que as crianças sofrem, nos dias de hoje, de transtorno de deficit de risco e de contacto com o meio exterior, desenvolvendo assim problemas na avaliação do risco, fraca consciência espacial, tornando-se excessivamente dependentes, tímidas, com falta de autoconfiança. São estas crianças que não deslocam os ombros nem arranham os joelhos, mas que desenvolvem atraso sensorial motor, obesidade e doenças crónicas típicas da idade adulta.

As crianças necessitam, sim, de oportunidades diárias para assumirem riscos e desafios a fim de se desenvolverem fortes e capazes. Têm de ser incentivadas a trepar árvores, a saltar poças de água, a rebolar na terra, a pregar pregos, a serrar madeiras, a cavar, a acender fogo e a construir brinquedos, podendo levar, naturalmente, alguns cortes e arranhões para casa, mas na certeza de que desenvolveram capacidades estruturantes para a vida, tais como: (1) a autorreflexão e o conhecimento de si próprias. Isto é, quando a criança considera uma decisão arriscada, ela pratica o processo de tomada de decisão rápida, consciente e responsável. Ter tempo para refletir sobre o resultado de uma ação é incrivelmente importante e permite executar a próxima ação de maneira diferente, tendo uma perceção do risco mais estratégica e ponderada no futuro. Cada vez que passa por este processo, a criança fortalece as suas habilidades de pensamento autónomo. (2) Outra capacidade fundamental: a consciencialização sobre força e segurança, ou seja, o sistema neurológico da criança foi projetado para buscar as informações sensoriais necessárias para atingir um ótimo nível de desenvolvimento e, ao assumir riscos diários, a criança começa a desenvolver força, coordenação e consciência corporal adequadas à idade. Se as impedimos de correrem riscos elas começam a demonstrar atrasos no desenvolvimento sensorial e motor, estando mais vulneráveis à ocorrência de acidentes e a sentimentos de insegurança a longo prazo. (3) Desenvolvimento de competências sociais – O risco na grande maioria das vezes é assumido independentemente, mas também pode ser desenvolvido em contexto de grupo, com os colegas, podendo a criança compartilhar ideias com um amigo, desenvolvendo trabalho de equipa, de comunicação, de assertividade e de autoconfiança, fatores necessários na interação social. (4) Confiança e segurança em si próprio; o que significa que uma boa dose de riscos razoáveis no jogo resulta numa disposição confortável para errar e aprender com o fracasso, tornando a criança mais confiante e resiliente, que são fatores fundamentais para o desenvolvimento psicológico na infância. (5) Prevenção de outros comportamentos de risco: o aprender, desde cedo, a lidar com o risco protege as crianças de outros comportamentos de risco que estão associados à superproteção dos pais e que são cultivados sempre que estes fecham os filhos em casa, a consumirem passivamente horas de televisão, de telemóveis e de tablets, negligenciando o desenvolvimento das competências determinantes para o seu crescimento e autonomia e potenciando um super sedentarismo.

Devido ao trabalho realizado com crianças e jovens dos 3 aos 15 anos, há aproximadamente dez anos, em regime outdoor e em contacto com a natureza, tenho realizado estudos experimentais, com grupos de controlo que não desenvolvem atividades outdoor de “risco”, e com grupos experimentais que trabalham as referidas atividades ao longo de um ano letivo. Os resultados são significativos e ilustram bem todas as conclusões já aqui descritas.

Em suma, considero ser fundamental que se incentivem as nossas crianças a estabelecerem contacto com o risco, de forma regular e desde tenra idade. As crianças devem fazê-lo em espaços exteriores, através de atividades lúdicas e de dinâmicas pouco estruturadas que as obriguem a protagonizar a ação, a tomar decisões e a encontrarem soluções para alcançarem com êxito os seus objetivos. E que o consigam sem serem constantemente orientadas, monitorizadas e observadas à distância. Os pais e professores devem colaborar nesta missão, para que as nossas crianças vivam uma infância plena, que não está isenta de arranhões e de quedas, mas que seguramente irá edificar os traços de caráter dos adultos de amanhã.

 

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