“O talentoso Mr. Ripley”, personagem interpretada por Matt Damon, é um filme que retrata o talento e a capacidade necessários para se manipular alguém, conseguindo mesmo ultrapassar situações que aparentam ditar o fim da farsa e que acabam por adiar esse desfecho.

Um dos erros comuns de análise é o não se admitir que para alguém ter sucesso a desenvolver atitudes incorrectas é que necessita ser talentoso, mais talentoso do que para praticar o “bem”. É, aliás, o talento que dita o espaço temporal em que o logro se desenrola, bem como a oposição que dele emana.

É com estas premissas que não tenho grandes dúvidas em graduar António Costa como um dos mais talentosos (conotação negativa) actores que passou pela política nacional, porque ao contrário de Sócrates não tem a necessidade de expor a sua vaidade, sabendo navegar as águas da manipulação mediática como Passos Coelho nunca soube. Não obstante tudo o que já foi conhecido sobre os podres na sua governação, como o nepotismo, a manipulação das contas públicas ou a forma como lidou com as tragédias dos incêndios, o certo é que Costa nunca dá o corpo às balas, são os seus peões que se sacrificam.

O primeiro-ministro recentemente aludiu ao facto de querer ter Portugal como construtor de comboios, uma absoluta parvoíce desprovida de qualquer sentido que não passou de propaganda, mas que, curiosamente, não foi alvo de qualquer refutação por parte da classe política ou empresarial.

Já nem me refiro à incapacidade que temos em recrutar ou formar recursos humanos para um sector especializado como esse, sendo que nem sequer temos conseguido minorar a escassez de mão-de-obra no sector das novas tecnológicas, cuja taxa de empregabilidade está próxima dos 100%. Nem me refiro à evidente fraqueza negocial resultante da falta de escala e de capacidade financeira num negócio de capital intensivo, da distância dos potenciais compradores ou poder de representação, quando estamos a competir com pesos pesados do sector fortemente estabelecidos, como a Siemens, Alstom ou Bombardier.

Imaginando que nada disso seria impeditivo, irei apenas abordar a vertente do fundamento base. É verosímil tentar criar um sector quando a manufactura tem estado a perder maior valor acrescentado e quando vai ser alvo de uma maior implementação da automação?

De acordo com dados do Banco Mundial e das Nações Unidas, em todas as principais economias mundiais ocorreu um declínio substancial da manufactura nos últimos 40 anos. O estudo “O futuro do trabalho”, do World Economic Forum, complementa e reforça esta visão ao indicar que, em 2025, já ao virar da esquina, as máquinas irão realizar metade das tarefas no sector laboral, contra os 29% de 2018.

O estudo, para além de uma mensagem de cautela, contém uma fonte de optimismo mas, e aqui é que está o diabo, no detalhe, um pormenor que faz toda a diferença, esse optimismo só se converte em realidade se os governos agirem preventivamente para fomentar a criação de uma força de trabalho que aproveite a gigantesca realocação de pessoal que irá ocorrer. Porquê? Porque não é de um dia para o outro que se aproveitam os 133 milhões de postos de trabalho que vão ser criados, com as mesmas competências dos 75 milhões de trabalhadores que vão perder o seu emprego.

Ou seja, em vez de preparar o futuro (urgentemente) com a reorganização da oferta educacional e formativa para os novos postos de trabalho, aliada a uma discriminação positiva à criação e fixação de empresas desses sectores, o talentoso propagandista Sr. Costa quer fomentar um negócio para o qual estamos atrasados uns 50 anos e destinados ao insucesso.

O problema agrava-se quando o amorfismo em que estamos, sem pensamento crítico consistente na sociedade, nos leva a deixar andar. O futuro não espera, vai bater-nos à porta e depois não haverá propaganda que nos salve.