O chamado “caso das gémeas” é ilustrativo de como uma prática de favorecimento que tem feito parte dos costumes – a cunha – deixou de poder ser feita em segredo e secreta continuar. O contexto mudou, a prática terá de se tornar mais subtil para subsistir, os costumes estão a ou têm de mudar.

Há sempre alguém que tomou conhecimento do favor, que está disposto, acha necessário, está obrigado pelo dever, ou tem vontade de o divulgar publicamente, talvez como vingança, e há media abertos a publicar o segredo sem receio de represálias políticas ou económicas.

A liberdade de expressão e de imprensa é um direito constitucional que, felizmente existe e é protegida pelos tribunais, embora não seja de desconsiderar uma elevada dose de autocensura que elimina informação e opinião do espaço público.

Os media atuam na prossecução do desígnio democrático de divulgação do que se considera dever ser conhecido do público algo, eventualmente ilícito, que se pretendia ficasse escondido.

Por mais bem-intencionada que fosse a cunha (um clérigo considerou que há “cunhas boas e cunhas más”) esta encerra potencial para ser transformada num escândalo com valor económico uma vez divulgada publicamente.

O prazo de validade do escândalo como tema mediático é tanto maior quanto maior for a sua repercussão pública e a dos seus eventuais spin offs: a descoberta de um segredo pode levar à descoberta de outro prolongando o shelf life do escândalo inicial, ou seja, aumenta o prazo de validade do valor do ativo em que se tornou. O escândalo proporciona e tem proporcionado o desenvolvimento de uma interessante cadeia de valor mediática.

No negócio da recolha, tratamento e venda de informação que são os media, aplica-se a máxima bad news is good news, ou seja, o valor económico de uma notícia considerada “má” é superior ao de uma notícia considerada “boa”. Em TV há a expressão blue lights, o chamariz das luzes das ambulâncias, indefetíveis na atração de espectadores ávidos de notícias e imagens sobre a desgraça alheia.

No atual momento, a receita dos media resultante da venda de espaço ou tempo para publicidade nos meios ditos tradicionais (ou heritage) diminuiu em consequência de fatores exógenos, como a subida da inflação, mas, acima de tudo, pela enorme concorrência das redes digitais.

Os gigantes Alphabet (Google, Youtube), Meta (Facebook, Instagram, etc.), Bytedance (TikTok) absorvem, segundo alguns dados, mais de 80% da receita de publicidade.

Uma alternativa para sobreviver é a maximização da exploração comercial em primeira mão do escândalo, das bad news. Ao serviço do interesse público, da participação dos eleitores no processo democrático alia-se o interesse comercial e a luta pela sobrevivência. São dois lados da mesma moeda.

Este contexto deveria colocar os agentes políticos em estado de alerta permanente: tudo ou quase tudo o que dizem e fazem, e mesmo o que não dizem ou fazem, é conhecido ou pode ser conhecido e tem valor comercial se for tornado público.

A proliferação do escândalo gerou a proliferação da opinião, de comentadores políticos que ganham ou complementam a vida emitindo opinião, discutindo e explorando sem caridade assuntos sérios ou ligeiros, alguns verdadeiros escândalos políticos, outros nem por isso, com um brio e persistência semelhante ao do comentário desportivo – que é por si uma escola da arte de comunicar.

Alguns políticos são ou foram comentadores desportivos onde ganharam a prática da oralidade e da interjeição vivaz, roçando por vezes o insulto, em infindáveis debates, em geral inconsequentes sobre trivialidades (o comentário não muda os resultados desportivos, embora possa influenciar o desfecho de “casos”).

Mas, se o escândalo é um instrumento que serve propósitos que justa ou injustamente antagonizam os políticos, estes têm ao seu dispor instrumentos de comunicação que podem e devem ser usados em sua defesa e promoção. Destaco o soundbite, essa “dentada sonora” que pode fazer ou desfazer reputações.

Há dias, um político que se tem mantido reservado surpreendeu com uma frase que se tornou de imediato num soundbite omnipresente nos media.

Pedro Passos Coelho disse que António Costa se demitiu por “indecente e má figura”. Três palavras, uma expressão popular, que resumem um pensamento. Uma lição em eficácia máxima. O valor político destas poucas palavras é imenso. Cavaco Silva, outro politico reservado, também é bom em soundbites. O “boa moeda, má moeda” persiste e serve como título a uma rubrica diária numa estação de rádio (Observador).

Falta Luis Montenegro juntar-se a estes fazedores de soundbites, elemento essencial, insubstituível para captar a atenção – esse bem essencial mas escasso – dos públicos perdidos na cacofonia comunicacional atual.

Não se consegue captar e manter a atenção com longas arengas e discursos, mesmo recorrendo a todas as virtudes da arte da retórica. Por vezes basta uma palavra: Change (Obama). Mas, três palavras (dispositivo conhecido como hendriatis na retórica) são o ideal. Soares é Fixe. Prá frente Portugal. Pai, Filho e Espírito Santo. Yes, we can. Just do it. Keep It Simple.