Não me lembro de nenhum governo, de esquerda ou de direita,  que deixasse de ter no OE medidas ‘eleitoralistas’ em ano respetivo. É, aliás, por existir esse sentimento geral que bastantes portugueses – sobretudo aqueles que há muito, desiludidos, não votam –, costumam lamentar a não realização de “eleições todos os anos”, fosse para as autarquias fosse para o país.

Do outro lado, temos políticos que nem sempre conseguem esconder outras preferências. Recordo a tirada sobre a “suspensão da Democracia” com que Manuela Ferreira Leite advogava ganhar tempo para a realização das sempre eternas reformas estruturais; ou a seráfica tirada de Luís Montenegro para animar um congresso do PSD em plena intervenção da troika: “A vida das pessoas não está melhor mas a do país está muito melhor” (sic).

Entre o humor dos governados e a ironia nada fina de governantes (ou candidatos a isso), com a liberdade de quem não pertence nem a partido nem a seita, prefiro sempre o dos primeiros. Irritam-me os rebanhos amestrados que, à vez, estão na política como no estádio de futebol: sempre em defesa dos seus, considerando “coerência” aquilo que não passa da mais pura obstinação de interesses partidários ou socioprofissionais.

A apresentação anual do OE é o momento em que na política mais vemos este efeito. A constituição da geringonça só catalisou este extraordinário fenómeno, no qual também jogam um papel importante as empresas de consultoria financeira chamadas a ‘orientar’ os órgãos de comunicação social na exploração do documento. E, como o fazem de forma ‘gratuita’, obviamente têm um interesse: enfatizar a complexidade da nova vida fiscal das empresas, que assim são chamadas a requisitar e pagar os serviços de quem tanto parece saber…

Atalho caminho: neste ano final da legislatura, gosto de ver o Governo PS, marginado pelas propostas de PCP e BE, a apoiar a trajetória ascendente do ordenado mínimo (para 600 euros) que será discutida em sede de concertação social; acho justo acabar com a dupla penalização da antecipação da reforma para quem tem longas carreiras contribuitivas; parece-me de elementar sensatez o aumento das pensões, sobretudo as mais baixas e o descongelamento das carreiras na função pública depois destes anos de austeridade; aprecio o trabalho (insuficiente) realizado na fatura da electricidade (e estarei agora atento à “era João Galamba”, para tentar perceber o que me parece uma descarada partidarização no setor da Energia); e era tempo de acabar com o pagamento especial por conta.

Se há sempre dinheiro para pagar a crise dos bancos e suportar o encargos das nossas incríveis PPP, umas e outras na ordem dos milhares de milhões, alguém tem de defender o rendimento das famílias, a vida decente das pessoas e o regresso à normalidade nas empresas.

Para mim, é um mistério que partidos como PSD e CDS entreguem de bandeja à esquerda a defesa de uma maior justiça social e se tornem esquizofrénicos na defesa das ‘reformas estruturais’ e no clamor contra a carga fiscal, direta e indireta. Parece-me tão estúpido quanto a esquerda ser autista em relação aos temas da segurança e das migrações, preocupações crescentes dos cidadãos, que deixa em monopólio ao populismo puro e à direita organizada.

Em conclusão: há coisas de que gosto neste OE. Além do mais, respeita o cumprimento das regras do Tratado Orçamental quanto às metas do défice e a trajetória (mais difícil) da dívida. Como europeísta, nesta matéria apraz-me registar a insatisfação de PCP e BE.