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Ordem dos Médicos diz que António Costa “não transmitiu fielmente” o que disse à porta fechada

O machado de guerra entre a Ordem dos Médicos e o Governo voltou a ser desenterrado pouco depois do cessar fogo na reunião de terça-feira. “O apoio continuado aos lares não pode ser atribuído aos médicos de família, da forma cega que o primeiro-ministro a expressou. Assim, o primeiro-ministro não transmitiu integralmente e fielmente aquilo que minutos antes tinha reconhecido”, segundo uma carta da OM enviada hoje para os 55 mil médicos em Portugal.
  • António Costa
26 Agosto 2020, 16h21

O machado de guerra entre a Ordem dos Médicos e o Governo voltou a ser desenterrado esta quarta-feira depois da reunião de terça-feira onde houve um aparente cessar fogo.

O bastonário da Ordem dos Médicos acusou hoje o primeiro-ministro de não ter transmitido aos jornalistas de forma integral o que tinha reconhecido “minutos antes” na reunião à porta fechada.

“Após a reunião, na conferência de imprensa conjunta, quando o primeiro-ministro, em declarações aos jornalistas, manifestou publicamente o seu apreço e consideração pelos médicos portugueses, não relevou a mensagem de retratamento da mesma forma enfática que aconteceu na reunião“, segundo a carta hoje enviada pela OM aos 50 mil profissionais em Portugal, a que o Jornal Económico teve acesso.

“Por outro lado, uma vez que falámos aos jornalistas antes do primeiro-ministro, que fechou a conferência de imprensa, não nos foi possível deixar mais claro que o apoio continuado aos lares não pode ser atribuído aos médicos de família, da forma cega que o primeiro-ministro a expressou. Assim, o primeiro-ministro não transmitiu integralmente e fielmente aquilo que minutos antes tinha reconhecido à Ordem dos Médicos“, segundo a missiva que conta com a assinatura do bastonário Miguel Guimarães.

“Em vários momentos da reunião, foi reconhecido pelo primeiro-ministro que os médicos cumpriram a sua missão no lar de Reguengos de Monsaraz e em todo o país e que as declarações à margem de uma entrevista ao Expresso, vindas a público no fim-de-semana, não correspondem ao que pensa sobre os médicos. O próprio primeiro-ministro reconheceu que as palavras proferidas na entrevista eram contraditórias com o seu pensamento sobre os médicos”, segundo a missiva que também conta com as assinaturas dos presidente do Conselho Regional do Centro e do Sul da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes e Alexandre Valentim Lourenço, respetivamente.

No encontro que teve lugar no Palácio de São Bento em Lisboa, a residência oficial do primeiro-ministro, a OM diz que “enfatizou que o apoio por parte dos médicos de família ao lar de Reguengos foi cumprido, mas que, como regra, os lares do setor social e privado devem ter apoio médico contratado para garantir que os seus utentes são acompanhados de forma regular e que, neste nível de cuidados, é disponibilizada internamente toda a atividade clínica adequada. Isto não retira que os médicos de família acompanhem os utentes das suas listas nos vários ciclos de vida, nomeadamente quando estão numa Estrutura Residencial para Idosos, quando o apoio configure uma situação de domicílio, como sempre o fizeram até à data”.

A carta também diz que a OM “foi perentória na necessidade de o primeiro-ministro assumir uma postura diferente para com os médicos e reconhecer o seu papel meritório e insubstituível em todo o decorrer da resposta à Covid-19”.

No final da reunião de segunda-feira, em conferência de imprensa sem direito a perguntas dos jornalistas, o bastonário da Ordem dos Médicos e o primeiro-ministro disseram que o caso das 18 mortes provocadas por um surto de Covid-19 num lar de idosos em Reguengos de Monsaraz está agora nas mãos de várias autoridades que terão de avaliar este caso e tirar as devidas conclusões.

“A situação esta entregue as autoridades competentes nomeadamente ao Ministério Público, Ordem dos Advogados e Inspeção-Geral de Atividades em Saúde”, disse hoje Miguel Guimarães após uma reunião com o primeiro-ministro depois de dias de tensão entre os dois responsáveis devido ao caso do lar de idosos em Reguengos de Monsaraz, distrito de Évora,

Por sua vez, também o  primeiro-ministro espera pela conclusão da avaliação por parte das autoridades competentes. “Claro que não podemos nunca confundir a árvore com as florestas, seja nos lares, seja a atuação de um médico, seja nos lares. Em relação a casos concretos, as autoridades competentes apurarão com a informação que já esta disponível”, afirmou António Costa.

Tensão em alta entre a Ordem dos Médicos e Governo

A tensão entre o Governo e a Ordem dos Médicos subiu de tom no domingo depois de ter sido revelada nas redes sociais um vídeo onde o primeiro-ministro criticava a atuação dos médicos no lar de idosos de Reguengos de Monsaraz. “É que o presidente da ARS [Autoridade Regional de Saúde] mandou para lá os médicos fazer o que lhes competia e os gajos, cobardes, não fizeram”, segundo disse António Costa na gravação feita pelo “Expresso” à margem da entrevista realizada pelo jornal e publicada no sábado passado.

Este vídeo contém uma conversa privada (em off the record) entre os jornalistas do “Expresso” e o primeiro-ministro e foi divulgado sem a autorização do semanário, conforme esclareceu o jornal na segunda-feira.

Na segunda-feira, o bastonário da Ordem dos Médicos veio a público criticar as declarações do primeiro-ministro. “As declarações foram infelizes. Ofenderam os médicos, que se sentem indignados com esta situação”, disse Miguel Guimarães na segunda-feira.

O bastonário disse que a auditoria realizada pela Ordem dos Médicos “não foi feita para condenar ninguém. A auditoria foi feita para cuidados que tinham sido ou não prestados, às normas da DGS que tinham ou não cumpridas, porque teve um impacto muito grande nas pessoas que la estavam, os idosos que são as pessoas mais frágeis, com um numero de mortes elevada, e o objetivo final da auditoria para saber se há ou não responsabilidades das pessoas envolvidas nesta questão do lar de Reguengos de Monsaraz, mas sobretudo para que esta situação não se repita noutras instituições com lares e esse é o objetivo fundamental”.

Já o líder do PSD defendeu na segunda-feira que o Governo devia divulgar o relatório da Segurança Social sobre este caso e que foi enviado para o Ministério Público a 16 de julho.

“O Governo tem dito que há um relatório oficial que até foi mandado para o Ministério Público. A minha pergunta é: mas não se pode saber o que diz o relatório oficial? Temos de continuar nesta confusão, com uns a responsabilizarem os outros, sem sabermos exatamente o que aconteceu?”, questionou hoje Rui Rio.

“Não percebo porque é que não é dado conhecimento publico do que é esse relatório oficial e do da Ordem dos Médicos, embora sobre esse já lemos um ou outro aspeto”, disse o líder do PSD esta segunda-feira.

Na carta hoje enviada aos 55 mil médicos em Portugal, a OM assegura que “não deixará de continuar a defender a honra e a dignidade dos médicos e dos doentes, e a verificar por vários mecanismos, nomeadamente inquéritos e auditorias, aquilo que são os cuidados de saúde prestados e as boas práticas médicas”.

“A Ordem dos Médicos está ao serviço do país, dos médicos e dos doentes, independentemente de opções e atitudes governativas e políticas do momento. Continuaremos também, com a elevação que caracteriza os médicos, a privilegiar o diálogo com as instituições, sem abdicar de enveredar por outras medidas, sempre que necessário”, garantiu a OM na missiva.

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