Pouco antes do ano terminar, irrompeu nas páginas da “New York Magazine” um dos artigos mais lidos do ano nos EUA sobre o nepotismo na indústria de Hollywood, declarando o ano de 2022 como “The Year of the Nepo Baby”. O artigo traça as dinastias e árvores de família de muitos atores e atrizes das novas gerações. E a conclusão que o artigo pretendia que retirássemos era simples: todos estes atores e atrizes que descendem de pessoas que já trabalham na indústria foram favorecidos pelas suas ligações, riqueza e nomes, independentemente do seu talento, um fenómeno que não é invulgar, mas que se tornou muito mais evidente nos últimos anos.

Pode ser redutor e injusto para as pessoas em questão, mas o nepotismo está à vista de todos. O talento de grande parte deles não está em causa, mas quantos não terão ficado  de fora, sendo rejeitados para dar lugar a mais um “nepo baby”?

Quem gosta de acompanhar esta indústria, sabe como longe vão os tempos em que líamos descrições nas biografias como “Alistou-se na guerra aos 18 anos, trabalhou como camionista, tentou entrar para a universidade, mas foi rejeitado por más notas até que finalmente convenceu um agente a aceitá-lo como cliente” (acabei de transcrever a biografia de um dos atores norte-americanos mais populares de sempre, Rock Hudson).

As reações ao artigo foram intensas, para dizer o mínimo. A Internet esteve obcecada pelo tema do nepotismo durante vários dias e descarregou-se muita raiva e frustração em torno deste tema, por razões várias, sendo o contexto socioeconómico atual quiçá, a principal, e que cada vez mais agrava o fosso das desigualdades.

Muitos dos atores referidos no artigo adotaram atitudes defensivas, alguns sentiram-se insultados, outros foram rápidos a assumir o seu privilégio em usar a influência das suas famílias para conquistar oportunidades, nunca deixando de frisar a necessidade de trabalhar imenso para provar o seu valor. Independentemente de todos os argumentos, a discussão gerou grande incómodo junto dos mais diversos agentes da indústria.

Não há dúvida de que crescer e fazer parte de um meio profissional criativo dá-nos um ponto de partida invejável. E ter a possibilidade de frequentar as melhores escolas e universidades, de poder viajar pelo mundo ou pelo país, faz com que esse percurso seja ainda mais enriquecedor.

Perguntei no Twitter se poderíamos transpor este tema de conversa para o contexto cultural português. As respostas foram afirmativas, embora tímidas. Claramente não é um tema fácil de abordar e, por vezes, tende muito facilmente para a ofensa pessoal. Além disso, o nepotismo está longe de se limitar ao mundo das Artes. Existe em muitas outras áreas profissionais, desde o jornalismo à política ou ao mundo empresarial. Cometer generalizações em relação a todos os filhos e filhas do nepotismo seria criar um retrato distorcido ou incompleto da realidade. Há quem diga que o nome de família só prejudica e dificulta o percurso, pois obriga a provar muito mais o que valem perante o público.

Mas a questão essencial permanece: no acesso a oportunidades, quem mais sai beneficiado? Há uma avaliação isenta ou o deslumbramento com os nomes e famílias ricas acaba por prevalecer? Basta reparar na frequência com que as revistas portuguesas e jornais referem constantemente essas figuras. E quanto maior a crise social e a precariedade no emprego, mais o nepotismo se torna difícil de aceitar sem gerar ressentimento e revolta em muito do tecido social. A discussão sobre o nepotismo é a discussão que é preciso  ter, por mais desconfortável que seja, e sem superficialidades.