No século XVII, a época dourada da pirataria, era fácil identificar um pirata pela forma como se apresentava, ou um dos seus navios, normalmente pelas velas negras asteadas. Eram amplamente temidos por comerciantes e navegadores, e utilizavam esse medo irracional para levar a cabo as mais épicas pilhagens, muitas vezes sem grande poder de resistência dos lesados.

Na altura, as empresas – ou companhias, como eram conhecidas na época – tentavam escapar aos ataques de piratas das mais diversas formas, mudando rotas comerciais, escondendo a carga ou introduzindo melhorias nas suas embarcações de forma a repelir os ataques com sucesso. As cargas valiosas transportadas através dos mares eram apetecíveis para estes temíveis navegadores que arriscavam a sua vida pelo ouro alheio, fazendo muitas vezes reféns os mercadores ricos em busca de um resgate chorudo.

Não havia na altura quem do mar fizesse a sua atividade que não conhecesse histórias e estórias de piratas e ataques surpreendentes. Nasceram lendas que perduram no tempo, chegando aos nossos dias com contornos fantásticos e até romantizadas.

Agora os piratas são outros. E as companhias, os mares, os reféns e os resgates também.

No século XXI é difícil reconhecer um pirata. Embora exista o estigma de que os piratas informáticos são pessoas que passam o dia atrás de um computador, sem vida social e incapazes de elaborar um discurso não-tecnológico com os demais, baseando a sua existência em programas tão complexos que fariam corar qualquer engenheiro da NASA, a realidade não é bem assim e podemos cruzar-nos com um ou dois piratas informáticos na rua ou no metro e não darmos por isso.

Os mares antes navegados pelos piratas mudaram de forma e agora navega-se pelo submundo da maior rede do planeta anonimamente. Os navios pirata deram lugar a fóruns e salas de chat mais ou menos obscuros, e as armas são fabricadas e partilhadas com uma leveza extrema. É tudo digital.

As companhias, agora conhecidas como empresas, não têm tanta noção dos perigos a que estão expostas ao terem as suas redes conectadas à Internet como antigamente tinham quando lançavam ao mar um barco carregado de jóias. Já não faz parte do todo pensar nestes perigos e a desinformação, assim como a informação, é poder, vale dinheiro e custa dinheiro. Os piratas modernos sabem disso e é com base nesse conhecimento que fazem as suas investidas, planeiam os seus ataques e fazem reféns.

Se antigamente se raptava o mercador rico ou alguém da sua família para solicitar o resgate em ouro, agora sequestra-se um computador, ou vários servidores, e solicita-se o resgate em bitcoins – a moeda virtual que está a mexer com a economia e que já vale mais que o ouro.

Os ataques são cada vez mais direcionados, tal como no século XVII, e o utilizador comum, sem grande poder de compra, já não é o principal visado, mas sim uma mera ferramenta para chegar às grandes empresas, as que têm dinheiro e mais a perder do que as fotografias das férias em família se ficarem com um servidor sequestrado. Utilizam-se as redes sociais, os engodos e a liberdade de navegação que as empresas permitem aos seus colaboradores para quebrar a pouca segurança que as grandes empresas têm e, em poucos segundos, abre-se um manancial de oportunidades e de possíveis reféns sem que o próprio colaborador se aperceba.

Estima-se que as empresas percam milhares de milhões de euros todos os anos com estes ataques mas, mesmo assim, e de acordo com um estudo recente, mais de 85% das empresas a nível mundial não estão preparadas para um ciberataque. Falta estimar a percentagem de empresas que, apesar dos prejuízos alheios, se preocupa de facto. Porque a velha máxima de “casa roubada, trancas à porta” continua a perdurar.

Este século está a ser a nova época dourada da pirataria, mas contrariamente ao século XVII em que as companhias tentavam proteger os seus valiosos bens de todas as formas, agora a maior parte das empresas ignora estes perigos e mantém os seus sistemas obsoletos, os servidores expostos à Internet e os colaboradores desinformados. Isto quando, às vezes, a prevenção é tão simples como era espreitar pelo monóculo e identificar ao longe um navio pirata e preparar armas. Provavelmente, daqui a uns séculos teremos novas lendas, fantasiosas, intrigantes e repletas de mistério como as de antigamente, e também estas perdurarão no tempo como a história do temível Barba Negra.