Chama-se “Her”, é o quarto álbum de Rita Redshoes e está hoje à venda. Mas, nesta entrevista, a cantora e compositora fala sobre muito mais do que música.
Como avalia o trabalho do Governo anterior e o do atual que se tornou histórico após a maioria parlamentar de esquerda?
Vivi de forma muito acesa as últimas eleições, estava colada à televisão. Foi maravilhoso nesse sentido histórico da novidade, porque este país precisa de novidade, sobretudo na política. Gostei disso e pensei logo que as pessoas iriam cumprir e responsabilizar-se pela solução…
E cumpriram?
Gosto mais de falar no fim, mas aprecio ver mulheres no poder e isso faltava muito em Portugal…
Mas o anterior Governo tinha ministras…
É verdade, mas quero mais mulheres e jovens, porque isso é bom. Há uma geração ativa que trabalha, paga os seus impostos e precisa de ter uma voz.
Além da imagem, o Governo tem cumprido o que prometeu?
Creio que sim. Não tenho partido, acredito em pessoas que acreditem no país e no povo, trabalhem nesse sentido e sejam honestas…
É mais de esquerda ou de direita?
Há valores em que me sinto mais de esquerda [risos] e outras coisas menos… Mas importante é servir o povo e o país. Sinto é que se perde muito tempo a criticar os outros sem apontar soluções nem colaborar, um erro profundo. O país é nosso e todos temos de contribuir para uma vida melhor. Custa-me muito, fico até a digerir mal o jantar quando vejo o telejornal e percebo o tempo que os políticos passam a criticar. Isto não tem interesse, ninguém cresce, façam críticas construtivas! Claro que isto é muito idealista, porque há egos, dinheiro e interesses, mas estão em causa um país e pessoas.
Quem governa o país são os governos ou as grandes empresas?
Quero acreditar que são os governos e tenho discussões infindáveis com os meus amigos sobre isso, mas, caramba! se calhar é… por outro lado, se começar a acreditar e olhar para o mundo assim, isto perde significado.
Como analisa o presidente?
Marcelo Rebelo de Sousa é um Presidente da República, dentro da geração dele, mais próximo daquilo que é a realidade com que as pessoas podem identificar-se e é exímio a fazer isso. Tem cumprido e, por comparação com o anterior, tenho muito mais disponibilidade para ouvir um discurso dele, ter mais fé naquilo que possa trazer ao país ou resolver a falta de bom senso. E isso dá-me esperança.
Também tem esperança na União Europeia?
Zango-me muitas vezes comigo por ficar dormente. Há uma canção no disco, “Bed of Love”, que é inspirada na imagem de uma senhora sozinha, refugiada, que vem num dos barcos e vi no telejornal. Foi uma imagem muito forte e bateu-me, mesmo tendo a consciência de que, podendo fazer algo, não posso resolver aquilo. Mas a União Europeia está dormente a muitas coisas que se passam – por exemplo, no que respeita aos Direitos Humanos, mas não quanto aos lucros e ao dinheiro. Isso é o inverso do que deveria ser.
Crê que Guterres pode agir de modo positivo como secretário-geral da ONU?
Tenho essa esperança e orgulho nisso. Vi essa preocupação dele no terreno, fiquei orgulhosa. Tenho de acreditar que alguém que chega ali com essas intenções deve cumpri-las.
Portugal é um país interessante?
Portugal é um país muito interessante, começo a pensar que é o centro do mundo! Estive um mês fora a gravar em Berlim e fiquei com saudades enormes do país! O Victor, produtor, durante quase 10 anos passou férias em Tavira; o Greg, baixista, gosta muito de geologia e disse-me que esteve para comprar uma casa em Guimarães com a Laurie Anderson; o Earl estava a caminho de Lisboa para uma digressão; o Knox tinha uma história com uma promotora de cá há 20 anos – toda a gente tem memórias e história sobre o país!
O que espera do futuro presidente dos Estados Unidos?
Para ser muito honesta, não tinha grande esperança em qualquer dos candidatos, revia-me mais em Bernie Sanders, mas era demasiado à esquerda para a realidade dos Estados Unidos e a sua História. Mas gostei que tivesse o espaço de que gozou. O que posso dizer? Donald Trump é uma anedota, termos esta conversa é surreal! Apesar de ser uma mulher, Hillary não merece simpatia por várias posições ao longo da vida. Seria do mal o menos e isso também era triste para um país daquela dimensão.
O tema “Mulher” do novo disco é uma declaração de princípios?
[risos] Não sei…
Porque soa um pouco a isso…
Percebo, o meu irmão disse: “Isto é uma marcha!” Claro que tem um bocadinho isso, fiz uma tradução para os músicos perceberem e a intenção deles logo a tocar foi essa. Tornou-se espécie de bandeira, mas são os meus princípios, não são para todos.
Ilustram a sua faceta de defensora dos direitos das mulheres e de ativista contra a violência: como se reflete isso no seu dia-a-dia?
Tive a sorte de a minha avó e a minha mãe serem muito feministas, mas também, de alguma forma, um pai, um avô e um irmão. Nunca senti que a minha opinião não contasse ou que o meu pai colocasse em causa ser música por ser mulher. Demorou algum tempo até ser confrontada com isso, mas, à medida que ia crescendo e nesta profissão, deparei-me com situações no tratamento e no espaço das questões das mulheres. Tive alguns episódios caricatos a trabalhar com homens.
Sentiu-se discriminada?
Senti, senti… Virei a questão para mim porque sou tímida, mas cruzei-me com mulheres de outras áreas que se queixavam do mesmo e isso levou-me a perceber que havia uma questão. Isso zangou-me e irritou-me. Custa-me e entristece-me porque aproveitamos todos menos do que podíamos e, quando há violência psicológica ou física, zango-me mesmo!
Interveio ou foram ter consigo?
Vieram ter comigo. Era sensível, seguia as newsletters da APAV e disse logo que sim.
Estamos muito longe da paridade entre géneros?
Estamos um bocadinho longe e, noutras sociedades, muito longe. Há mulheres em sofrimento atroz em algumas sociedades, mas, mesmo na Europa, há muito por fazer e mudar mentalidades. Discutir é um bom passo para alterar a situação.
O que anda a ouvir?
Comprei colunas novas [gargalhada] e voltei a ouvir discos antigos. Um deles, e um dos discos da minha vida, é da Joni Mitchell, “Both Sides Now”, em que ela já canta na oitava abaixo. É das coisas mais bonitas feitas alguma vez!
Lê muito?
Sim e adoro biografias.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com