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Pandemia poderá acelerar fusões entre auditoras

Firmas de auditoria foram obrigadas a adaptar-se ao “novo normal” criado pela Covid-19. Crise económica e exigências crescentes podem levar a M&A no setor.
5 Julho 2020, 12h00

Auditores, revisores de contas ou contabilistas estão entre os profissionais que se viram confrontados com os constrangimentos causados pelo novo coronavírus e a crise económica daí resultante. Com prazos por cumprir, planos de contingência por aplicar e um turbilhão de regulamentos a respeitar, estes especialistas garantem que a pandemia deu, pelo menos, uma lição importante: é essencial que os processos de auditoria e revisão de contas continuem a ser realizados com a maior qualidade e que a informação financeira seja clara e coerente, apesar das restrições causadas pela pandemia e dos seus efeitos económicos. Os especialistas ouvidos pelo JE defendem que a atual conjuntura, de contração da economia e de queda de receitas, deverá conduzir a uma necessidade de racionalização que se poderá traduzir por trabalho em conjunto ou em movimentos de concentração entre firmas de auditoria.

“É crível que ocorram algumas concentrações de empresas de auditoria por força da contínua exigência de cada vez mais qualidade de trabalho e da necessidade de adaptação a estas novas realidades, em que nem todos terão capacidade de atingir”, diz Pedro Miguel Manso, sócio da Oliveira Reis & Associados. O especialista acrescenta que “o mercado irá certamente contrair e provocar a redução de operadores habilitados a interagir no setor”.

Para Luís Gaspar, managing partner da Mazars em Portugal, a crise económica está a ter impacto na operação das auditoras e esta situação deverá manter-se num futuro próximo. “Penso que as verdadeiras questões que se colocaram às empresas foi se estavam ou não preparadas para uma crise económica e se os planos de contingência que existiam eram ou não adequados. Como verificámos, as empresas a atuar no mercado de auditoria não reagiram todas da mesma forma”, diz o responsável.

A Mazars garante que continua focada na estratégia de médio e longo prazo, que engloba por exemplo o reforço da presença da multinacional francesa – e concretamente da subsidiária portuguesa – no mercado de auditoria, o investimento na formação dos seus recursos humanos (nomeadamente com competências necessárias para que possam manter o plano estratégico e com skills para desenvolvimento não só profissional como pessoal).

“Os auditores estão a lidar de forma diferenciada com esta realidade, dependendo da sua estrutura, dimensão, tipologia de clientes mas, acima de tudo, do nível de compromisso com os seus colaboradores, com os clientes e com a sociedade em geral”, explica Luís Gaspar, reforçando a ideia de que continua a ser necessária uma reforma de auditoria mais alargada, “eventualmente com maior incentivo à auditoria conjunta, de forma a mitigar alguma falta de concorrência que existe neste mercado, a nível global”.

Do lado das chamadas Big Four (denominação que abrange a Deloitte, EY, PwC e KPMG), a readaptação aconteceu noutra dimensão. Na KPMG, envolveu colocar os cerca de 1.200 profissionais a trabalhar de forma remota logo a 16 de março e, atualmente, conta parte dos seus colaboradores nos três escritórios que tem no país e outra continua em regime de home office. Ao JE, o vice-presidente da consultora assegura que não verificou quaisquer disrupções no negócio, pelo que se mantém a apoiar os clientes “e a explorar novas oportunidades”, sem detalhar quais.

“A maior parte da evidência estava recolhida e estávamos essencialmente em momento de conclusão das auditorias, não foram sentidos constrangimentos relevantes na entrega do trabalho”, explica Vítor Ribeirinho, confessando que neste contexto foi essencial impulsionar o “ceticismo profissional” quanto à fiabilidade e validação dos elementos que lhes eram facultados, e ter em consideração “a suscetibilidade de alterações no ambiente de controlo das próprias empresas auditadas, em função da alteração repentina de processos que tiveram de enfrentar”.

A opinião é partilhada por outros players, que explicam que já estavam finalizados os trabalhos no terreno para elaborar os relatórios referentes ao último dia de 2019. No entanto, admitem que foram mais flexíveis com empresas de setores mais afetados, como é o caso do turismo, restauração e hotelaria, através de moratórias no pagamento dos serviços e até no ajustamento dos valores contratuais.

Vítor Santos, partner da DFK & Associados, refere que esse foi o caso da sua sociedade e antecipa que esta seja uma “situação transitória”. “Os trabalhos de auditoria são normalmente executados nas instalações dos clientes, pelo que a continuidade dos mesmos ficou, nesta fase, mais dependente da capacidade de disponibilização de informação em formato digital, e na obtenção de respostas por parte do cliente e no acompanhamento físico de alguns processos críticos, nomeadamente inventariações físicas. Estas limitações foram agravadas nos clientes que se encontravam em lay-off, contudo tivemos sempre interlocutores na área financeira”, afirma.

Na Your Audit, Tax & Advisory, uma das empresas do grupo Your, os principais desafios foram (e são) assegurar a sustentabilidade de um negócio assente numa profissão pouco apoiada para cumprir as obrigações previstas nos contratos com os clientes. O CEO admite que se tem deparado com entraves na gestão dos processos, porque “uma parte relevante dos clientes, nomeadamente no que se refere às entidades públicas, não estavam preparados para o teletrabalho”.

A nível interno, apesar de a empresa não ter perdido clientes nem ter deixado de faturar, perdeu cash-flow por efeito de uma quebra nos recebimentos. “Mas mantivemos a nossa estrutura, que, através do teletrabalho, conseguiu e continuará a conseguir dar a resposta necessária ao cumprimento das nossas funções – este é um auto reconhecimento merecido que não posso deixar de fazer”, diz Hugo Salgueiro. A seu ver, “um bom auditor tem que conseguir reunir pelo menos três valências: conhecimento técnico de alto nível; conhecer o negócio do cliente como ele próprio conhece, ou em alguns casos até mais; saber efetuar um bom trabalho de campo e manter a proximidade com as atividades operacionais do cliente”.

 

Meios tecnológicos internos não causaram entraves
As empresas de auditoria e revisão de contas que investiram em equipamentos tecnológicos e software de gestão e otimização de processos saíram beneficiadas – e continuarão a sê-lo. Familiarizados com a flexibilidade laboral, estes profissionais redirecionaram as preocupações para o cliente: está devidamente apetrechado de meios digitais?
Pedro Miguel Manso, partner da sociedade de revisão de contas Oliveira, Reis e Associados (ORA) garante que observou “um significativo compromisso e grau de preparação” por parte das diferentes organizações, no sentido de disponibilizar a informação necessária à conclusão das auditorias. “O alargamento de diversos prazos legais de reporte, tais como os relativos à data de realização de Assembleias Gerais ou os relativos a diversos reportes regulamentares, resultaram em alguns casos na dilatação dos prazos habituais de realização dos trabalhos. Apesar destes fatores, salvo raras exceções, tem vindo a ser possível concluir os trabalhos e emitir os nossos relatórios, contando para tal com a preciosa cooperação das equipas dos nossos clientes”, garante o sócio.

O mesmo se passou na Mazars, cujo regime de teletrabalho era uma prática na empresa: não observou obstáculos de produtividade e eficiência, mas alguns clientes, especialmente os que se encontravam em lay-off, “tiveram alguma dificuldade em facultar os elementos necessários ou em esclarecer determinado tipo de questões e dúvidas surgidas no decurso do trabalho de auditoria”. “Face a esta realidade, em alguns casos foi mais difícil obter prova de auditoria, tendo sido necessário adotar procedimentos de auditoria alternativos/complementares, o que se traduziu numa menor eficiência”, clarificou.

Já a KPMG Portugal refere que, apesar do estado de emergência, a recolha de prova para auditoria, que exigiria uma presença física nos escritórios dos clientes, tem sido, na sua maioria, recolhida.

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