Segundo o estudo “Afinal, quantas pessoas é que se abstêm em Portugal?” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, de 2023, a propósito da abstenção nas eleições de 2022, é referido que deverá ter estado mais próxima dos 35% do que dos 42% dos números oficiais. Dizem os autores do estudo “por cada três adultos portugueses que emigraram entre 2019 e 2021, pelo menos um deles não se terá recenseado no estrangeiro, conservando a sua morada e inscrição eleitoral em Portugal”.

Por outro lado, conforme noticiava o Jornal Público em Dezembro de 2023, a organização não governamental, EU DisinfoLab alertava para risco mundial de desinformação nas várias eleições a realizar em 2024 e defendia “um sistema precoce de detecção de desinformação eleitoral, fora dos períodos de campanha”.

A conjugação da abstenção e da desinformação são inimigos da democracia e parecem-me não ter despertado suficientemente a população, investigadores, mas principalmente os decisores políticos, para a necessidade de mais investigação como a que citei acima e medidas preventivas de acordo com a evidência, como forma de protecção da democracia.

A memória da ditadura em Portugal vai-se desvanecendo à medida que cada vez existem mais cidadãos que nasceram no pós-25 de Abril. Por outro lado, os portugueses não mudaram os seus valores e atitudes (até podendo ter mudado alguns comportamentos), de 25 para 26 de Abril de 1974, radicalmente. Qual será o efeito destas dimensões no Portugal de hoje?

A percepção sobre a desigualdade parece ser, segundo alguns estudos, um dos aspectos que poderá levar ao abandono das urnas pelos eleitores, para além de poderem levar a um legítimo voto de protesto. Todavia, o voto de protesto pode ter várias formas e ser mais ou menos racional.

Votar de forma mais emocional não é votar com mais sensibilidade ao que as pessoas sentem ou com mais empatia, é sim votar de forma mais intuitiva, sem tanta ponderação. Por exemplo, sem ler e analisar programas ou linhas programáticas em geral, ou a analisar a competência dos candidatos ou as suas atitudes e os seus valores. É… a democracia dá trabalho. Desconfie se começar a sentir que são os outros que a fazem por si!

Já a investigação sobre os factores emocionais associados à decisão de voto, é mais vasta e clara, nomeadamente quanto ao impacto do voto mais devido ao medo e à raiva, ou à vinculação que sentimos com um determinado partido ou candidato, ou seja, o sentido de pertença ao “clube” ou o simplesmente “gostar” deste ou daquele candidato.

Sendo assim, a desinformação ganha muito mais relevância (pois sabemos que é de uma abordagem mais intuitiva que vêm mais enviesamentos e erros na leitura do mundo à nossa volta), particularmente quando temos mais informação a circular de forma mais rápida e cada vez mais na nossa bolha, mais intolerância pós-pandémica (com o outro, com o que pensa diferente, com o aceitar a diferença e negociar,  com o equilíbrio de ponderação na forma como respondemos sem escalar na agressividade, calibrando e mostrando uma proporcionalidade diplomática) e ainda juntando a nossa pouca literacia mediática, bem como a pouca compreensão sobre a forma como processamos informação e tomamos decisões.

As variáveis não se esgotam aqui nem as suas relações, que são tudo menos lineares e não permitem contar uma história simples de causa efeito, mas são, isso sim, uma intrincada rede de correlações. Iniciámos há muito pouco tempo os nossos planos nacionais para construir mais literacia mediática, mas temos sido pouco ambiciosos. A introdução de aplicações decorrentes da teoria da inoculação, de Sander Van der Linden, na prevenção da desinformação, ou da utilização de aplicações da norma social de modo a aumentar a motivação e o comportamento de ir às urnas é muitíssimo pouco utilizado, seja pelo Estado, seja pelas organizações cívicas.

Ora, se gostamos de ir com a maioria, na maior parte das situações, se soubermos mais que aqueles que nos rodeiam se importam e vão votar, mais de nós votaremos (por isso não é boa ideia números errados de abstenção). E se aprendermos, desde jovens, como se faz a desinformação, saberemos mais facilmente como a detectar e evitar.

Agora, temos de escolher: continuar agarrados às nossas crenças, à autorreferenciação e pouca pró-actividade ou experimentar mais possibilidades credíveis para a inversão de uma situação cada vez mais preocupante para podermos viver em liberdade e com uma democracia saudável. Já não é nada cedo…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.