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Parlamento aprova comissão de inquérito ao Novo Banco, mas conferência de líderes decide abrangência

Situação inédita na votação de uma comissão parlamentar de inquérito levou a que o tema tenha que ser discutido na Conferência de Líderes. Parlamentares pedem a maior “brevidade possível”, depois de aprovadas as propostas do Bloco de Esquerda, PS e Iniciativa Liberal.
  • Cristina Bernardo
25 Setembro 2020, 13h54

Que vai existir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao Novo Banco já não há dúvidas, mas ainda não foi esta sexta-feira que ficou definida qual a sua abrangência. Isto porque, pela primeira vez na história, o Parlamento aprovou três propostas para a criação de uma CPI ao Novo Banco, entre as quatro que foram votadas hoje — a do Chega, que pretendia investigar o financiamento de campanhas políticas pelo Grupo Espírito Santo (GES) , bem como às operações de alienação de ativos do Novo Banco, foi chumbada.

A proposta do Bloco de Esquerda (BE) foi aprovada por unanimidade, enquanto a proposta da Iniciativa Liberal (IL) e do PS foram aprovadas com os votos contra apenas do PSD. Já a proposta do Chega foi rejeitada com votos contra do PS e do PSD, com a abstenção do PCP, PEV, IL e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. A favor desta proposta votaram, claro, o Chega, e depois, o CDS, o PAN e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

Depois de alguma discussão sobre como contornar o facto inédito e do abordagem sugerida pelos deputados, Fernando Negrão, vice-presidente da Assembleia da República determinou, por isso, que as três propostas aprovadas do BE, IL e PS vão à conferência de líderes para que sejam tornadas numa só proposta. Isto é, da conferência de líderes – à qual foi pedida a maior “brevidade possível” – sairá um texto final para a criação de uma CPI ao Novo Banco com as propostas apresentadas.

Quatro propostas a votação

Num debate em que os partidos se mostraram alinhados sobre um inquérito parlamentar dos prejuízos do Novo Banco imputados ao Fundo de Resolução, foram poucos os que divergiram sobre a abrangência do mesmo, mostrando desde logo a maioria a disponibilidade para votar favoravelmente às quatro propostas.

O Bloco de Esquerda abordou novamente o que considera ser a “inutilidade” da Deloitte “para avaliar os actos de gestão do Novo Banco”, motivo pelo qual considera que uma comissão de inquérito parlamentar (CIP) à instituição de crédito se tornou “inevitável”. Mariana Mortágua, deputada dos bloquistas, disse, esta manhã, sobre as quatro propostas para uma CIP ao Novo Banco — do Chega, BE, Iniciativa Liberal e PS — que “depois de [se] conhecer a auditoria da Deloitte ao Novo Banco, esta comissão de inquérito é mais necessária e mais urgente porque, uma vez comprovada a sua inutilidade para avaliar os actos de gestão do Novo Banco, será inevitável encontrar uma alternativa que não deixe o interesse público refém dos conflitos de interesses”.

O âmbito da proposta do PS abarcava ainda os primeiros momentos de vida da instituição financeira, nomeadamente, porque é que o Banco de Portugal (BdP) decidiu não vender o banco em setembro de 2015, altura em que havia “três propostas muito boas”. O deputado socialista, João Paulo Correia, afirmou que “é importante escrutinar porque é que em setembro de 2015 foi decidido interromper a venda do Novo Banco quando o BdP anunciou publicamente que existiam três propostas muito boas, mas decidiram não vender o Novo Banco”.

A Iniciativa Liberal, que também tinha uma proposta a discussão, mostrou preocupação com os trabalhadores da instituição de crédito devido aos danos reputacionais por causa das dúvidas que pairam sobre o banco. João Cotrim Figueiredo explicou que um dos objetivos da CPI ao Novo Banco pretende dissipar as “permanentes suspeitas” que caem sobre o banco “porque toda essa atenção negativa o banco erode a sua reputação, dificulta a gestão do interesse público e pode prejudicar o futuro dos trabalhadores do Novo Banco, que são provavelmente as vítimas mais ignoradas de todo este circo”.

o deputado único do Chega!, André Ventura, defendeu uma “investigação sem fim” àquele que classificou como “o maior escândalo em democracia em Portugal no uso do dinheiro dos contribuintes”, referindo-se à resolução do BES e venda do Novo Banco, numa Comissão Parlamentar de Inquérito com o objetivo de averiguar “o financiamento ilícito de todas as campanhas eleitorais onde eventualmente surjam ligações ao BES/GES, bem como escrutinar e avaliar as operações de alienação de ativos desenvolvidas pelo Novo Banco e as linhas de crédito concedidas, assim como a idoneidade dos seus destinatários e contrapartes negociais”.

Num debate onde houve muita convergência de ideias – com excepção da troca de galhardetes entre o Bloco de Esquerda e o Chega! -, a generalidade dos partidos assinalaram logo ao que estavam dispostos. Inês Sousa Real, porta-voz do PAN, afirmou que o partido iria viabilizar todas as propostas em discussão, sustentando que “o Novo Banco tem sido um buraco sem fundo de prejuízos a quem o Governo e o Fundo de Resolução têm passado cheques em branco de muitos milhões de euros e a quem o Banco de Portugal tudo tem permitido”.

Já o PEV, pela voz de José Luís Ferreira, indicou que o partido não iria “votar contra nenhuma das propostas, mas só vão votar a favor das propostas que pretendem incidir o objeto da comissão de inquérito sobre os atos praticados desde o processo de resolução até aos dias de hoje”.

Já Duarte Alves, parlamentar do PCP, reiterou a disponibilidade do partido para todo o escrutínio ao Novo Banco, mas voltou a defender a medida inviabilizada na semana passada na semana passada no Parlamento: “Não esqueçamos que os portugueses já enterraram perto de nove mil milhões de euros, já só faltam 900 milhões de euros da garantia pública. Neste momento crucial, mais do que auditorias e inquéritos, o que faz falta é a vontade política para assegurar que um banco que é pago por todos seja efetivamente colocado na esfera pública”, disse.

O PSD, conforme Rui Rio já tinha adiantado, disponibilizou-se para viabilizar a proposta dos bloquistas, mas Hugo Carneiro deixou claro que não iria alinhar “em certas propostas de outros partidos, como a do PS, que visam voltar a repetir a comissão do BES, ou que procuram instrumentalizar esta nova comissão de inquérito para fins políticos. não aceitaremos contra as propostas que as há para fins que não têm a ver com o Novo Banco e fazem parte do atavismo populistas”.

Já a centrista Cecília Meireles apesar de reiterar a importância de um foco no presente, garantiu que o partido não colocaria impedimentos ao escrutínio que os outros partidos considerassem necessários. “Os prejuízos que estão agora a aparecer são prejuízos que vêm do passado, que tem a ver com o facto de terem passado para o Novo Banco ativos que não deviam ter passado para o Novo Banco ou são prejuízos que têm a ver com uma péssima gestão do Novo Banco, que andaria a vender ativos ao desbarato? Onde é que está o problema: são os ativos que estão no Novo Banco que não valem o valor pelo qual estão contabilizados ou estão a ser mal vendidos? Esta é a questão fundamental a que uma comissão tem que responder”, afirmou.

O deputado socialista Fernando Anastácio salientou ainda que o PS quer “conhecer a história toda”, desde a resolução do BES à venda e gestão do Novo Banco, e acusou o PSD e o CDS-PP de “incómodo” e de terem uma “visão seletiva” porque “não quererem conhecer uma parte da história que não lhes é muito favorável”, referindo-se à resolução do BES, em 2014, feita durante o Governo PSD/CDS. “O PS assume tudo aquilo pelo que foi responsável e era importante que o PSD e CDS-PP fizessem o mesmo”, referiu.

“É nesse sentido que votaremos todas as propostas apresentadas, com exceção daquelas que saem claramente do âmbito daquilo que é a preocupação dominante na sociedade portuguesa neste momento, que é conhecer o que se passou e o que se passa no Novo Banco”, reiterou Fernando Anastácio.

(notícia atualizada às 14h11 com as votações)

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