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Personalidades JE: Sousa Franco – O ministro do euro

Sousa Franco morreu inesperadamente no verão de 2004, aos 61 anos. Hoje, poucos recordam o seu nome enquanto responsável pela adesão de Portugal ao “pelotão da frente” da moeda única.
21 Novembro 2020, 10h00

O Jornal Económico escolheu 30 personalidades dos últimos 25 anos que marcaram, pela positiva e pela negativa, a atual sociedade portuguesa: políticos, empresários, gestores, economistas e personalidades da sociedade civil. A metodologia usada para compilar as Personalidades JE está explicada no final do texto.

António Luciano Pacheco de Sousa Franco (1942 – 2004) foi o responsável pela adesão de Portugal ao euro. Mas a sua importância para o mundo monetário, financeiro e orçamental não se ficou por aí porque também foi uma referência em matéria de contabilidade pública, de Finanças Públicas, de transparência de procedimentos e de política fiscal. O seu percurso político não foi feito num único partido, tendo assumido funções governativas em várias latitudes políticas, desde secretário de Estado das Finanças, em 1976, quando Salgado Zenha foi ministro da Tutela num Governo liderado por Mário Soares, passando por ministro das Finanças no Governo de Maria de Lurdes Pintasilgo, em 1979, até assumir também a pasta das Finanças no Governo  de António Guterres, entre 1995 e 1999.

A verdade é que Sousa Franco passou à história como o responsável pelo facto de Portugal ter estado na linha da frente do “pelotão do euro”. Tudo fez para que nada fosse apontado contra a integração de Portugal na moeda única europeia, embora não tenha feito grandes alardes em relação a essa vitória “monetária” portuguesa – confirmando pela enésima vez o seu perfil muito discreto e reservado.

Além do trabalho técnico irrepreensível com que liderou a adesão de Portugal ao euro, raramente é referido é que Sousa Franco sempre teve fortes convicções europeístas. Efetivamente, Portugal alinhou no cabaz de países do euro com uma cotação do escudo que praticamente seguia o cross escudo-marco alemão – um privilégio que poucas moedas tiveram, sinónimo de grande estabilidade cambial –, o que poderia ser equiparado a uma meta nacional, quase uma espécie de benchmark em que Sousa Franco acreditaria com a mais forte convicção, tão forte como um desígnio ou um fado nacional. Note-se que todo este processo ocorreu numa fase em que houve muitos incrédulos em que Portugal estivesse no grupo do euro, atendendo à evolução desfavorável que na altura estava a ter a despesa pública.

Reduziu défice até aos 2,8%

Talvez tenha sido por isso que se notou particularmente o rigor que Sousa Franco pretendeu impor à evolução do défice público, que em 1995 rondava os 5,5% do PIB e que o meticuloso ministro conduziu com métrica inflexível, cortando, cortando, cortando, até chegar aos 2,8% em 1999, o que, dizem alguns economistas, terá valido a entrada “limpa” de Portugal na moeda única – um trabalho que foi acompanhado pela notória obsessão de Sousa Franco pela modernização e pela tentativa de impor maior rigor nas Finanças Públicas portuguesas.

A sua notoriedade financeira começou quase uma década antes. Devido ao convite que lhe foi lançado em 1986 por Miguel Cadilhe, enquanto ministro das Finanças do primeiro Governo de Cavaco Silva, assumiu o cargo de presidente do Tribunal de Contas, onde se notabilizou. Os pareceres e relatórios dos Tribunal de Contas foram decisivos para avaliar a correção das contas e contratos públicos, sem se substituírem aos tribunais.

Com sólidos princípios católicos, Sousa Franco teve a paixão da engenharia, nas foi em Direito que fez a sua formação superior, obtendo uma média de 18 valores no curso da Faculdade de Direito de Lisboa. Como académico, lecionou na Universidade Clássica e na universidade Católica. Entre 1979 e 1985 foi presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Em sua honra foi criado o Prémio Professor António Sousa Franco, destinado a galardoar trabalhos na área do Direito Comunitário.

Tirocínio político à direita

A sua atividade política fez o tirocínio à direita, participando na elaboração dos estatutos do CDS. Contudo, foi de Vasco Gonçalves que recebeu o convite para presidente da Caixa Geral de Depósitos, cargo que só manteve durante quatro meses. Em 1974 filiou-se no PPD/PSD, onde chegou a ser presidente em 1978, mas abandonou a liderança do partido ao fim de poucos meses, por divergências insanáveis, embora a crise com o partido ainda se tenha agudizado depois de ter entrado em rutura com Sá Carneiro.

Saiu do PSD e fundou a ASDI – Ação Social Democrata Independente. Nunca aderiu ao Partido Socialista, mas alinhou com o PS como independente a partir de 1985. Morreu com 61 anos em junho de 2004, no Hospital Pedro Hispano, de um ataque cardíaco fulminante, originado quando visitou a lota de Matosinhos no âmbito de uma ação política como cabeça de lista do PS às eleições europeias. Casou em Coimbra, na Sé Velha, com Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo, sobrinha materna de António Sérgio e Oficial da Ordem Nacional do Mérito de França.

METODOLOGIA

O Jornal Económico (JE) selecionou as 25 personalidades mais relevantes para Portugal nos últimos 25 anos, referentes ao período balizado entre 1995 e 2020, destacando as que exerceram maior influência no desenvolvimento da sociedade civil, da economia nacional, no crescimento internacional dos nossos grupos empresariais, na forma como evoluíram a diáspora lusa e as comunidades de língua oficial portuguesa, no processo de captação de investidores estrangeiros e, em suma, na maneira como o país se afirmou no mundo. Esta lista foi publicada a 4 de setembro de 2020, antes do primeiro fim de semana do nono mês do ano. Retomando a iniciativa a partir do último fim de semana de setembro, mas agora alargada a 30 personalidades, o JE publicará, todos os sábados e domingos, textos sobre as 30 personalidades selecionadas, por ordem decrescente. Aos 25 nomes inicialmente publicados, o JE acrescenta agora os nomes de António Ramalho Eanes, António Guterres, Pedro Queiroz Pereira, Vasco de Mello e Rui Nabeiro.

Cumpre explicar ao leitor que a metodologia seguida foi orientada por critérios jornalísticos, sem privilegiar as personalidades eminentemente políticas, que tendem a ter um destaque mediático maior do que o que é dado aos empresários, aos economistas, aos gestores e aos juristas, mas também sem ignorar os políticos que foram determinantes na sociedade durante o último quarto de século. Também não foram ignoradas as personalidades que, tendo falecido pouco antes de 1995, não deixaram de ter impacto económico, social, cultural, científico e político até 2020, como é o caso de José Azeredo Perdigão e da obra que construiu durante toda a sua longa vida – a Fundação Calouste Gulbenkian.

O ranking é iniciado pelos líderes históricos de cinco grupos empresariais portugueses, com Alexandre Soares dos Santos em primeiro lugar, distinguido como grande empregador na área da distribuição alimentar, e por ter fomentado a internacionalização do seu grupo em geografias como a Polónia – com a marca “Biedronka” (Joaninha) – e a Colômbia. Assegurou igualmente a passagem de testemunho ao seu filho Pedro Soares dos Santos. O Grupo Jerónimo Martins tem vindo a incentivar a utilização de recursos marinhos, pelo aumento da produção portuguesa de aquacultura no mar da Madeira – apesar de vários economistas terem destacado a importância da plataforma marítima portuguesa como fonte de riqueza, poucos empresários têm apoiado projetos nesta área, sendo o grupo liderado por Soares dos Santos um dos casos que não descurou o potencial do mar português.

Segue-se em 2º lugar Américo Amorim, que além do seu império da cortiça – o único sector em que Portugal conquistou a liderança mundial –, se destacou no mundo da energia e nos petróleos, assegurando a continuidade do controlo familiar dos seus negócios através das suas filhas. Belmiro de Azevedo aparece em terceiro lugar, consolidando a atividade da sua Sonae, bem como a participação no competitivo mundo das telecomunicações e o desenvolvimento do seu grupo de distribuição alimentar, com testemunho passado à sua filha, Cláudia Azevedo.

Em quatro lugar está António Champalimaud e a obra que o “capitão da indústria” deixou, na consolidação bancária, enquanto acionista do Grupo Santander – um dos maiores da Europa –, mas também ao nível da investigação desenvolvida na área da saúde, na Fundação Champalimaud. Em quinto lugar surge Francisco Pinto Balsemão que centrou a sua vida empresarial na construção de um grupo de comunicação com plataformas integradas e posições sólidas na liderança da imprensa e da televisão durante o último quarto de século.

Os políticos aparecem entre as individualidades seguintes, liderados por Mário Soares (que surge em 6º lugar). António Ramalho Eanes está em 7º lugar, António Guterres em 8º, seguindo-se Marcelo Rebelo de Sousa (9º), António Costa (10º), José Eduardo dos Santos (11º) – pelo peso que os elementos da sua família tiveram na economia portuguesa, sobretudo a sua filha Isabel dos Santos, e pelos investimentos concretizados em Portugal pelo conjunto de políticos e empresários angolanos próximos ao ex-presidente de Angola, atualmente questionados, na sua maioria, pela justiça angolana – e Aníbal Cavaco Silva (12º). Jorge Sampaio surge em 13º, seguido por Mário Centeno (14º), José de Azeredo Perdigão (15º), António Luciano de Sousa Franco (16º), Pedro Passos Coelho (17º), Álvaro Cunhal (18º), Ernesto Melo Antunes (19º), Luís Mira Amaral (20º), Pedro Queiroz Pereira (21º), Vasco de Mello (22º), Ricardo Salgado (23º), José Socrates (24º), Ernâni Rodrigues Lopes (25º), Francisco Murteira Nabo (26º), Rui Nabeiro (27º), Leonor Beleza (28º), António Arnaut (29º) e Joana de Barros Baptista (30º).

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