A celebrar meio século de existência com uma imagem renovada, a Associação Nacional das Farmácias (ANF) lança esta segunda-feira, dia 21, a campanha sob o mote “a vida passa pela farmácia”, procurando realçar e demonstrar que o seu principal ativo – a proximidade à comunidade e o seu acompanhamento nas várias etapas das suas vidas – que pode ser aproveitado para reduzir a pressão em centros de saúde e hospitais.
Através, por exemplo, da possibilidade de se alargar o leque de situações em que um farmacêutico pode recomendar medicamentos sem necessidade de prescrição médica, como são os casos das infeções urinárias ligeiras e das infeções do trato da orofaringe. “Achamos que é oportuno abrir essa discussão e veríamos com muito bons olhos que a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos pudessem, em colaboração com entidades do Ministério da Saúde, discutir essas matérias”, defende Ema Paulino, presidente da ANF, em entrevista ao Jornal Económico (JE).
A responsável salvaguarda que os farmacêuticos não querem “usurpar funções” mas sublinha que também estes profissionais, na sua formação, “adquirem uma série de competências que lhes permite avaliar determinadas situações e poder fazer a recomendação de alguns tratamentos”. Mas há outras formas de ajudar o SNS, nomeadamente no acompanhamento dos doentes crónicos, e na partilha de dados entre farmacêuticos e médicos, e vice-versa, explica Ema Paulino.
A Associação Nacional das Farmácias está a comemorar meio século de vida e quer assiná-lo com uma mudança de identidade. Que imagem se pretende passar no início dos novos 50 anos?
O nosso ponto de partida foi a necessidade de refletirmos novamente em conjunto, aproveitando os 50 anos, o alinhamento estratégico ao nível da organização e as necessidades da sociedade e do Serviço Nacional de Saúde, que estão em constante evolução e exigem uma adaptação da proposta de valor. E também, paralelamente e consequentemente, a proposta de valor que ANF tem perante as farmácias associadas.
E o que é que resultou dessa reflexão?
Resultou termos identificado como principais valores e critérios de diferenciação a confiança e proximidade que as farmácias têm da população e, através da qualificação das suas equipas, a capacidade de proporcionar um serviço de acompanhamento em várias fases da jornada de vida das pessoas. A nova marca procura refletir a presença das farmácias ao longo da vida das pessoas e como é que, em colaboração com outras entidades, profissionais de saúde e instituições de saúde podemos proporcionar um processo de cuidados mais integrado e complementar para melhor a qualidade de vida da população. É isto que reflete o rebranding, por um lado mais moderno do ponto de vista da sua imagem; mas por outro, indicando a vontade de estarmos em constante evolução e disponibilidade para fazer parte das soluções de saúde e para capitalizar o nosso principal ativo: a proximidade que temos da nossa comunidade.
As farmácias continuam a ser como uma espécie de porto de abrigo para muitos. O que pretendem é incluí-las mais na solução do SNS?
Precisamente. O grande objetivo é que haja um trabalho de integração e de complementaridade. Este momento é particularmente oportuno para isso, uma vez que se está a caminhar para o registo de saúde único da população que possa, no fundo, beneficiar do registo das intervenções dos vários profissionais de saúde com quem o utente interage, incluindo os profissionais de saúde que estão nas farmácias comunitárias, e com isto termos um sistema mais eficiente, em que se evite o desperdício com a duplicação de atos, mas em que sobretudo se promova um melhor acompanhamento das necessidades das pessoas.
Temos hoje um aumento da esperança média de vida da população mas os portugueses acabam por viver vários anos com doenças crónicas. É necessário, numa perspectiva de manter o acompanhamento, que estejam envolvidos os vários profissionais de saúde que possam ter um contributo positivo nas doenças crónicas. Sem dúvida alguma, o farmacêutico é um desses profissionais, porque muitas destas doenças precisam de tratamento farmacológico. Há idas frequentes às farmácias, que têm horários alargados e estão distribuídas de forma uniforme pelo território. Pode haver um melhor aproveitamento da rede para reduzir pressão sobre os centros de saúde e nos hospitais.
Um exemplo dessa complementaridade para reduzir a pressão no SNS é a possibilidade de os farmacêuticos poderem prescrever medicamentos em caso de doença ligeira, e que a Ordem dos Médicos criticou?
Não queremos usurpar funções que não são nossas. As soluções de diagnóstico e de prescrição são efetivamente competências médicas e isso tem uma razão de ser relacionada com o processo formativo. Mas os farmacêuticos, no seu processo formativo, também adquirem uma série de competências que lhes permite avaliar determinadas situações e poder fazer a recomendação de alguns tratamentos. Existe um cem número de situações ligeiras, desde a tosse, febre e etc, que já são, no fundo, recomendados, sem necessidade de prescrição médica, pelas farmácias. Aquilo que estamos a dizer é que face à evidência internacional, que já fez este caminho, há determinadas situações que podem ser detetadas com maior facilidade nas farmácias, utilizando por exemplo, nas farmácias e que, através de um protocolo que pudesse ser desenvolvido entre a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos para alargar o número de situações ligeiras em que o farmacêutico pudesse dar logo resposta.
Por exemplo?
Por exemplo, infeções urinárias não complicadas e infeções do trato da orofaringe, respiratórias, para as quais já existem testes rápidos nas farmácias. Pode ser feito um protocolo que indique, numa primeira abordagem, que o farmacêutico poderá dispensar um medicamento que seria devidamente registado no processo clínico e comunicado sempre ao médico assistente. Seria feito um acompanhamento da situação para ver se está ou não resolvida. São exemplos de situações que já existem noutros países, neste modelo de colaboração e que tem tido bons resultados.
E por cá, em que fase é que estamos nesse processo?
Nós achamos que é oportuno abrir essa discussão e veríamos com muito bons olhos que a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos pudessem, em colaboração com entidades do Ministério da Saúde, discutir essas matérias.
A ruptura de medicamentos nas farmácias tem sido notícia nos últimos tempos. É um problema que se tem agravado ou tem apenas sido mais mediatizado?
Não é só no nosso país. Existe a nível global um problema de escassez de medicamentos. Ainda recentemente foi publicado um relatório pelo grupo de farmacêuticos da União Europeia (UE) que indica que, em média, um farmacêutico dedica pelo menos 11 horas por semana a tentar encontrar soluções perante rutura de medicamentos. A Comissão Europeia tem feito um trabalho no sentido de identificar formas de promover incentivos para a instalação de indústria farmacêutica na UE. Existe uma dependência de cadeias de abastecimento globais e de produções que, muitas vezes, ocorrem noutras zonas do globo. Paralelamente, tem estado em discussão que medidas podemos implementar para mitigar o impacto. Se não conseguimos impedir que haja problemas na cadeia de abastecimento, vai haver sempre ruturas.
O que é que os farmacêuticos podem fazer para que as ruturas não tenham impactos na população?
O que temos promovido é dar mais âmbito de atuação ao farmacêutico para que possa na farmácia fazer substituições dentro do mesmo princípio ativo, em tamanho de embalagens, dosagens e formulações. Essas medidas, entretanto, já foram legisladas em Portugal mas ainda estão por implementar. A informação que temos é que serão implementadas muito em breve.
Quais são os principais medicamentos que costumam estar em rutura?
São muito variados. Diria que, neste momento, não temos nenhuma substância ativa para a qual não haja uma solução alternativa. Normalmente, existem alternativas que podem ser implementadas facilmente. Aqui a questão é que as alterações, muitas vezes, exigem uma nova ida ao médico. Há constrangimentos no tempo que demora para as pessoas terem acesso a uma nova prescrição. Temos estado a trabalhar com o Infarmed sobre como é que podemos agilizar esses processos; e também dar mais informação às farmácias sobre o tempo que está previsto para as ruturas e quando é que está previsto voltar ao mercado.
Dessa forma, já podemos direcionar a nossa recomendação. Ainda muito recentemente, numa parceria com a ANF, a ADIFA e o Infarmed, foi implementada uma funcionalidade no sistema informático que permitem ao farmacêutico saber, quando faz uma determinada encomenda ao fornecedor, se a vai receber ou se está em rutura. E se estiver em rutura, durante quanto tempo é que estima até que seja reposto. São medidas que têm estado a ser trabalhadas entre os parceiros do setor e o Infarmed que são muito importantes para lidarmos melhor com este contexto internacional de escassez e encontrar soluções mais céleres para a população.
Receia que as tarifas possam, no limite, agravar a escassez de medicamentos na Europa?
Muitos medicamentos, sobretudo genéricos mas não só, operam com margens muito reduzidas. Aplicar tarifas sobre as substâncias ativas ou sobre produtos acabados pode levar a que estes medicamentos deixem de ser viáveis, potenciando descontinuação de comercialização, e/ou potenciando roturas em produtos usados para substituir os que entretanto saem do mercado. A produção farmacêutica depende de cadeias de produção e abastecimento globais complexas. A aplicação de tarifas pode obrigar à mudança de fornecedores de materiais, atrasos de logística, e custos acrescidos em múltiplas fases — aumentando o risco de roturas. Por outro lado, se os EUA introduzirem tarifas, a UE poderá querer retaliar sobre medicamentos americanos, dando início a um confronto comercial que afetaria o mercado europeu também.
Como é que tem sido a relação da ANF com a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, que anteriormente ocupou o cargo de bastonária da ordem dos farmacêuticos? Há uma sensibilidade diferente por causa disso?
Compreensivelmente, a ministra da Saúde delegou na secretária de Estado Ana Povo os assuntos farmacêuticos e tem também a tutela do Infarmed. Toda a componente do setor do medicamento tem sido tratada com a secretária de Estado e não com a ministra.
Tem sido bom o diálogo?
Sim, tem sido positivo, bastante pragmático naquelas que são as prioridades do Governo. Tem sido também um diálogo construtivo na procura na forma como os profissionais das farmácias podem fazer parte das soluções. Tem sido um diálogo construtivo, mas muito norteado pelos objetivos do Governo e do Ministério da Saúde.
Que problemas gostaria de ver resolvidos no curto ou médio prazo e que passam diretamente pela tutela?
Penso que seriam mais oportunidades que gostaríamos de explorar, particularmente porque em Portugal temos um sistema de saúde com indicadores muito bons, nomeadamente em esperança média de vida, mas temos problemas relacionados com morbilidade: ou seja, as pessoas vivem menos anos com qualidade de vida do que alguns dos nossos congéneres europeus. Isso tem muito a ver com a carga de doença crónica que temos no nosso país. Já que essas doenças são tratadas com medicamentos que são dispensados nas farmácias comunitárias, achamos que deve haver uma formalização do acompanhamento farmacêutico. Até pode ser útil para o médico ter acesso aos resultados para tomar as suas decisões clínicas: continuidade ou alteração da terapêutica, ou mesmo identificar pessoas que não têm a doença controlada e que têm de ser referenciadas para o médico, antes que esse descontrolo resulte num evento cardiovascular que depois exige uma hospitalização, ou numa ida à urgência que podia ter sido evitada se a pessoa tivesse sido acompanhada.
Hoje em dia temos receitas médicas que têm a validade de um ano para pessoas que têm doenças crónicas, e portanto podem estar um ano sem ir novamente ao médico, e dentro desse período, pelo menos de dois em dois meses vão à farmácia para ter acesso aos medicamentos. Seria uma ótima oportunidade para verificar se os medicamentos estão a ser efetivos ou se há alguma situação que tenha de ser vista pelo médico. Temos alguma expectativa, porque é algo que temos falado com os próprios médicos, que veem com bons olhos este acompanhamento nas farmácias para mantermos as doenças controladas, evitando gastos desnecessários com hospitalizações e mortes.
Refere-se a situações que já são feitas nas farmácias, como por exemplo a medição da tensão arterial?
Exatamente. E que essas medições, os parâmetros, fossem consensualizadas quais é que são mais relevantes para o médico acompanhar, e que sejam introduzidas no próprio ficheiro clínico para que os profissionais possam ter acesso.
No fundo uma partilha de dados entre médico e farmacêutico e vice-versa?
Sim. Funcionarmos como uma equipa multidisciplinar de saúde.
Há disponibilidade do Governo para avançar nesse sentido?
Temos alguma expectativa que possamos vir a desenvolver este domínio. O programa do Governo fala dessa possibilidade. Por um lado, usar a rede de farmácias para melhorar a literacia da população em saúde; mas também no acompanhamento das pessoas que têm doenças crónica.
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