Portugal tem ainda muito a fazer em matéria de redução da economia paralela até chegar aos 13% do Produto Interno Bruto (PIB), quanto mais 10% ou menos, alerta Óscar Afonso, professor catedrático da Faculdade de Economia do Porto (FEP), autor do estudo sobre o peso da economia não registada (ENR) no PIB que deverá ter atingido um recorde de 34,37% em 2022, o correspondente a 82.232 milhões de euros. Este valor equivale, por exemplo e segundo as contas da academia, a seis orçamentos da saúde e a 30% da dívida pública, mas este responsável considera que “é totalmente utópico sequer pensar que o Estado alguma vez irá converter” aquele valor de ENR, dado que há fenómenos aí contidos que existirão sempre.
O estudo da FEP aponta um valor máximo anual de 16 mil milhões de euros em recuperação de receitas fiscais no cenário base. “Se admitirmos que o impacto máximo, por hipótese, só ocorre passados oito anos (duas legislaturas), estamos a falar num valor de dois mil milhões de euros por ano de arrecadação de receita fiscal, em média, em cada um desses anos – sendo que, nos primeiros, o valor seria bem menor”, avança Óscar Afonso em entrevista ao JE.
O também sócio fundador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) destaca que “apesar de ser significativo”, o valor estimado de recuperação “não tem nada a ver com os 80 mil milhões de euros apregoados por Ventura e não chega para financiar sequer a proposta irrealista das pensões, com uma despesa acumulada bem maior”. E realça que a carga fiscal excessiva “não tem sido suficiente para financiar um Estado social ineficiente, o que agrava duplamente o peso da ENR”, destacando medidas no combate à economia paralela como a descida da carga fiscal, sobretudo em sede de IRC e IRS, mas também uma reforma dos apoios sociais, além de outras medidas.
Óscar Afonso fala ainda sobre o estudo do economista Friedrich Schneider que conclui que a economia paralela em Portugal encolhe há duas décadas e vai valer 17% do PIB este ano. Realça que os números do economista alemão não contrariam os resultados do estudo da FEP que conclui que o peso da economia não registada em 2022 corresponde quase 35% do PIB. E explica porquê: “dadas as diferenças de âmbito e objetivo entre os dois estudos (o de Schneider certamente baseado num modelo em painel, com muitos países, e o da FEP focado em Portugal), daí resultando diferentes variáveis explicativas e estimativas para o peso da ENR no PIB em Portugal, é natural que os valores para um mesmo ano sejam distintos e as dinâmicas evolutivas também o sejam”. Para Portugal, Óscar Afonso prefere os resultados do estudo da FEP, “em valor e dinâmica, porque está focado no nosso país, usando variáveis ajustadas à nossa realidade económica e social”.
Um recente estudo sobre economia paralela em Portugal, do economista Friedrich Schneider, conclui que esta encolhe há duas décadas e vai valer 17% do PIB este ano. Estes números não contrariam os resultados do estudo da FEP que conclui que o peso da economia não registada em 2022 corresponde quase 35% do PIB, ou seja, mais do dobro do estimado por Friedrich Schneider? Como avalia o estudo do economista alemão?
Considero estranha a notícia onde é mencionada essa estimativa do economista alemão para Portugal, e que se tenham aventurado a comparar esse valor com o do estudo da FEP, sendo que os dois modelos de base certamente têm um âmbito e objetivo diferentes. Enquanto o estudo da FEP é focado em Portugal, o estudo de base de Schneider seguramente abrange muitos países (num modelo em painel, que exige um tratamento econométrico específico, não necessário num estudo de um só país, como o da FEP), como é seu hábito – de resto, não encontrei nenhum artigo seu publicado dedicado apenas a Portugal –, daí decorrendo variáveis explicativas e resultados diferentes, como mencionado no próprio estudo da FEP.
Essa notícia do “Público” tem também várias imprecisões quando se refere ao estudo da FEP, desde logo no valor da economia não registada, estimado em 82 mil milhões de euros em 2022 e não em 89 mil milhões como aí referido. E não houve o cuidado de questionar se haveria diferenças entre os estudos de suporte às estimativas, como parece ser o caso. Até convidaram o próprio Friedrich Schneider – mencionando erradamente, que se trata de um economista austríaco, quando nasceu na Alemanha – para uma entrevista, onde ele refere os fatores que explicam a queda do peso da economia paralela em Portugal no seu estudo (certamente em painel), uma evolução contrária à do estudo da FEP e que explica o contraste na magnitude das estimativas mais recentes.
E quais são as diferenças?
No estudo da FEP divulgado no ano passado sobre economia paralela, que designo de forma mais científica por economia não registada (ENR), estimo que o peso da ENR no PIB tenha atingido um máximo de quase 35% em 2022 (34,37%, após 32,62% em 2021 e 24,03% em 1995). Nesse estudo, esse reputado autor alemão com vasta obra no tema, Friedrich Schneider, é citado várias vezes, incluindo um recente artigo seu de 2021 com valores para países da UE e OCDE (dados em painel), onde estima um peso de 16,5% em 2021 para Portugal, como é mencionado no estudo da FEP – que, faço notar, é uma atualização de um artigo científico de 2019 (Soares & Afonso), publicado numa revista (Metroeconomica) indexada na Web of Science (WoS). Neste preciso momento, esse estudo atualizado da FEP está em processo de revisão adiantado para ser publicado numa outra revista indexada na WoS.
Como desconheço trabalhos publicados mais recentes de Schneider com valores para Portugal (após pesquisa), para efeitos de análise vou assumir que o valor apontado na questão (17% em 2024) resulta de uma atualização desse estudo em painel de 2021 de Schneider, em que Portugal aparecia com um valor próximo (16,5% em 2021, como referido). Saliento ainda que apontar uma projeção para este ano implica fazer assunções sobre a evolução das variáveis explicativas usadas, aumentando o erro de estimação.
Assumindo assim que a estimativa de Schneider (17% de peso da ENR no PIB em Portugal em 2024) tem como base um estudo em painel, tal significa que resulta de variáveis explicativas significativas para um conjunto alargado de países (mais e menos desenvolvidos), refletindo sobretudo a estrutura económica e social dos países mais avançados, onde o peso da economia paralela é baixo.
E o estudo da FEP foca-se unicamente na economia portuguesa.
O estudo da FEP, pelo contrário, ainda que recorra à mesma metodologia (MIMIC – múltiplas causas e múltiplos indicadores –, um método indireto com base em variáveis macroeconómicas, que é dos mais usados na literatura), ao focar-se unicamente na economia portuguesa, usa variáveis explicativas que se adequam melhor à nossa realidade – as que revelam significância estatística nos resultados. O aumento da carga fiscal em Portugal (para máximos sucessivos) é uma das principais causas do aumento do peso da ENR no estudo da FEP, a par com o rendimento disponível per capita (que cada um visa atingir para se equiparar aos outros, sobretudo os de maior status, e funcionar nesta sociedade de consumo, o que gera um incentivo à participação na ENR como meio mais rápido de alcançar esse objetivo), mostrando que a economia oficial é pouco competitiva face à ENR, mas também em comparação com outros países, sobretudo em face do elevado esforço fiscal do nosso país, um indicador que tem em conta a carga fiscal e o rendimento (e poder de compra), variáveis presentes nos resultados finais.
Como é referido no estudo da FEP, “a carga fiscal é excessiva porque atingiu um máximo histórico em 2022 (36,4%) e porque, se relativizada pelo nível de vida – enquanto medida da capacidade contributiva dos países –, traduz o 5º esforço fiscal mais alto da UE, 17% acima da média”. Assim, “importa que o governo tome medidas adequadas e abrangentes para tornar a economia oficial mais atrativa e competitiva, de um modo geral – face à ENR e ao exterior, sobretudo na UE, o nosso principal mercado –, para que as pessoas (trabalhadores e empresários) não tenham de recorrer à ENR para obter níveis de rendimento mais condignos ou até mesmo emigrar”.
E qual é a diferença das variáveis de mercado de trabalho nos dois estudos?
Para exemplificar melhor a diferença entre os dois estudos, faço notar que as variáveis de mercado de trabalho, que são significativas no estudo de 2021 de Schneider para muitos países ao longo do tempo (dados em painel) – para um maior detalhe, ver resposta à questão 3 –, não o são no artigo de base do estudo da FEP (Soares & Afonso, 2019), focado unicamente numa análise evolutiva em Portugal. Naturalmente, havendo diferenças nas variáveis significativas entre o estudo da FEP e o de Schneider (2021), já se percebe que daí resultem estimativas diferentes para o peso da ENR em Portugal para um mesmo ano e mesmo em termos evolutivos (o detalhe sobre a diferença evolutiva do peso nos dois estudos é dado na resposta à questão 3).
Contudo, estudos em painel como o referido, são apropriados para comparação internacional, pelo que o peso da ENR num conjunto de países avançados em Schneider (2021) – agregado com ponderação da população –, estimado em 13% em 2021, é usado como referencial nos cenários de simulação de redução do peso da ENR em Portugal e consequente estimação do potencial de arrecadação de receita, mas sublinho que esta cenarização se trata apenas de um exercício académico ilustrativo com várias hipóteses simplificativas subjacentes, tendo os resultados do estudo da FEP sido deturpados e indevidamente usados no contexto da luta político-partidária, conforme tive oportunidade de explicar em tempo oportuno.
As diferenças entre os dois estudos implicaram um cuidado especial no cálculo do referencial de economias avançados usado, como referido no estudo da FEP: o peso de 32,62% da ENR em 2021 é quase o dobro do valor de 16,5% nesse ano para Portugal estimado em Schneider (2021), mas estudos internacionais como esse (…), com determinantes adaptadas a muitos países, tendem a subestimar o peso face a estudos como o aqui usado, com variáveis ajustadas a um só país, tornando a estimação mais alinhada à realidade portuguesa. Contudo, esses estudos internacionais mostram que os países mais avançados tendem a registar menores pesos, servindo como referência de melhores práticas, sobretudo usando pesos médios ponderados pela população num conjunto alargado desses países, para diluir a eventual ausência de variáveis significativas por país, que será mais relevante, em termos de subestimação, em países com real peso mais alto.
Como avalia então o estudo do economista alemão?
Após esta explicação pormenorizada, já se vê que atribuo grande valor ao estudo de Schneider (2021) – usado para obter uma referência do baixo peso da ENR num agregado de economias mais avançadas, para o qual Portugal deverá evoluir –, que é muito útil para comparar valores entre países, em termos relativos, mas para Portugal prefiro os resultados do estudo da FEP, em valor e dinâmica, porque está focado no nosso país, usando variáveis ajustadas à nossa realidade económica e social.
Uma outra explicação para o maior realismo da estimativa do peso da ENR de Portugal no estudo da FEP – que não foi aí mencionada, por se tratar de um detalhe ainda mais técnico, que não se justificava no âmbito do estudo, mas que releva nesta explicação – tem a ver com a utilização da massa monetária em circulação como variável indicador, em ambos os estudos, em confronto com as variáveis causa (incluindo, nomeadamente, a carga fiscal e o rendimento disponível real per capita, já referidos), uma relação que se torna mais forte e precisa usando apenas dados para um país (a parte do dinheiro em circulação não captado pelas variáveis causa incorpora a estimativa do peso da ENR) e que se esbate numa estimação em painel nos efeitos inter-países.
Também conhece melhor a realidade da economia portuguesa…
Conheço melhor a realidade da economia portuguesa do que o Professor Schneider, que não vive cá. Há quem tenha mais informação do que eu sobre a realidade fiscal em Portugal e ache que a estimativa do valor da ENR em 2022 (cerca de 82 mil milhões de euros) poderá até pecar “por defeito”. Uma dessas pessoas é o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Gonçalo Rodrigues, que recentemente defendeu não ter dúvida de que “a máquina está afinada e há um apoio ao cumprimento voluntário” para “os contribuintes que estão no sistema”. Diz que o problema são os outros, os da economia paralela, que está “muito forte a atuar em Portugal”. E neste capítulo, a informatização não trouxe só coisas boas, pois, cito, “não há o chamado ‘policiamento fiscal’. Hoje uma empresa em dificuldades está para fechar, abre uma loja de venda direta no Facebook e ninguém a vai apanhar”. O valor de 80 mil milhões de euros que um estudo recente da FEP o atribuiu à economia paralela se não está certo é por defeito, assinalou o presidente do STI.
Concluo que o valor mais preciso da ENR em Portugal será certamente o do estudo da FEP e não o que decorreria da estimativa de Schneider, mas as metas de arrecadação de receita fiscal com a redução da economia paralela que o Partido Chega chegou a anunciar são totalmente irrealistas e sem fundamento no estudo da FEP, como oportunamente expliquei nos media.
A FEP já tem alguma estimativa para a economia paralela este ano?
Não. Os resultados para 2022 apresentados no estudo do ano passado são ainda os mais atuais.
Se usar os mesmos coeficientes de estimação (os do artigo base Soares & Afonso, 2019), atualizar a estimativa do peso da ENR para 2023 implicaria atualizar os valores das variáveis explicativas com base em dados das contas nacionais e monetários, uma boa parte dos quais ainda não estão disponíveis para esse ano ou só estarão dentro em breve, pelo que seria uma projeção. Apresentar um valor para este ano seria uma projeção com ainda mais assunções sobre a evolução das variáveis explicativas (face a 2022, ano em que são todas conhecidas), implicando um erro de estimação acrescido, como referido na questão anterior.
Não me parece muito útil esse tipo de exercício, com assunções de evolução das variáveis e, necessariamente, erros de estimação acrescidos, mas pelos vistos o Professor Schneider parece ter-se prestado a fazê-lo com base nos coeficientes do seu estudo, que deduzo seja em painel.
O que posso fazer, numa análise qualitativa de sensibilidade, é dizer que, como a carga fiscal – uma das principais causas da evolução do peso da ENR – terá continuado a subir em 2023 (análise do Conselho de Finanças Públicas às estimativas da proposta de Orçamento de Estado de 2024 apresentada em outubro último) e o rendimento disponível per capita (outra das principais variáveis explicativas) terá estabilizado, muito provavelmente o peso da ENR no PIB terá voltado a aumentar em 2023, mas trata-se apenas de uma apreciação preliminar com uma análise parcial e imprecisa dos dados, pelo que deve ser encarada como tal e não como uma avaliação definitiva. Tal exigiria a utilização dos dados de todas as variáveis explicativas quando estiverem disponíveis, isto usando os mesmos coeficientes do estudo Soares & Afonso (2019), pois uma nova estimação paro o novo período (1995 a 2023) exigiria muito mais trabalho.
As estimativas agora apresentadas pela FEP, com base num artigo científico publicado e dados atualizados, analisam o período de 1996 a 2022 e evidenciam uma subida gradual ao longo dos anos do peso da ENR. Esta evolução em alta é também contrariada pelas estimativas do novo estudo do economista alemão ao apontar uma tendência de descida moderada, mas regular, ao longo dos últimos 20 anos. Como se explicam estas conclusões divergentes?
Conforme já explicado, dadas as diferenças de âmbito e objetivo entre os dois estudos (o de Schneider certamente baseado num modelo em painel, com muitos países, e o da FEP focado em Portugal), daí resultando diferentes variáveis explicativas e estimativas para o peso da ENR no PIB em Portugal, é natural que os valores para um mesmo ano sejam distintos e as dinâmicas evolutivas também o sejam.
No estudo da FEP, a subida da carga fiscal (uma das principais variáveis explicativas) para sucessivos máximos históricos, a par com o aumento do rendimento disponível real per capita ao longo dos anos (que cada um visa atingir para se equiparar aos outros, sobretudo os de maior status, e funcionar nesta sociedade de consumo, o que gera um incentivo à participação na ENR como meio mais rápido de alcançar esse objetivo, como já referido), são as duas principais causas do crescimento do peso da ENR no PIB entre 1996 e 2022.
No estudo de Schneider (2021), onde são apresentadas projeções em países da UE e da OCDE até 2021, não é apresentado o modelo e os resultados da estimação de base, que se depreende tenha origem no estudo mais recente aí citado, Medina & Schneider (2021), uma publicação do FMI com estimativas para 158 países entre 1991 e 2015, donde terão sido retirados os coeficientes para estimar os valores do peso da ENR no PIB até 2021 nos países da UE e OCDE.
Atendendo a que a principal diferença nas variáveis explicativas entre Medina & Schneider (2021) – que se afigura o estudo de base em Schneider (2021) – e o estudo da FEP é a ausência das variáveis de mercado de trabalho neste último (por se terem revelado não significativas no artigo de base, Afonso & Soares, 2019, donde se retiraram os coeficientes usados), deduzo que, no estudo de Schneider (2021), seja esse tipo de variáveis a explicar a queda do peso da ENR em Portugal, com destaque para a taxa de desemprego, que de facto diminuiu consideravelmente no nosso país no período de análise. Esse efeito certamente contrariou a evolução das demais variáveis explicativas no estudo de Schneider, que são mais ou menos coincidentes com as do estudo da FEP. Faço notar que, nos estudos em painel como o de Schneider (2021) e Medina & Schneider (2021), incluindo economias em desenvolvimento, em alguns desses países há taxas de desemprego muito altas, o que possivelmente empola o coeficiente associado face aos demais coeficientes, sendo que, como referido, esse fator não se afigura significativo em Portugal e não releva no estudo da FEP.
De resto, na entrevista do jornal “Público” a Schneider, este responde tendo como base o modelo que usou, naturalmente, referindo, e passo a citar, que “o crescimento da economia e do emprego são os principais fatores por trás da descida [do peso da ENR em Portugal]. Quando a economia formal está mais forte, há menos incentivo para as pessoas recorrerem à economia informal”. É isto que leva Friedrich Schneider a dizer que, mais do que medidas de maior fiscalização e de punição, “aquilo que se tem revelado mais eficaz no combate à economia paralela são medidas de incentivo”.
Confirma-se que são as variáveis do mercado de trabalho (o emprego e, de forma conexa, a taxa de desemprego) que estão na base da descida do peso da ENR em Portugal no modelo de base de Schneider – certamente estimado com muitos países, como já fundamentado acima –, enquanto no estudo da FEP essas variáveis estão ausentes por não serem significativas num estudo apenas centrado em Portugal, como mencionado, sendo o peso da ENR impulsionado, em grande medida, pela carga fiscal e o rendimento disponível real per capita.
E qual é a importância dos incentivos mencionados por Schneider no combate à economia paralela?
São também apontados nas propostas do estudo da FEP, com realce para a descida da carga fiscal, sobretudo em sede de IRC e IRS, mas também uma reforma dos apoios sociais, além de outras medidas. Já no que se refere à fiscalização, desvalorizada por Schneider, ela é escassa e, por isso mesmo, urgente e decisiva em Portugal, onde é sabido que temos normas muitas vezes boas, mas que não surtem efeito precisamente por falta de meios para a fiscalização. Isto só confirma que Schneider desconhece, naturalmente, a realidade portuguesa, pois não vive cá, tendo sobretudo a experiência de países avançados como a Alemanha (país onde nasceu e se formou) e a Áustria (onde é professor há muitos anos), em que a fiscalização é normalmente boa porque há meios para tal.
Partilha da opinião que existe ainda alguma margem para que continue a encolher para os níveis de alguns países do norte da Europa? Porquê?
Dado o elevado peso da ENR estimado em Portugal no estudo da FEP (quase 35% do PIB em 2022), considero haver muita margem para redução, mas haverá sempre algum peso de ENR. De resto, no estudo é feita uma cenarização da redução do peso da ENR em 2022 de 34,37% para 13% (o referencial agregado de um conjunto de economias avançadas calculado a partir do estudo de Schneider de 2021, como referido) e do potencial de acréscimo de receita fiscal associado, como já indicado anteriormente.
Considera possível um limiar a partir do qual não parece ser possível reduzir mais a economia paralela – e que no caso português poderá rondar os 10%? Ou aponta para outro limiar?
Dentro da ENR cabem vários tipos de fenómenos com diferentes graus de gravidade: a Economia ilegal e a Economia oculta (os fenómenos mais graves a combater), a Economia informal e o Autoconsumo (fenómenos que existirão sempre, o mais importante é que os cidadãos não tenham de recorrer a eles para sobreviver), e a produção subcoberta por deficiências da estatística (o que requer maior e melhor alocação de meios ao dispor dos sistemas estatísticos).
Deste modo, existirá sempre alguma economia paralela (ENR), a questão é reduzir o seu peso e valor para níveis aceitáveis, dentro de níveis que assegurem equilíbrios sociais e mais em linha com economias mais avançadas do que a nossa nesta matéria.
Como mencionado na questão anterior, no estudo da FEP é simulada a redução do peso da ENR para um referencial de 13%, o peso agregado (ponderado pela população) em 2021 para o conjunto de países da UE e OCDE estimados em Schneider (2021), o que até é conservador, não se tendo ido aos países com valores mais baixos para comparar. Na Holanda, Dinamarca, Suécia e Reino Unido, os países com melhor registo em Schneider (2021), os pesos da ENR no PIB oscilaram entre 8% e 11% em 2021. É por isso, possível atingir valores abaixo dos 10%, e eventualmente abaixo dos 8%, em função dos avanços tecnológicos e dependendo dos poderes atribuídos as autoridades fiscais e fiscalizadoras, mas faço notar que esses valores, retirados de um estudo em painel, poderão estar um pouco subestimados (face aos que resultariam de estudos individuais para esses países), como já referido. Portugal tem ainda muito a fazer em matéria de redução da economia paralela até chegar aos 13%, quanto mais 10% ou menos.
Ao longo dos anos, vários partidos e governos têm esperado contar com o combate à economia paralela para a obtenção de meios adicionais de financiamento do Estado, sem que seja preciso aumentar mais os impostos. Segundo o estudo da FEP, estão em causa mais de 82 mil milhões de euros. Este combate por parte do Estado tem sido eficaz?
Neste caso, começo pela segunda parte da questão, o presidente do STI, ao considerar que “a máquina está afinada e há um apoio ao cumprimento voluntário” para “os contribuintes que estão no sistema”. O problema são os outros, os da economia paralela, que está “muito forte a atuar em Portugal”.
Quanto à primeira parte da questão, aproveita esta resposta, sobretudo, para reforçar o esclarecimento de conceitos e do que é exequível pensar em termos de arrecadação de receita fiscal em matéria de redução da ENR (economia paralela), por contraposição do que chegou a ser aventado pelo Partido Chega, numa clara deturpação dos resultados do estudo da FEP.
Para tal, recupero parte das conclusões do estudo da FEP: Num cenário base de conversão de 55% da ENR em PIB – que baixaria o peso ENR/PIB em 2022 de 34,37% para 13,03% (o mínimo desde 1975), em linha com a referência de 13% em 2021 na média ponderada pela população dos 36 países (da UE e OCDE) estimados em Schneider (2021) –, aplicando a carga fiscal de 36,4% em 2022, é gerada uma receita equivalente a uma taxa direta de imposto de 20% sobre a ENR. Essa receita adicional gerada pela taxa base de 20% (16.446 M€) equivale a 121% da despesa orçamentada de saúde em 2022 e a 160% da despesa executada de educação em 2021 (todos os níveis de ensino). Em alternativa, a receita pode servir para subir o saldo orçamental e baixar a dívida pública – o que melhora a equidade inter-geracional –, cabendo ao governo em funções escolher a combinação mais adequada dos usos (esses e outros), promotora de maior desenvolvimento económico e social de forma sustentada e inclusiva, com maior nível de vida e bem-estar para todas as gerações e regiões.
Trata-se, pois, de um potencial de receita.
Naturalmente, esta cenarização é apenas de um exercício académico ilustrativo com várias hipóteses simplificativas subjacentes para avaliar um potencial de recuperação de receita fiscal máximo com o combate à economia paralela, desde logo porque quaisquer medidas nesse sentido demoram tempo a fazer efeito (até porque o fenómeno tem também raízes culturais profundas, como mencionado no estudo) e não ocorrem num só ano, como foi simulado no estudo da FEP por simplificação e facilidade de exposição.
A estimativa do valor da ENR e o potencial de receita fiscal com a conversão da ENR em PIB oficial do estudo da FEP foram deturpados e indevidamente usados no contexto da luta político-partidária, mais concretamente pelo Partido Chega na pessoa do seu presidente quando referiu ao Jornal Expresso que “financiava o aumento das pensões com os €20 mil milhões que se perdem na corrupção, mais uma taxa sobre os lucros da banca e poupanças no SNS por os idosos melhorarem a qualidade de vida”. A seguir passou a somar a esse valor os €80 mil milhões da economia paralela e não declarada. Antes de mais, quanto aos números da corrupção, avaliados em €18,2 mil milhões, são uma estimativa do estudo “The Costs of Corruption Across the European Union”, feito pelo Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia no Parlamento Europeu, de que fazem parte partidos de esquerda, como o Livre ou como o PAN.
Há, então, erros na análise de André Ventura.
Os erros são mais que muitos nesta análise do presidente do Chega, disseminada pelos media, que me revoltaram pelo uso indevido do meu estudo e do meu nome: É totalmente utópico sequer pensar que o Estado alguma vez irá converter 80 mil milhões de ENR em economia formal (o estudo da FEP fala em 82 mil milhões), ou seja, no PIB medido (a geração de riqueza num ano), dado que há fenómenos aí contidos que existirão sempre.
E mesmo convertendo uma parte dos 80 mil milhões de euros em PIB, apenas uma fração disso iria para os cofres do Estado, sob a forma de imposto (a carga fiscal em 2022 foi de 36,4%, valor que foi usado nas estimativas do estudo da FEP), o que torna a afirmação ainda mais irrealista. O estudo da FEP aponta um valor máximo anual de 16 mil milhões de euros em recuperação de receitas fiscais no cenário base, sendo propostas algumas medidas cruciais nesse sentido que o Chega não apresenta (como a criminalização do enriquecimento ilícito também no sector privado, além do público, seguindo o modelo de França, ou uma reforma dos apoios sociais). Como os efeitos das medidas são graduais, se admitirmos que o impacto máximo, por hipótese, só ocorre passados 8 anos (duas legislaturas), estamos a falar num valor de dois mil milhões por ano de arrecadação de receita fiscal, em média, em cada um desses anos – sendo que, nos primeiros, o valor seria bem menor –, o que, apesar de ser significativo, não tem nada a ver com os 80 mil milhões de euros apregoados por Ventura e não chega para financiar sequer a proposta irrealista das pensões, com uma despesa acumulada bem maior. Os valores de arrecadação de imposto com base na redução da economia paralela devem ser vistos como um ‘bónus’, não como algo assegurado para financiar despesas concretas, até porque uma parte do fenómeno radica em fatores culturais e há medidas decisivas que poderão ser de difícil implementação em Portugal na sua forma mais cabal e efetiva, até por questões constitucionais (como a criminalização do enriquecimento ilícito).
Acresce que a mistura de fontes e conceitos para justificação de financiamento utópico, “caído do céu”, como suporte a propostas igualmente irrealistas e populistas, procurando enganar os eleitores, deve ser também desmascarada. À partida, o valor de ENR em 2022 (82,2 mil milhões de euros) inclui também a perda de PIB devido a corrupção – dentro dos fenómenos de economia ilegal e economia oculta referidos acima –, até porque decorre de um modelo macroeconómico que capta movimentação anormal de dinheiro. Assim, juntar outra fonte (duvidosa: não se conhece a metodologia) com uma estimativa para a perda de corrupção (18,2 mil milhões de euros), além de ser errado em termos de análise, constitui uma dupla contagem do mesmo fenómeno. A contagem passa a múltipla, porque também aqui apenas uma parte poderia ser recuperada em impostos.
Assim, dos cerca de 100 (20 + 80) mil milhões de euros que o Chega conta para financiar as suas propostas e despesas utópicas, com base no estudo da FEP e num outro separado sobre corrupção, estimo que bem menos de dois mil milhões seriam possíveis logo no primeiro ano, isto sendo otimista e admitindo que medidas cruciais de implementação mais difícil (como a criminalização do enriquecimento ilícito no setor privado e público) conseguem ter aprovação.
A carga fiscal podia ser menor caso esta luta fosse mais intensa? De que forma podia ser mais eficaz?
Uma das causas identificadas no estudo da FEP para o aumento da economia paralela é precisamente a subida da carga fiscal para máximos, pelo que a sua redução – em particular ao nível dos impostos diretos, mais concretamente do IRC e do IRS – é precisamente uma das principais medidas propostas no estudo, além de outras já referidas.
O racional é que, com taxas de imposto menores, a atividade económica é estimulada – de forma estatisticamente significativa, conforme demonstrei num artigo recente publicado no jornal “ECO”, com base em literatura recente de revistas científicas conceituadas – e a evasão fiscal será menor, potenciando a receita fiscal, podendo até dar-se o caso de desagravamento não provocar uma redução da receita, mas antes um aumento, atendendo à famosa curva de Laffer. Essa curva genérica, para um dado imposto, tem forma de um ‘U’ invertido, com a receita do imposto (no eixo das ordenadas) a evoluir dessa forma como função da taxa de imposto (no eixo das abcissas). Se Portugal estiver na parte descendente da curva, como se suspeita no IRC e mesmo no IRS, uma descida da taxa de imposto poderá até aumentar a receita fiscal, mas a priori é apenas uma suposição académica, terá de ser verificada na prática. Seja como for, a haver uma perda de receita, ela será mitigada pelos dois efeitos referidos (maior atividade e menor evasão).
Conforme já referido, o nosso esforço fiscal (que tem em conta a nossa carga fiscal e o nosso nível de vida) estará cerca de 17% acima da média da União Europeia (o 5º mais elevado, valores 2022 usados no estudo com os dados disponíveis na altura), pelo que é desejável um alinhamento desse indicador de esforço, tornando o nosso país fiscalmente mais atrativo. Isso faz-se baixando a nossa carga fiscal, o que potenciará também o nosso crescimento económico (em conjunto com outras medidas) e nível de vida, atuando assim simultaneamente nas duas componentes do indicador de esforço fiscal.
Por que razão a carga fiscal não tem sido suficiente para financiar um Estado social mais eficiente?
Como é referido no estudo da FEP, “o aumento dos Subsídios (a famílias e empresas) e prestações sociais” tem um “impacto negativo no peso ENR/PIB (sobretudo por diminuírem a necessidade de famílias e empresas participarem na ENR e aumentarem o risco de perda dos apoios)”.
Dado o impacto positivo da variação da carga fiscal na evolução do peso da ENR (mencionado anteriormente), “à primeira vista, parece que a carga fiscal ajudou a financiar um Estado social capaz de impedir uma maior necessidade de recorrer à ENR, o que seria interessante, mas a verdade é que os resultados deveriam ser muito melhores numa perspetiva alargada.
Com efeito, o facto é que o peso da ENR no PIB subiu imenso nesse período nas estimativas agora apresentadas (de 24,03% em 1995 para um máximo de 34,37% em 2022, como mencionado), o aumento da carga fiscal não foi suficiente para financiar o Estado social – pois o peso da dívida pública aumentou de 63,3% para 113,9% do PIB entre 1995 e 2022 – e Portugal continua a comparar muito mal entre os países da UE em indicadores como nível de vida, pobreza absoluta e relativa, e desigualdade (…), todos eles com impacto relevante no peso.
Ou seja, uma das conclusões que se pode retirar é que a carga fiscal excessiva não tem, mesmo assim, sido suficiente para financiar um Estado social ineficiente, o que agrava duplamente o peso da ENR. A carga fiscal é excessiva porque atingiu um máximo histórico em 2022 (36,4%) e porque, se relativizada pelo nível de vida – enquanto medida da capacidade contributiva dos países –, traduz um esforço fiscal que é o 5º maior da UE, 17% acima da média”.
Uma das causas percebidas para a evasão fiscal, que contribui para a ENR, é o facto dos serviços públicos, cada vez mais degradados, não terem correspondência com o aumento da carga fiscal para sucessivos máximos. Como já se viu, não adianta simplesmente ‘atirar dinheiro para cima dos problemas’, como tem sido feito, é mesmo preciso reformar Estado e adotar políticas mais efetivas para termos menos carga fiscal e melhores serviços públicos. Não se admite, por isso, que em Portugal até se aplauda quem foge ao fisco, enquanto na Suécia tal é socialmente mal visto.
Quais são as principais causas da economia paralela em Portugal?
A subida da carga fiscal – em particular de impostos diretos (IRS e IRC em particular), mas também de contribuições sociais – e do rendimento disponível real per capita (que cada um visa atingir para se equiparar aos outros, sobretudo os de maior status, e funcionar nesta sociedade de consumo, o que gera um incentivo à participação na ENR como meio mais rápido de alcançar esse objetivo) são os principais fatores que explicam o aumento do peso da ENR em Portugal de 1995 a 2022 – essas variáveis compõe, em grande medida, o conceito de esforço fiscal, que acaba assim por estar refletido nos resultados –, atenuados pelo impacto negativo dos subsídios e prestações sociais (sobretudo por reduzirem a necessidade de famílias e empresas participarem na ENR e elevarem o risco de perda dos apoios).
Quais são as sugestões que defende para o combate à ENR? O que propõe?
Para responder à primeira parte da questão, recupero algumas das conclusões do estudo da FEP.
Há assim muita margem para baixar a carga fiscal – em particular ao nível do IRS e IRC –, mas também para reforçar o papel dos Subsídios e Prestações Sociais na redução da ENR por via de três abordagens complementares: reduzir a fiscalidade sobre as remunerações (de trabalhadores) e receitas (de pequenos empresários) de entrada na economia oficial, para que o seu valor líquido de impostos se torne superior, dando mais margem para aumentar o nível dos apoios sociais sem que ultrapassem esses valores de entrada líquidos de impostos, mantendo assim um incentivo à participação na economia oficial, que poderá ser ainda promovido pela acumulação dos apoios até um certo limiar de atividade acima dos níveis de entrada.
Também aumentar a fiscalização dos apoios usando os meios ao dispor da Autoridade Tributária (com realce para o cruzamento de informação, por exemplo dos níveis de consumo e sinais exteriores de riqueza) para que reduzam, efetivamente, o recurso à ENR. E condicionar os apoios, sempre que possível, à capacitação dos beneficiários (trabalhadores e empresários) em termos de competências – via formação e intervenção útil na comunidade –, para evitar a “subsídio dependência” e acomodação.
Outras medidas de combate à ENR, além das já referidas neste capítulo final – redução da carga fiscal excessiva, sobretudo nos impostos diretos (IRS e IRC), e medidas de reforço do papel dos subsídios e prestações sociais –, tendo em vista tornar a economia oficial mais competitiva (face à ENR e ao exterior), são também elencadas neste estudo.
Destaca-se, em particular, pelo seu impacto, a proposta de implementação efetiva do crime de enriquecimento ilícito – como existe na França –, punindo fortemente o agente, do sector público ou privado, que adquirir bens em manifesta desconformidade com os rendimentos fiscalmente declarados e sem que se conheça outro meio de aquisição lícito. Esta proposta abrangente não deve ser confundida com a versão “soft” de criminalização do enriquecimento injustificado para titulares de cargos públicos, via “alargamento das obrigações declarativas” e “densificação do crime de ocultação de enriquecimento” (que já existia), aprovada pelo Parlamento em 2021.
Este estudo mostra assim à sociedade e aos decisores políticos o peso elevado da ENR, as suas principais causas e propostas de medidas consonantes promotoras da sua redução”.
Faço notar que estes são apenas exemplos de algumas medidas cruciais de combate á economia paralela, há muitas outras que podiam ser apresentadas.
Já identificou propostas nesse sentido? Em que programas eleitorais?
O pacote de propostas mais abrangente, consistente e ambicioso, mas realista, que encontrei são as do programa da AD, que também teve o meu contributo. Analisando com algum detalhe as propostas dos vários partidos ao nível da prevenção e combate à corrupção (o que contribui para a redução da ENR, a economia paralela) considero que:
O PS apenas tem medidas de continuidade (nada de novo, portanto).
A CDU praticamente não apresenta medidas concretas – e duas vão em sentido contrário às dos outros partidos (na regulação do lobby e na delação premiada, entendendo a CDU que não deveriam existir), embora uma das que apresenta, já antiga, de fim do sigilo bancário, sob certas condições, em linha com o que é feito na Suécia, pudesse ser uma medida relevante, substituindo outras, mas certamente seria difícil de implementar em Portugal (desde logo a nível da proteção de dados), pelo que não é referida por mais nenhum partido.
O Chega, o Livre, o PAN e o Bloco de Esquerda apresentam muitas medidas, algumas delas relevantes, certamente, mas a maioria não decisivas a algumas mesmo irrealistas (caso, por exemplo, do Chega nalgumas medidas de confisco e noutras para a Justiça, bem como do Bloco de Esquerda nalgumas propostas de redução do recurso a offshores claramente inexequíveis).
A IL praticamente não tem medidas ao nível da corrupção, mas considera que as suas propostas de reforma do Estado e simplificação, incluindo a nível fiscal, onde é destacada a redução dos benefícios fiscais (que considera abrirem a porta à corrupção), são medidas efetivas nesse sentido em termos de prevenção, o que até faz sentido. A AD defende medidas também nesse sentido (até mais abrangentes e desenvolvidas, nomeadamente no que se refere à desburocratização), apenas não as identifica como medidas centrais de prevenção da corrupção, mas certamente também contribuem para esse desiderato.
E o que destaca ao nível da prevenção da corrupção?
Destaco sobretudo que a maioria dos partidos (exceto a IL e a CDU) querem registar a regular o lobbying e, alguns deles, de forma associada, a “pegada legislativa” (AD, PS, Livre e PAN), mas é a AD apresenta as propostas mais completas e estruturadas a este respeito. Ao nível da transparência, há inúmeras propostas, com destaque para as de redução de conflitos de interesses, incluindo as famosas “portas giratórias” (com setor privado na mesma área regulada, reguladores e retorno a funções públicas de uma forma geral), havendo assim mutas propostas de todos os partidos nessa área, com realce para a extensão dos “períodos de nojo”, mencionados pela maioria dos partidos, o que poderá favorecer consensos.
Ao nível do combate à corrupção, a maioria dos programas, com exceção do PS e da IL, apontam para a criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado (em respeito pela Constituição, como refere a AD e mais alguns partidos), resta saber qual a abrangência das propostas, mas, de qualquer forma, tal é positivo pois talvez tal signifique que seja possível chegar a algum consenso nessa matéria, que é bastante relevante para a redução da corrupção e do peso da ENR. O Programa da AD apresenta como alternativa a essa medida – tendo em conta as dificuldades passadas para chegar a um regime abrangente, em respeito dos preceitos constitucionais –, a criação legal de mecanismos como a “Ação Cível para Extinção de Domínio” (unexplained wealth orders), que consagra um mecanismo legal que visa permitir ao Estado português recuperar bens adquiridos por particulares através de atividades ilícitas, independentemente de uma condenação penal do proprietário dos bens, uma ideia com acolhimento na nova Diretiva Europeia sobre apreensão e confisco, já aprovada pelo Conselho e a caminho do Parlamento Europeu, com resultados em países sul americanos, bem com no Reino Unido, que é uma referência nesta matéria.
Ainda no combate à corrupção, a vários programas eleitorais apontam no sentido do reforço da delação premiada e reforço da proteção de denunciantes (exceto PS, BE e CDU, este último defendendo mesmo o fim desse regime), o que também favorece algum entendimento nesta medida também relevante, ainda que seja de salientar que o PS não se tenha pronunciado nesse sentido, pelo que, aparentemente, não quer mexer nesta área.
Um ponto comum à maioria dos programas (incluindo o do PS e excluindo o da IL) é o reforço de meios (físicos, humanos, organizacionais) no combate, investigação e ação penal da corrupção, embora alguns partidos se foquem mais numas áreas do que outros.
Finalmente, ao nível da Justiça (em termos de prevenção e combate a corrupção), realce para a proposta da AD de publicação de todas as decisões judiciais, de todos os tribunais, incluindo os de primeira instância, online, cumprindo as recomendações do GRECO, medida que também é acompanhada pelo Chega. O PAN e o Chega são os que têm mais propostas no âmbito da justiça com referência ao tema da corrupção, que foi a palavra pesquisada nos vários programas eleitorais para procurar as medidas associadas (metodologia de análise seguida na análise).
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