Com o estado de emergência a terminar à meia-noite deste sábado, o primeiro-ministro deverá anunciar hoje o calendário do desconfinamento, que será posto em prática em maio e junho. Em cima da mesa está a possibilidade de vir a ser decretado o estado de calamidade, apenas com a certeza já deixada por AntónioCosta: “O fim do estado de emergência não vai ser o regresso à normalidade.”
O JE sabe que para dar suporte legal à nova fase deverá ser aprovado no Conselho de Ministros desta quinta-feira um pacote legislativo que suporte algumas medidas previstas no estado de emergência, como o controlo de preços e o combate à especulação. O Executivo deverá ainda aconselhar a manutenção do teletrabalho por mais duas semanas.
O Presidente da República já anunciou que o estado de emergência deixará de estar em vigor a partir da meia-noite de 2 de maio, pois Portugal passou para uma terceira fase da resposta à pandemia de Covid-19. “Será uma retoma ou abertura por pequenos passos”, disse Marcelo Rebelo de Sousa nesta terça-feira, realçando que “o fim do estado de emergência não é o fim do surto nem da necessidade de controlo”. Decretar o estado de calamidade não significa, pois, que sejam descartadas medidas de restrição excecionais, como já foi sinalizado pelo Governo que se prepara para estender ao próximo fim-de-semana as limitações à circulação, semelhantes à que estiveram em vigor durante a Páscoa, impedindo a circulação entre concelhos.
O primeiro-ministro anunciou que a medida será aplicada a 1, 2 e 3 de maio, tendo realçado que “independentemente do estado de emergência, há um conjunto de outros instrumentos legais, seja a legislação de saúde pública, seja a Lei de Bases de Proteção Civil, que permite manter normas de confinamento, de restrição à circulação ou de condicionamento no funcionamento de determinados estabelecimentos”.
Constitucionalistas alertam, porém, que no estado de calamidade não pode haver suspensão de direitos e liberdades constitucionais como acontece com o estado de emergência. É o caso de Vital Moreira que, em declarações ao Jornal Económico, disse que o “estado de calamidade” não pode “suspender” direitos (o que somente o estado de emergência pode fazer), o que não significa que não se possa “restringir” direitos. “Não é mesma coisa, constitucionalmente falando. Independentemente do estado de emergência, a Constituição permite a restrição de vários direitos fundamentais, se justificadas e proporcionadas”, realça.
Diferenças entre alerta, calamidade e emergência
Recorde-se que a Lei de Bases da Proteção Civil prevê três regimes de exceção: os estados de alerta, de contingência e de calamidade. A primeira pode ser declarada pelos presidentes de câmara municipal ou pelo ministro da Administração Interna (MAI), se o problema for de âmbito nacional. Também o regime de contingência pode ser decretado pelo MAI.
Já o estado de calamidade tem de passar pelo crivo do Conselho de Ministros, num regime que prevê, entre outros, a “fixação de limites ou condicionamentos à circulação ou permanência de pessoas, outros seres vivos ou veículos, nomeadamente através da sujeição a controlos coletivos para evitar a propagação de surtos epidémicos”, bem como a “fixação de cercas sanitárias e de segurança”.
O estado de calamidade permite ainda a “racionalização da utilização dos serviços públicos de transportes, comunicações e abastecimento de água e energia, bem como do consumo de bens de primeira necessidade”. E ainda a requisição temporária de bens e serviços, cabendo ao Governo a “afetação extraordinária dos meios financeiros indispensáveis”.
Ao contrário do que acontece com o estado de emergência, a situação de calamidade não tem um prazo de vigência definido legalmente. Mas António Costa já sinalizou que a situação continuará a ser reavaliada de 15 em 15 dias, tal como tem acontecido desde que foi decretado o estado de emergência, a 19 de março.
Para o primeiro-ministro, “é certo e seguro que, mesmo que acabe o estado de emergência, o país não voltará à normalidade”. António Costa já deixou o aviso de que “vão continuar a vigorar restrições com a habilitação legal que for necessária para esse efeito”. E para 3 de maio, há medidas legais que permitem aplicar essas regras de restrição à circulação.
Segundo a Lei de Bases da Proteção Civil, a situação de calamidade pode ser decretada pelo Governo, através de resolução do Conselho de Ministros (e não pelo Presidente da República, após aprovação na Assembleia da República, como acontece no caso do estado de emergência) em caso de existência ou iminência de um “acontecimento inusitado com efeitos relativamente limitados no tempo e no espaço, suscetível de atingir as pessoas e outros seres vivos, os bens ou o ambiente”. Ou, então, em caso de “acidente grave ou uma série de acidentes graves suscetíveis de provocarem elevados prejuízos materiais e, eventualmente, vítimas, afetando intensamente as condições de vida e o tecido sócio-económico em áreas ou na totalidade do território nacional”.
O Governo pode ainda recorrer à Lei de Bases da Saúde, que dá o poder às autoridades desta área, para “defesa da saúde pública”, de “ordenar a suspensão de atividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais de utilização pública e privada, quando funcionem em condições de risco para a saúde pública”. As autoridades de saúde podem ainda desencadear.“De acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública”. Ou ainda tomar as “medidas de exceção indispensáveis, se necessário mobilizando a intervenção das entidades privadas, do setor social e de outros serviços e entidades do Estado”.
Datas do desconfinamento
Ao deixar para trás o estado de emergência que suspendeu as liberdades constitucionais durante 45 dias, o Governo quer permitir uma abertura progressiva de setores económicos com novas regras de segurança e saúde. António Costa já deixou indicações sobre o plano para o desconfinamento, que será feito de forma gradual nos meses de maio e junho. As medidas de maior abertura serão tomadas de 15 em 15 dias, o prazo necessário para avaliar se têm um impacto significativo sobre a disseminação do coronavírus.
As lojas até 200 metros quadrados, cabeleireiros, livrarias e stands de automóveis vão reabrir já nesta segunda-feira, 4 de maio. Alguns serviços públicos não concentrados também deverão reabrir, como repartições de Finanças, bem como bibliotecas. E deverá ser dada ‘luz verde’ para o regresso dos desportos individuais como, por exemplo, o surf e o paddle. A 14 de maio será avaliado este primeiro rearranque. Só depois, a 18 de maio, reabrem lojas até 400 metros. Em junho abrirá o restante comércio. Também a 18 de maio deverão reabrir os restaurantes e outros serviços públicos de maior dimensão, como as lojas de cidadão. Já a 1 de junho, devem reabrir as creches. E a 15 de junho o pré-escolar (dos três aos seis anos). Quanto ao regresso dos campeonatos profissionais de futebol, caso os jogos não sejam retomados na segunda quinzena do próximo mês após a avaliação de 14 de maio, deverá ocorrer no início de junho e apenas para a Liga NOS. As dez jornadas que faltam serão à porta fechada.
Artigo publicado no Jornal Económico de 30-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor
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