Em tempos de incerteza – sobretudo a exportada pelos Estados Unidos, além das máquinas e combustíveis minerais -, confiar no que “não é incerto” é um recurso para aqueles que se dedicam à captação de capital.
E o que não é incerto?, questionou e respondeu Martim Avillez Figueiredo, partner da CoRe Capital, intervindo no Advisory Summit 2025 do Jornal Económico (JE). “Em Portugal, quase 50% do volume de negócios total vem das pequenas e média empresas (PME). Essas PME em Portugal, na indústria, têm uma característica que as distingue, ainda, da maior parte da indústria de manufatura europeia”, explicou.
“É o chamado learning by doing“, continuou, abordando a metodologia teorizada pelo pedagogo e filósofo norte-americano John Dewey. “Há um conjunto de pessoas que, há 30 anos, fazem peças de uma maneira que não é fácil de repetir noutros mercados. E se acabarmos com essa indústria, isso não se aprende nos próximos 30 anos. Na metalomecânica, por exemplo, um conjunto de peças que são usadas em motores elétricos é feita por uma empresa que já vendemos. Tinha um conjunto de 24 trabalhadores que faziam aquela peça há 30 anos. E faziam-na com uma rapidez – e a célebre produtividade que não temos na indústria – inigualável. Por isso, foi rapidamente capturada por essas maiores empresas”, revelou.
“Os Estados Unidos afetam algumas empresas portuguesas. Não é o principal mercado de exportações. Naturalmente, quem investe vai olhar para a exposição a mercados mais incertos. Sempre foi assim, vai continuar a ser assim. Se pudermos agora, durante este período, não investir em empresas expostas aos Estados Unidos, não investiremos”, afirmou Martim Avillez Figueiredo.
Na dimensão da captação de capital – “uma das variáveis críticas de fazer capital de risco em qualquer país” – Portugal apresenta-se como país europeu com menos capital de risco em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), alertou. “São 18 vezes menos do que a média da União Europeia (UE), seis vezes menos que Espanha e 5,7 vezes menos que a Grécia”, detalhou o sócio da Core Capital.
“Mesmo assim, nós temos de conseguir convencer um conjunto de investidores que têm todos esses mercados à sua disposição a acreditar em Portugal, e o que fazemos é agarrar-nos ao que não é incerto”, explicou.
Do capital de risco para a advocacia, Martim Krupensky, managing partner da MLGTS, afirmou que o Estado de Direito nos EUA “é duvidoso que ainda subsista”.
“Efetivamente se o poder judicial perder a sua independência, acumulando isso com todos os outros órgãos de soberania, muito alinhados num determinado sentido, seja neste ou noutro qualquer, é um risco muito sério para a democracia, porque está a pôr em causa verdadeiramente a separação de poderes”, alertou o mesmo responsável, convidado a comentar as limitações impostas pelo Supremo Tribunal aos tribunais inferiores de forma a interferir na expulsão dos imigrantes.
“Mas nós também temos os nossos problemas domésticos, como a interferência do Ministério Público excessiva na forma como as ações são conduzidas”, acrescentou, repreendendo “tudo o que ponha em causa a separação de poderes”.
Do lado da Abreu, Inês Sequeira Mendes, managing partner, considera que “aos advogados toca particularmente o que está nos Estados Unidos”. “Mas não é que já não exista na Europa. Como se gere isso? Não esquecendo os princípios, o Estado de Direito e a sua importância, e a defesa dos direitos, liberdades e garantias. E aí os advogados têm um papel fundamental. Foram vários os escritórios americanos que chegaram a acordo com a Administração Trump. Esta questão é bastante complexa. No fundo, há uma necessidade cada vez maior de não perdermos de vista os nossos princípios. E os advogados são o maior bastião na defesa desses princípios”, defendeu.
Da própria Universidade Católica, onde a conferência do JE decorreu, esta quarta-feira, Paulo Cardoso do Amaral, Professor na Católica-Lisbon desde 1996, abordou a incerteza na perspetiva de quem leciona sobre intelligence há 25 anos.
“A incerteza faz parte da vida e nós temos de lidar com ela. A diferença de há 25 anos para cá é que antigamente estávamos a gerir a mudança e agora estamos a gerir a surpresa”, começou por dizer.
“Atacar o Estado de Direito é abanar as bases daquilo que são as nossas certezas. Do ponto de vista prático de intelligence, o que fazemos é definir cenários e estar sempre à procura do que chamamos weak signals, que identifica o que pode acontecer a seguir, e vamo-nos preparando. Há abordagens práticas para nos preparamos minimamente para o que é possível. E o que eu continuo a ver na maioria das empresas são muitos blind spots. O que significa? Há informação que está cá fora que está a ser ignorada porque temos viés (bias), e não estamos a olhar para a informação que devíamos”, continuou.
Segundo Paulo Cardoso do Amaral, que também leciona na Academia Militar, o facto de esses “weak signals não serem considerados faz com que o cenário não possa ser equacionado e que, de repente, tenhamos a surpresa quando não tinha de acontecer”.
E apresentou dois passos a seguir: “onde é que nós vamos à procura dessa informação e como é que nós trabalhamos os nossos próprios bias, porque a tendência, por os termos, é olharmos para as coisas que nos deixam confortáveis”.
O Advisory Summit 2025 do JE, que teve o apoio da EY Law, VdA, PLMJ e Morais Leitão, decorreu esta quarta-feira, dia 2 de julho, na Universidade Católica Portuguesa (UCP), no campus de Palma de Cima, em Lisboa.
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