Portugal vai arrancar o inverno numa boa posição energética. O país está no pódio dos países com as maiores reservas de gás natural na Europa (em percentagem).
Encontra-se na segunda posição com 96% das suas reservas cheias, num total de 3,45 TWh, ultrapassando assim a meta prevista para julho de 80% e já acima dos também 80% exigidos a 1 de setembro, segundo os dados do regulador europeu.
Já a primeira posição é ocupada por Espanha com 100% de reservas (36 TWh), com o pódio a ser fechado pela Suécia (0,1 TWh), seguida da Polónia (95% e 35 TWh).
Em termos de percentagem absoluta, a Alemanha lidera com 232 TWh de gás natural armazenado (93%), seguida de Itália com 182 TWh (91%) e dos Países Baixos com 125 TWh (87%). Na UE, as reserva totais atingem agora 90%, num total de 1.000 TWh.
Entre os países analisados, a Ucrânia encontra-se na pior posição (22% ou 70 TWh), seguida do Reino Unido (63%) e da Letónia (69%). Em termos absolutos, a Suécia, Portugal e a Croácia são os países que detém menos gás natural armazenado, todos abaixo dos 4 TWh.
Analisando o atual nível das reservas de gás, Nuno Ribeiro da Silva considera que Portugal fez o seu trabalho de “formiguinha” durante o verão para se preparar para o inverno. “É prudente. Já aprendemos que podem acontecer as coisas mais inesperadas. Não temos uma capacidade de reserva muito significativa, nesse sentido é importante fazer constituição de reservas”.
Questionado sobre se Portugal precisa de aumentar a sua capacidade, o especialista em energia considera que seria “desejável”, mas que é um cenário qye representa uma “contradição”.
“Por um lado, temos toda a pressão política para acabar com combustíveis fosseis, incluindo o gás natural, apesar de ser o menos agressivo face ao petróleo e carvão, mas não deixa de ser um bocado contraditório estarmos a fazer investimentos substanciais na infraestrutura de gás, no armazenamento, quando dizemos que queremos acabar com o gás. Cria uma situação de certa insegurança, desconforto, relativamente a mobilização de quantidades elevadas de dinheiro para fazer investimentos em algo que que se anuncia que queremos desfazer. É um bocadinho complicado de mergulhar na decisão de investimento que vai ter um custo regulado, vai à tarifa do gás, vai encarecer o gás, períodos de amortização muito longos, e depois dizemos que, no longo prazo, não queremos gás natural”, disse ao JE.
“Não dá grande conforto estar a mobilizar todo este dinheiro e a refletir na tarifa de gás quando a perspetiva é tentar abandonar gradualmente o uso do gás natural, mas também é um processo em evolução. Tem havido um aumento na geração de eletricidade com base nas fontes renováveis. Usa-se menos gás, há menos metros cúbicos para diluir custos fixos, a componente fixa da tarifa está a ser sobrecarregada, agora vamos mobilizar 100 milhões ou 150 milhões para reforçar a capacidade armazenamento gás natural… é uma decisão difícil tenho em conta os reflexos no curto prazo no custo da tarifa”, analisou.
Este ano, o presidente da Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE) defendeu a criação da reserva estratégica de gás natural em Portugal. “Serão sempre investimentos na casa dos 100-200 milhões de euros se quisermos ficar com um intervalo de variação longa”, entre “seis a oito semanas” do equivalente ao consumo de gás natural, “para acrescentar entre três a quatro semanas ao que temos”, disse Alexandre Fernandes ao JE em abril.
Um inverno mais frio na Europa ameaça provocar um disparo nos preços do gás natural, prevê, por seu turno, o Goldman Sachs numa nota divulgada na terça-feira.
Os analistas do banco norte-americano estimam que o armazenamento de gás europeu atinja um nível “confortável” de 95% em outubro, prevendo preços de 43 euros/MWh no cenário base, num mercado que continua “apertado”.
No entanto, no caso de um desvio provocado por uma temperatura mais fria do que o habitual, os preços deverão disparar para os 60/80 euros/MWh.
Analisando a subida registada nas últimas semanas, atingindo os 40 euros/MWh este mês, o banco concluiu que se deveu ao “receio” de que o gás russo, que continua a transitar pela Ucrânia (9% do gás total fornecido no noroeste europeu), seria “travado dada a instabilidade na região”.
Os analistas consideram exagerado o rally dos preços do gás: primeiro, porque o gás continua a transitar pela Ucrânia e o acordo atual só expira em janeiro de 2025; segundo, existem outras alternativas a este gás, como comprar à Argélia via Itália, ou à Turquia via Hungria.
Por sua vez, a consultora Rystad Energy considera que o mercado já está a descontar os riscos geopolíticos, incluindo a invasão russa da Ucrânia e a mais recente ofensiva ucraniana na Rússia, com a consequente captura da estação de gás russa de Sudzha pelas forças ucranianas.
“Os esforços da Rússia para construir uma frota fantasma e contornar as sanções acrescenta complexidade, com os mercados europeus de gás a monitorizar de perto o potencial para disrupções. Em várias regiões, a procura de gás deverá continuar elevada no curto prazo, dados os outlooks de temperatura acima da média”, segundo o analista Christoph Halser, num relatório publicado a 8 de agosto.
A Rystad também alerta para os riscos da tensão no Médio Oriente e para um eventual ataque do Irão a Israel, após o assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerão.
“Além das infraestruturas energéticas poderem tornar-se um alvo de ataques, o piorar da situação pode impactar o trânsito marítimo no estreito de Ormuz”, segundo o analista.
Cerca de um quinto do petróleo consumido no mundo passa diariamente por este estreito no Médio Oriente (20 milhões de barris diários) e 20% do gás natural consumido globalmente.
No boletim Utilização das Infraestruturas de Gás, divulgado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) na terça-feira, relativo ao segundo trimestre, o regulador destaca que, a 31 de junho, o stock de gás armazenado em cavernas atingia 102% da capacidade comercial firme disponível, o que “equivale a três dias de consumo médio nacional”.
“O Plano REPowerEU estabelece como meta que cada país deverá ter, no mínimo, 90% de reservas de gás em instalações subterrâneas a 1 de novembro de 2023 e nos anos seguintes”, segundo a entidade liderada por Pedro Verdelho.
Na sua análise, a ERSE revela também que o gás natural liquefeito (GNL) que deu entrada em Portugal no primeiro semestre teve a sua origem na Nigéria (49%, 11 navios), nos EUA (46%, 13 navios) e na Rússia (5%, um navio). Recorde-se que o GNL russo não está sujeito a sanções.
Em termos de exportação, via interligações com Espanha, através dos dois gasodutos, o saldo exportador foi positivo, num total de 3.144 GWh, mais 19% face a período homólogo, com a importação a recuar 41%, e a exportação a descer 5%.
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