Após anos nos quais os números indicavam que o país estava a libertar-se do flagelo do acidente mortal, os dados publicados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária são assustadores: a tendência inverteu em 2017 e não dá sinais de abrandamento.

No ano passado, morreram 509 pessoas nas estradas,  mais 64 do que no ano anterior.  O número de feridos grave também subiu, para 2.184. O início deste ano não trouxe uma melhoria, antes pelo contrário. No primeiro trimestre, o número de mortes ascendeu a 113, comparado com 98 no mesmo período de 2017.

Em declarações ao Jornal de Notícias, José Miguel Trigoso, presidente da Prevenção Rodóviária Portuguesa, alertou que as medidas no Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária não estão a ser aplicadas, que reuniões com as entidades mostram que “as coisas estão muito paradas”. O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, prometeu novas medidas para combater os principais problemas de 2017, os acidentes dentro das localidades e com motos de alta cilindrada. Tanto na aplicação das medidas existentes e na introdução de novas, mais vale tarde que nunca, mas não deixa de ser literalmente chegar depois de o acidente ter ocorrido.

Se a inércia e a reação tardia das autoridades é lamentável, há um outro aspeto que é deveras dramático. As regras, o policiamento e as penalizações têm de ser apropriadas e aplicadas, mas a responsabilidade é, também, coletiva.

Apesar de melhorias nos últimos anos, conduzir em Portugal continua a ser um exercício arriscado. Alguns minutos na VCI do Porto ou no Eixo Norte-Sul de Lisboa, são suficientes para confirmar esta constatação. O excesso de velocidade, as manobras perigosas e a condução após o consumo desmedido de bebidas alcoólicas continuam a ser práticas comuns e que precisam de ser erradicadas.

Trata-se de uma questão psico-social. Vamos por partes. Primeiro, a frota. Apesar de não entrar na categoria de país rico, Portugal tem uma frota de automóveis que faz inveja a essas nações. Há uma insistência em possuir viaturas de luxo e de grande cilindrada, especialmente nas cidades, provavelmente por uma questão de status social. Podem até ter mais mecanismos de segurança, mas andam mais rápido e não são os únicos nas estradas – todos somos potenciais vítimas.

Em segundo e, porventura, mais importante, há o aspeto comportamental. Supostamente uma nação de brandos costumes, uma parte significativa da população torna-se maníaca quando chega ao volante. Ouvir conversas sobre aceleração, velocidade máxima e tempos recorde para fazer a A1 continua a ser frequente. Num país onde a pontualidade não é, temos de convir, um dos principais atributos, não se percebe porque é que tanta gente quer chegar ao destino tão depressa.

Toda a questão da prevenção rodoviária parece ser encarada como um tabú na sociedade. Há uns anos, um spot televisivo que retratava a entrada de crianças numa aeronave com a frase “todos os anos a velocidade nas estradas vitíma um avião cheio de crianças” foi considerado abusivo. Temos pudor em relação a campanhas-choque, método que funciona em outros países, mas sobre as mortes não temos.

Acidentes, por definição, acontecem. Mas se não somos capazes de perceber que o nosso comportamento pode evitar alguns, estamos a tornar as mortes na estrada ainda mais estúpidas do que são. É bastante sinistro.