Bruno Soares Gonçalves é presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN). Defende o uso da energia nuclear em Portugal, uma aposta que deve ser feita, mas após realizados os estudos necessários.
Olha com preocupação para o encerramento das centrais nucleares em Espanha e para o impacto que possa vir a ter na segurança de abastecimento de Portugal.
Hoje vai ser um dos oradores na conferência organizada pela Associação Industrial Portuguesa (AIP) que vai ter lugar em Lisboa com o tema: ‘Nuclear, uma opção para Portugal?’
Licenciado em Engenharia Física Tecnológica pelo Instituto Superior Técnico, conta com um Mestrado em Física e um Doutoramento em Engenharia Física Tecnológica, ambos pelo IST em Lisboa.
Professor, em teoria, o que é que Portugal precisaria, na sua opinião, em termos de potência nuclear? Qual o seu cenário base?
A minha estimativa dá, pelo menos, dois gigawatts. É um número baseado naquilo que era o Relatório de Segurança Energética da Direção Geral de Energia (DGEG) de há um ano. Creio que, com os números do PNEC e com uma previsão de um aumento maior do consumo de eletricidade e alavancando parte do hidrogénio previsto, estamos algures numa baliza entre os dois a cinco gigawatts de potência instalada. É preciso fazer contas mais detalhadas, mas estaríamos muito próximos dessa gama. Tenho muitas dúvidas que o hidrogénio possa ser a solução como tem sido apresentada, até porque, fazendo as contas, do ponto de vista económico, não parece fazer muito sentido. Mas efetivamente o nuclear pode ajudar na produção de hidrogénio. O relatório de Segurança da DGEG tem lá uma linha um pouco obscura que prevê que possa ser produzido hidrogénio a partir da eletricidade de rede. Por outro lado, há um outro aspeto que eu ouço muitas vezes falar e que também é interessante. Eu ouço muitas vezes falar agora em dessalinização, o que consome energia elétrica. Precisamos de produzir mais energia elétrica.
Aqui em termos de números, estes dois a cinco gigawatts, quanto é que poderiam custar?
Os Emirados Árabes Unidos (EAU), com custo de capital associado, construíram quatro reatores que custaram à volta de 32 mil milhões de euros. Estamos a falar de cerca de 8 mil milhões de euros por reator, talvez um pouco menos. Penso que são 1,2 gigawatts por reator. Mas tipicamente estamos a falar deste valor da ordem dos 8.000 milhões por gigawatt para um reator que vai estar a operar cerca de 90% do tempo ao longo de um ano. Isto tem que ser comparado com outras soluções que são mais baratas, que exigem redes distribuídas, mas que irão operar uma fração do tempo do ano.
Isto implica investimento público e/ou privado? Como é que tem funcionado noutros países?
Tem havido sobretudo investimento público. Mas, como sabemos, no passado houve em Portugal até intenção de investimento privado em construir um reator nuclear. Na Finlândia houve uma cooperativa de empresas que financiou o reator nuclear, conseguindo garantir preços fixos a longo prazo para a eletricidade. Ou seja, há vários modelos possíveis. Tem havido muito investimento estatal nos reatores nucleares, mas não é, de todo, a norma; tem havido variantes.
E quanto tempo demorariam a construir?
Vou dar o exemplo do que aconteceu nos Emirados Árabes Unidos (EAU), que foi algo acelerado, mas que eu acho que é um bom exemplo do que pode ser feito quando as coisas correm bem. Os EAU começaram em 2008 a avaliar o potencial do uso da energia nuclear para uso pacífico. Assinaram um contrato com a Coreia do Sul em 2010, mas ainda houve todo o processo de legislação de licenciamento. Há um processo todo com a Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA) que demora algum tempo. Depois, há aqui um período de alguns anos em que é preciso preparar a legislação, mas depois o primeiro reator entrou em funcionamento em 2019. Estamos a falar de cerca de sete anos para a construção de um reator. O Japão conseguiu construir em quatro/cinco anos em tempos. Já não falando da Rússia ou da China que conseguem tempos desta ordem de grandeza. Neste momento, não precisamos de um reator nuclear. As centrais a gás que temos, já dependendo de Espanha, serve-nos perfeitamente para a procura nos próximos anos. Temos de nos preocupar para lá de meados de 2030 que é quando a central a gás da Tapada do Outeiro poderá encerrar. É expectável que a economia se torne mais pujante e é preciso mais eletricidade, pois haverá uma grande penetração de carros elétricos. E então, é em 2035 que precisamos de ter o nuclear. Temos tempo, mas temos que ter a discussão agora e temos que dar os passos necessários para o fazer.
O que é que recomendaria ao próximo primeiro-ministro em termos de política energética para o país?
A minha recomendação seria: é importante não descartar todas as fontes de energia. É importante um estudo global que analise quais são as perspectivas de crescimento em termos económicos, quais são as indústrias que queremos alavancar e qual a solução energética que ajuda a que essas indústrias possam prosperar no nosso país. Por um lado, terem as condições para se instalarem, e por outro lado, terem eletricidade a preço acessível para que se tornem competitivas. As empresas de facto estão preocupadas com a sua conta elétrica. Porque o nuclear, sobretudo os novos reatores, não estão a apontar apenas para a produção de eletricidade: a produção de calor, também pode ser usada em processos industriais. E isso pode ser muito interessante para a substituição de algumas formas de produção de energia mais poluentes que são usadas hoje nesses processos industriais.
Nuclear ou renováveis, um falso dilema é o tema da sua apresentação na conferência de quinta-feira na AIP…
O problema é que nós não podemos simplificar o debate. De ser uma escolha, de um ser o certo. Existem muitas realidades complexas e temos de considerar qual o impacto que vamos ter na população. Qual é o custo final da eletricidade? Qual é o paradigma que vai ajudar as nossas empresas a crescerem e aumentarem a nossa economia? Conseguirão estas empresas viver com a produção eléctrica flexível? Consegue imaginar uma empresa que tem que desligar a energia às vezes, porque não há eletricidade suficiente? Poderá haver algumas para as quais isto faz sentido, mas seguramente não será para a grande maioria das empresas. Se queremos alavancar empresas eletrointensivas, então ainda mais teremos que ter capacidade de produzir energia elétrica. Eu acho que todos estes elementos têm que ser equacionados. O nuclear é uma solução. É preciso ir um pouco mais além nos estudos. Não podemos meter a cabeça na areia e fazer de conta que todos os outros países estão a considerar o nuclear e nós, por princípio, dizemos simplesmente não, e não tentarmos sequer perceber que contas é que estão por trás de todos os outros países que não serão certamente menos inteligentes que nós para que considerem o nuclear como uma opção. Acho que este aspecto é muito importante, apesar das nossas condições climatológicas excepcionais para a produção de energia solar e eólica. Ainda assim, fazendo as contas, olhando para os números com atenção e para os históricos dos números, de facto, o nuclear tem que ser considerado. No fim, podemos tomar uma decisão, nem que seja contra, mas que seja uma decisão baseada em cálculos e ponderada. Neste momento, isso é essencial.
Porque é que Portugal deveria ou poderia apostar na energia nuclear e se faz sentido apostar em 2024?
A primeira razão pela qual devemos equacionar o nuclear já está na taxonomia europeia. É classificada como uma energia de baixo carbono, pois está entre as fontes de energia que menos carbono produz por kilowatt hora, quando consideramos todo o ciclo de vida da central. Estamos a falar de 5 a 6 gramas de CO2 por kilowatt hora. É imbatível deste ponto de vista. Por outro lado, é preciso ver que a nível europeu tem havido, apesar de haver ainda alguns resistentes, um interesse crescente na adopção do nuclear. A Suécia adoptou uma política de baixo carbono, e não 100% renovável, o que inclui o nuclear. Temos a Noruega e temos muitos países de facto, a equacionar o nuclear. A razão pela qual faz sentido é porque se queremos eletrificar a sociedade, temos de substituir alguns processos que produzem ainda hoje muito CO2 que resultam da combustão de carvão ou de gás. Se queremos eletrificar a sociedade, temos que produzir muita eletricidade. As renováveis podem ir até certo ponto, porque exigem flexibilidade, enquanto o nuclear pode providenciar uma eletricidade mais continuada ao longo do tempo, que permite alavancar sobretudo indústrias eletrointensivas. Só nos EUA estima-se que o consumo de eletricidade vai aumentar em 7,5% até 2030 devido à Inteligência Artificial. Vamos ter também mais viaturas elétricas e precisamos de mais eletricidade e de baixo carbono. Por todas estas razões faz sentido discutir o nuclear.
A segurança de abastecimento da Europa ficou em causa com a invasão russa da Ucrânia…
Há também a questão de alguma independência energética, uma vez que estamos a trocar o gás russo por uma dependência, por exemplo, na produção de painéis solares pela China ou uma dependência nas terras raras. Quando falamos em materiais críticos, por exemplo, não nos podemos esquecer que 85% dos painéis solares são produzidos na China. Obviamente, os detratores muitas vezes vão buscar como justificação que o urânio também depende de outros países. É verdade, mas as maiores reservas de urânio neste momento são existem no Canadá, na Austrália e também no Cazaquistão. Obviamente, ainda há alguma dependência da Rússia, sobretudo no enriquecimento, mas tem vindo a ser colmatado por um aumento do enriquecimento pela França, pelos Estados Unidos, etc. É algo que será solucionável a curto trecho. E, de facto, o urânio até está bastante distribuído e Portugal até tem algumas reservas de urânio que não estão neste momento a ser exploradas. Não são muito grandes, mas apesar de tudo, é um recurso que temos no país.
Os defensores argumentam que as energias renováveis são baratas…
É um aspecto que também é importante, há muita tendência de dizerem que as energias renováveis são baratas, porque o custo nivelado da eólica e do solar é baixo. O problema é que quando falamos de um custo nivelado de eletricidade para instalação dos painéis solares, muitas vezes estamos a ignorar todos os outros custos que estão por trás, como os custos totais que passam pelo custo de balanceamento da frequência da rede, que passam pelo custo de manter o backup. Porque às vezes não há sol e não há vento e para isso precisamos de centrais de backup.
Há um outro problema associado com as renováveis. É que, por exemplo, o solar existe durante o dia, mas não existe à noite. É verdade que também existe tendencialmente mais procura durante o dia, mas o que se tem verificado é que durante o dia, as renováveis têm conseguido responder, sobretudo porque temos muita hídrica, com os preços a serem muito baixos, mas por outro lado, a menos que os produtores de renováveis tenham rendas garantidas, não irão fazer dinheiro, o que pode de alguma forma impedir futuros investimentos. Obviamente, estamos a pagar as contas, através de feed in tariffs que ainda existem, e que de futuro serão os contratos por diferenças, CFDs que de alguma forma pagarão isso. Mas alguém irá pagar os preços baixos que existem no mercado intradiário.
Outro problema é que, ao final da tarde, quando o sol começa a desaparecer, temos muitas vezes um aumento da procura, à qual as renováveis não dão resposta. É preciso produção adicional.
Por outro lado, qual é o custo total do sistema de rede associado? Não é só o custo da instalação, é o custo total do sistema. Não nos podemos esquecer que a REN veio dizer há pouco tempo que só em redes de alta tensão precisam aumentar 1.500 km. Isso tem um custo.
Usando os números do Plano Nacional de Energia e Clima (2030) de potências instaladas e assumindo que vamos ter um crescimento da ordem dos 3% na procura de eletricidade – isto é um valor que é dado pela Agência Internacional de Energia (IEA) – se fizermos as contas, o que vai dar é que durante o dia até temos excesso de produção de eletricidade, mas podemos ter uma falta de produção ao final da tarde da ordem dos oito gigawatts. Obviamente temos a hídrica, teremos alguma biomassa, etc. Mas estamos a falar de uma potência necessária que pode ser significativa. Muitas vezes tem sido a hídrica, mas não nos podemos esquecer que temos anos que são particularmente maus do ponto de vista hidrológico. E por outro lado, não podemos ignorar que no ano passado importámos 20% da nossa eletricidade. É um número bastante significativo. Poupámos no gás que não comprámos e quem comprou foram os espanhóis, mas foi 20% da nossa eletricidade, porque se não importássemos estaríamos muito provavelmente a queimar gás. E 5%-6% da nossa eletricidade é de produção nuclear em Espanha, o que também é bastante interessante, mas por outro lado, preocupante.
Os críticos apontam para os preços elevados do nuclear e também a demora nos projetos. Qual é a sua resposta a estas críticas?
Regra geral, os críticos, quando falam da demora dos projetos, tendem a apontar os projetos recentes. Nos países ocidentais há um clássico que será o Hinckley Point C no Reino Unido, que é um EP2 da EDF, que teve problemas similares ao que aconteceu em Olkiluoto 3 na Finlândia. Isto começa com problemas de perda de competências no nuclear pela Europa: o cimento que era usado no betão não tinha a especificação para uso em edifícios nucleares. Agora temos outros exemplos bastante bons no mundo, onde as coisas estão a evoluir de forma bastante mais positiva. Por exemplo, quatro reatores nos Emirados Árabes Unidos, de origem sul coreana, foram construídos em sete anos e estão em operação: em 2030 produzirão mais eletricidade nesse ano do que todas as renováveis instaladas em Portugal. Isso é um bom exemplo. Por outro lado, a China também tem progredido muito e tem feito um progresso significativo nos reatores nucleares.
É preciso competências, é preciso experiência, e é preciso não estar sempre a redesenhar o reator. No caso dos custos, muitas vezes falam dos custos nivelados e da sua comparação, mas um reator nuclear pode durar 60-80 anos. O que quer dizer que é um ativo que, uma vez investido, vai estar ali por seis a oito décadas. Será preciso intervenções ao longo do tempo para o manter em funcionamento, mas é diferente de ter um parque solar que daqui a 20 anos terá que ser substituído por um novo. Ou de uma central eólica em que terá de ser feito um repowering. De facto, não podemos ignorar os custos, mas temos que considerar que é um ativo por longo período. Por outro lado, há um estudo interessante do Bank of America que indica que, quando consideramos os custos totais do sistema, o nuclear é mais barato. Os Países Baixos, que também agora anunciaram que se calhar vão investir em novos reatores, têm um estudo similar que faz a análise do custo total e chegam à conclusão que o mix de renováveis e nuclear, é mais barato e é uma solução óptima. A Suíça fez um estudo semelhante com uma revisão feita pela pela Universidade Técnica de Zurique. Ou seja, existem alguns países que fizeram esse estudo mais detalhadamente e concluíram que a solução é um mix energético, que considere nuclear e renováveis.
Não podemos ignorar que os custos existem. O custo de capital inicial é elevado, atrasos que contribuem para um custo de capitais mais elevados, mas é um ativo que, uma vez em operação, é bastante importante. O exemplo das centrais espanholas: é um ativo que funciona 90% do tempo ao longo do ano e produzem energia elétrica. É o chamado fator de capacidade. No caso do solar, é da ordem dos 17% em Portugal, pois só funciona durante o dia e quando não há nuvens. A eólica tem um fator de capacidade da ordem dos 28%. No caso da eólica offshore, o Wind Float tem um fator de capacidade na ordem dos 36%. A produção de eletricidade também tem valor.
O problema existe se nós equacionamos montar um sistema em que pomos as renováveis todas e depois dizemos que já não há espaço para o nuclear. O que eu defendo é diferente; vamos equacionar o sistema como um conjunto e vamos ver qual é o mix ideal que garanta que temos o preço óptimo e o regime de operação ótimo. Porque também não é verdade que as nucleares não se possam ajustar e acompanhar a variabilidade de produção de acordo com a necessidade. Têm algumas limitações, mas já conseguem subir ou baixar a produção dentro de determinados parâmetros para acompanhar a variabilidade das renováveis. Agora não podemos é encher o país de renováveis e dizermos que agora o nuclear não cabe.
A alternativa que eu tenho ouvido muito falar, é que precisamos de centrais a gás, que vão dar os picos ou que vão responder quando não há necessidade. A Alemanha está a fazê-lo, o Reino Unido também anunciou um forte investimento em centrais a gás. As renováveis alimentam esta necessidade de continuarmos dependentes do gás. Do ponto de vista de segurança, quando começou a guerra na Ucrânia, ficámos muito preocupados com as reservas de gás que existiam para fazer face às necessidades. Isso não acontece com o urânio por ser muito denso do ponto de vista energético. Por exemplo, a França tem reservas de urânio suficientes para operar cinco anos, enquanto a reserva de gás que existe, por exemplo, no nosso país, dá para umas semanas, uns meses e pouco mais. Faz toda a diferença, até do ponto de vista de segurança energética, se for um sistema bem planeado.
Uma das preocupações da opinião pública são os acidentes nucleares. Houve um já mais longínquo no tempo, que foi Chernobyl, mas que está no imaginário europeu. E o mais recente, Fukushima no Japão, que até provocou o encerramento do nuclear na Alemanha por decisão da senhora Merkel. Qual a sua resposta às preocupações com a segurança nuclear?
Chernobyl foi um acidente grave, mas é preciso ver que está muito longe do desenho dos reatores que existem atualmente. Era um reator muito específico que tinha o objetivo de produzir a plutónio. Foi operado fora dos parâmetros adequados de operação e não tinha edifício de contenção e isso fez com que tudo o que aconteceu lá, que foi errado do ponto de vista operacional, também fosse exacerbado do ponto de vista de acidente nuclear.
Fukushima foi uma situação diferente. O reator estava perfeitamente bem desenhado. Simplesmente houve um pequeno erro de concepção, porque eles seguiram um desenho americano onde os geradores de backup estavam na cave, por causa dos perigos dos tornados nos EUA. Seguiram o desenho e não tiveram totalmente em conta o risco de tsunami, pelo menos, de dimensão tão elevada para aquela zona. Havia um muro de contenção, mas não foi suficiente para aquele tsunami. Como estavam na cave, e esta inundou, os geradores deixaram de poder arrefecer. Esse problema hoje em dia está resolvido. Na maioria dos reatores já é pensado onde é que ficam os geradores de segurança. Mas de facto deixou de haver o arrefecimento do reator, apesar dos reatores terem desligado automaticamente durante o terramoto. O núcleo começou a aquecer a água e, com a temperatura, começou a produzir hidrogénio e a explosão que vemos em Fukushima é uma explosão de hidrogénio que rebentou o edifício de contenção, mas que, ao ruir, acabou por limitar a libertação de radiação.
As pessoas associam que houve mortos associados à radiação em Fukushima. Não houve. Houve 575 vítimas de Fukushima, todas elas reconhecidas pela relatórios da ONU como vítimas do processo de evacuação e não vítimas da radiação. Ainda assim, se considerarmos os acidentes nucleares e as vítimas dos acidentes de Chernobyl, que são da ordem dos 4.000, mais as vítimas de evacuação de Fukushima, que são da ordem de 575, mais alguns acidentes associados a todo o processamento, acidentes associados a produção de energia, e dividirmos pelo número de elementos de terawatts hora produzidos pela energia nuclear e compararmos com acidentes nas eólicas, no solar, etc… os números, em termos de acidentes ou de vítimas são muito comparáveis, são da mesma ordem de grandeza, o que significa também que a energia nuclear acaba por ser segura.
E há o caso de Kanagawa, que é uma central que está a 60 km de Fukushima e mais próxima até do epicentro do terramoto, que também encerrou automaticamente o reator. O módulo central não sofreu nenhum efeito, porque o engenheiro responsável pelo desenho da central era da zona e tinha ouvido histórias em pequeno que, em tempos, as ondas tinham chegado àquele local. Como se lembrava desta história, fez muita insistência para aumentar a parede de contenção da central que estava a desenhar. Após muita insistência, conseguiu que a central fosse elevada em relação ao nível do mar e a parede de contenção ainda fosse maior do que estava previsto. A central sobreviveu perfeitamente e o ginásio da central até foi refúgio para as vítimas do terramoto. Este é um exemplo de que quando as centrais são bem desenhadas, as coisas funcionam. E em Fukushima teriam funcionado, não fosse os geradores estarem abaixo do nível da água do mar.
Não podemos escamotear que a radiação pode ser perigosa. Uma libertação radioativa pode ser perigosa, mas o desenho dos reatores hoje em dia é extremamente seguro no sentido de minimizar a libertação de radiação, mesmo num caso de eventos extremos, mas que todos os sistemas de segurança contribuem hoje em dia para minimizar, em muito, a probabilidade de um acidente acontecer. E isso torna o nuclear bastante mais seguro. Ainda mais seguro, provavelmente será quando nós avançarmos para os pequenos reatores modulares. Onde se estima que o impacto de alguns eventos possa ser ainda menor e que possam ser até mais seguros. E muitos dos reatores já de nova geração têm sistemas passivos de segurança que ajudam a minimizar os efeitos de qualquer tipo de acidente.
Outra questão preocupante são os resíduos nucleares. Continua a ser complicado armazená-los? Como é que tem sido a evolução?
Bom, os resíduos são uma questão importante. Não podemos escamotear que se produzem resíduos radioativos. Agora, não são produzidos numa quantidade gigantesca como as pessoas pensam. Exemplo: se toda a eletricidade que um português consome ao longo da sua vida, vamos dizer 80 anos, fosse produzida com base em nuclear, os resíduos resultantes dessa produção caberiam num terço de uma lata de Coca-Cola. Se fosse um americano, caberiam numa lata de Coca-Cola. Precisamente porque o nuclear é muito denso, usa pouco combustível para produzir muita energia e a quantidade de resíduos que produz também é pequena. Há um outro aspeto importante nos resíduos: quando tiramos o combustível usado de dentro do reator, apenas foi usado 5% do combustível. Tudo o resto ainda é combustível por usar. Por isso é que muitas vezes ao falar em resíduos, se calhar o mais correto é falar em combustível usado, porque esse combustível pode ser processado para ser usado em futuros reatores. A França já o faz e, aliás, está a testar agora usar 100% do combustível reciclado em alguns reatores. Os Estados Unidos não o faziam porque havia uma lei do tempo do Jimmy Carter que o impedia. Curiosamente, o Jimmy Carter tinha tido a sua formação em reatores nucleares e nos submarinos. Era um engenheiro nuclear ou pelo menos com muita experiência em engenharia nuclear. Mas há uma lei dessa altura que proibia o uso de combustível reciclado nos Estados Unidos e que creio que ia ser votada para permitir o uso de combustível reciclado.
Do combustível que nós tiramos e que é combustível de futuro há apenas uma pequena fração de resíduos que têm que ser armazenados. Nos primeiros tempos, numa piscina junto do reator para arrefecer. Estamos a falar de cerca de cinco a dez anos, e depois vão para contentores que podem ficar no parque dos reatores: são contentores de betão de pesados, enormes e seguros, sendo perfeitamente seguro estar ao lado, que permitem o armazenamento por cerca de 50 anos. A radioatividade desses resíduos decai bastante. E também uma coisa interessante nos resíduos nucleares é que, enquanto um resíduo químico mantém a sua perigosidade e toxicidade ao longo do tempo, os resíduos nucleares reduzem com o tempo. Ainda assim, há alguns que têm que ser armazenados por longo período e para isso existem os do armazenamento em geológico profundo. É que, por exemplo, na Finlândia foi construído um site – Onkalo – onde vão armazenar de forma segura estes resíduos. Outro exemplo, na Suíça, um site que armazena todos os resíduos suíços desde os anos 70. É o equivalente à operação, salvo erro, de 20 anos, em Portugal, e cabem num armazém todos os resíduos. Portanto, isto dá uma noção do espaço ocupado pelos resíduos. São perigosos, mas sabemos como os tratar. E depois há outro aspeto: a regulamentação e a monitorização exigida garante também a segurança associada ao nuclear.
O nuclear ajuda a tornar a eletricidade mais competitiva para famílias e empresas ou depende?
Olhando para os valores, eu acho que ajuda. E se nós olharmos e compararmos os preços, por exemplo, os dados que estão no Eurostat, comparamos preços da eletricidade para empresas e famílias dos vários países e vendo qual é a fonte principal de produção elétrica que estes países têm. Nós vemos que, tendencialmente, existem alguns países que têm eletricidade muito cara, com uma forte penetração de renováveis, e vemos que os países que têm nuclear e uma forte penetração no nuclear estão a um nível bastante razoável. Provavelmente não chegam aos níveis dos países que tinham carvão e que tinham gás tradicionalmente, mas estão num nível razoável e que permite os custos. Obviamente, aqui é sempre difícil a comparação, na medida em que alguns países subsidiam alguns aspetos da sua eletricidade. E esta comparação tem sempre algum viés que é difícil fazer. Mas olhando para os dados, de facto, verifica-se uma certa tendência para países, que têm nuclear como um dos elementos predominantes na sua rede, terem preços competitivos, e talvez mais competitivos do que em países em que o preço vai aumentando à medida que a penetração de renováveis vai aumentando, que está relacionado com os custos totais do sistema e custos escondidos, que são todos pagos pelo consumidor.