A cabeça de Medusa é a marca da Versace. A original divindade primordial grega foi alvo da fúria de Atena, que lhe transformou os cabelos em cobras, e vivia na maldição de petrificar quem a olhasse de frente, mas não a de Gianni Versace, que ambicionava transformar pelo luxo, pela sensualidade e pela ousadia quem olhasse diretamente as suas criações, o que cumpriu, tornando-se o costureiro das estrelas.
Fundou a sua casa em 1978, mas afirmou-se nos anos 90, com o vestido vermelho de Cindy Crawford na red carpet dos Óscares de 1991; com Crawford, Naomi Campbell, Linda Evangelista e Christy Turlington a inaugurarem a era das supermodelos a cantarem Freedom, de George Michael, numa passagem da Versace; e com o vestido preto de Liz Hurley na première de “Quatro Casamentos e um Funeral”, em 1994. A lista e os momentos sucedem-se, mas só para confirmar a tendência.
Gianni Versace foi assassinado em julho de 1997, mas a casa de alta-costura (e a Versus, a sua marca de prêt-à-porter) sobreviveu pelas mãos da sua irmã Donatella Versace, que a puxou para um sucesso comprovado pela venda à Michael Kors por 2,2 mil milhões de dólares (cerca de 1,97 mil milhões de euros, ao câmbio atual), em 2018. Donatella continuou à frente do departamento criativo da marca, mas muitas vezes em desacordo com os novos donos.
Sem Gianni, possivelmente sem Donatella, a Versace deverá ser comprada em breve pelo grupo Prada, que também detém marcas de luxo como a Miu-Miu ou a britânica Church’s, num negócio reportado como sendo feito na ordem dos 1,6 mil milhões de dólares (cerca de 1,5 mil milhões de euros). Desde o ano passado que corria o rumor de que a Capri Holdings estava a preparar a venda da Versace e, também, da Jimmy Choo, assessorada pelo Barclays. Mesmo a transmissão da casa-mãe, a Michael Kors, estaria a ser ponderada.
Agora, com a Prada à mesa das negociações, o rumor é de que a Jimmy Choo também poderá mudar para as mãos da marca italiana.
No caso da Versace, percebe-se, porque a empresa precisa de ser reestruturada. As receitas totais caíram 6,9% no ano fiscal terminado em março de 2024, face ao anterior, para 1,03 mil milhões de dólares (cerca de 970 milhões de euros), enquanto o lucro caiu em 83,6%, para 25 milhões de dólares (cerca de 23,5 milhões de euros), uma derrocada.
Todas as marcas da Capri Holding perderam vendas em 2024, com o total do conjunto a cair 7,6%, para 5,6 mil milhões de dólares (cerca de 5,2 mil milhões de euros).
Os objetivos definidos pela Michael Kors quando comprou a Versace aos herdeiros de Gianni, em 2019, não foram cumpridos. A ambição era afirmar-se como um potentado do mercado do luxo, tanto que mudou o nome para Capri. “Criámos um dos principais grupos globais de moda de luxo do mundo. O novo nome do nosso grupo, Capri Holdings, é inspirado na lendária ilha que há muito é reconhecida como um destino icónico, glamoroso e luxuoso. A espetacular formação rochosa tripla da ilha, formada há mais de 200 milhões de anos, é um símbolo da herança intemporal e da base sólida que está no cerne de cada uma das três marcas lideradas pelos fundadores”, afirmava um exultante John D. Idol, presidente-executivo da empresa, na altura, referindo à Michael Kors, à Jimmy Choo e à recém-chegada Versace.
O objetivo para a marca italiana era fazer crescer as vendas para 2.000 milhões de dólares (cerca de 1,88 mil milhões de euros), permitindo uma maior penetração nos mercados europeu e asiático. Apoiadas na Versace, as outras duas marcas também cresceriam e o grupo atingiria, a prazo, vendas de 8.000 milhões de dólares (cerca de 7,5 mil milhões de euros), o que, seis anos depois, não se concretizou.
Com a venda da Versace, a tal formação rochosa tripla de Capri está a ser levada pelo mercado.
Prada em alta
Ao contrário da Capri Holdings, o grupo Prada está pujante. Reportou uma subida de 15% das receitas em 2024, face a 2023, para 5,43 mil milhões de euros, e um lucro em alta de 25%, para 839 milhões de euros. As cinco marcas do grupo cresceram, mas o destaque foi dado à Miu-Miu que quase duplicou as vendas, que aumentaram 93%, ainda que a Prada não divulgue valores concretos.
Adquirindo a Versace (e, possivelmente, a Jimmy Choo), a Prada ambiciona aproximar-se, ainda que à distância, de grupos como o LVMH, líder do mercado de luxo, e do grupo Kering, ambos de outra dimensão.
O grupo liderado por Bernard Arnault tem um portefólio de marcas que inclui a Christian Dior, Loewe, Kenzo, Berluti, Loro Piana, Moet & Chandon, claro a Louis Vuitton (as duas primeiras iniciais da holding) e, mais recentemente, a Tiffany. Faturou 84,7 mil milhões de euros e lucrou 13 mil milhões de euros em 2024. Um gigante.
No grupo de marcas do Kering encontramos a Gucci, Saint Laurent, Bottega Veneta, Balenciaga, Brioni ou a irreverente Alexander McQueen. Representaram 17,2 mil milhões de euros de vendas em 2024, em queda de 12% face a 2023.
O grupo Prada com a Versace teria chegado aos 6,5 mil milhões de euros de vendas em 2024. Com a Jimmy Choo seriam pouco mais de 7.000 milhões de euros, ainda longe da concorrência.
O mercado do luxo tem estado sob pressão e com os processos de concentração as marcas pretendem garantir talento, matérias-primas e otimizar as redes de distribuição.
A Prada acredita que consegue transformar a Versace sem se transformar ela em pedra e os investidores também parecem convencidos do mesmo, porque tanto os títulos do grupo italiano como da Capri Holdings subiram depois de noticiadas as negociações para o negócio, esta semana.
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