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Preço do petróleo: o efeito colateral de uma guerra de potências

Irão e Arábia Saudita querem ascender à posição de potência regional. Os Estados Unidos e a sua política de amizades são uma interferência tradicional num conflito onde há um terceiro interessado: a Turquia. Os clientes do petróleo é que pagam.
17 Setembro 2019, 07h40

Os efeitos que qualquer conflito que ocorra no Médio Oriente tem sobre os preços mundiais do petróleo é uma decorrência da proximidade geográfica, mas reduzir a guerra civil do Iémen a uma questão sobre quem lança mão a mais um punhado (pequeno) de poços seria um erro de principiante.

Também não será preciso ir à raiz do conflito: 632 (ano 10 da Hégira) o ano do desaparecimento do profeta Mohammad (que o Ocidente costuma chamar Maomé, o que irrita profundamente os muçulmanos), substituído por Abú-Bakr, o primeiro califa. Ora, é a partir daqui que se dão as grandes divisões no seio da religião muçulmana: os sunitas consideraram boa a decisão de Mohammad ser substituído por este seu discípulo próximo, mas o xiitas (como aliás os kharidjitas, que se perderam na história, havendo apenas umas reminiscências algures no Islão africano) preferiam uma sucessão familiar com Ali, genro e sobrinho do profeta, casado com a sua filha Fátima – que viria a ser o quarto califa.

Em todos os séculos seguintes – e até hoje – esta divisão transformou-se numa questão política e de poder (em larga medida à semelhança da divisão entre cristãos de Roma e cristãos de Constantinopla – ou entre a igreja Católica Romana e a igreja Ortodoxa – que começou por causa de uma discussão sobre a consubstancialidade de Jesus e acabou numa luta entre as duas maiores cidades de então).

E é essa questão que se consubstancia no conflito entre o mundo sunita, liderado pela Arábia Saudita, e o mundo xiita, desde sempre acantonado no Irão (e espalhado ao Iraque e ao Iémen) – mesmo na altura em que Genghis Khan por lá andou e tudo destruiu, tendo poupado a Península Arábica, porque o que queria era chegar ao Mediterrâneo – o Ocidente, poupado às suas enormes maldades, ficará sempre a dever este favor aos xiitas, que serviram de ‘tampão’ ao perigoso mongol.

O conflito entre os dois mundos calou-se no tempo em que o Irão era liderado pelo Xá da Pérsia, Reza Pahlavi – nessa altura, Estados Unidos e Ocidente viviam no melhor dos mundos: tinham governos aliados tanto na Pérsia como na Arábia Saudita, e o conflito entre ambos seria quando muito uma questão de gabinetes.

Mas, depois da revolução protagonizada pelo Aitolá Khomeini (em 1979), tudo mudou. Os Estados Unidos mantiveram o apoio à Arábia Saudita, o que levou a que o país árabe entrasse rapidamente na lista dos inimigos da revolução iraniana, dita xiita pelo seu próprio líder.

Pouco tempo depois, as coisas pioraram: em Israel, o chamado sionismo socialista (de David Bem-Gurion), chegava ao fim e, a partir precisamente do mesmo ano, 1979, a direita (protagonizada pelo Likud, partido atualmente liderado por Benjamin Netanyahu) chegou pela primeira vez ao poder. Ora, os Estados Unidos rapidamente encontraram ali mais um aliado, o que fez avolumar a lista de inimigos do Irão.

A história do Médio Oriente a partir daí é uma consequência desta conjugação ‘maligna’ de forças em confrontação. Com o sunismo e o xiismo a servirem de ‘capa’, o que está ali em causa é o controlo geográfico por uma das duas potências regionais.

Só para complicar, e pelo menos desde há dez anos, a Turquia (que liderou o mundo muçulmano ao longo de vários séculos e bem mais profundamente que os sauditas) também tem pretensões à mesma posição. O que, de algum modo, até terá, do ponto de vista geopolítico, ajudado: um terceiro protagonista, dizem alguns, é uma forma de controlar a belicosidade dos dois restantes, introduzindo alguma moderação e a necessidade de contemporizar e de dialogar no seio de um conflito que, de outra forma, já poderia ter chegado a vias de facto.

A Turquia tem sido o elemento mais ‘duvidoso’: ora procurando o consenso com a Casa Branca, ora repudiando-o (principalmente por causa da questão dos curdos), Ancara baralha uma situação já de si difícil de antecipar.

Como não podia deixar de ser, toda a situação teria necessariamente que agudizar-se a partir do momento em que Donald Trump decidiu rasgar o acordo nuclear firmado entre Teerão e o Ocidente. Com a economia a desacelerar e as saídas do seu petróleo crescentemente bloqueadas, o Irão haveria necessariamente de ripostar.

Para os analistas, o próximo passo a caminho do desastre seria o colapso total do acordo nuclear. É por isso que, dizem, a União Europeia tem aqui uma posição relevante: tendo considerado desde sempre ser completamente infundada a argumentação usada pela Casa Branca para sair do acordo, está nas suas mãos mantê-lo, se realmente se der o caso de ser a fronteira entre os desentendimentos de palavras e a guerra aberta entre Irão e Arábia Saudita.

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