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Prémio Gulbenkian para a Humanidade distingue pioneiros da agricultura sustentável

O Prémio, no valor de um milhão de euros, foi atribuído ao programa Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming (Índia), ao Professor Rattan Lal (EUA/Índia) e à plataforma SEKEM (Egito).
11 Julho 2024, 19h25

O Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, recebeu, esta tarde, os vencedores do Prémio Gulbenkian para a Humanidade 2024. Em foco, a agricultura sustentável e o trabalho de três pioneiros nesta área, oriundos da Índia, Egito e EUA.

Atualmente, os sistemas alimentares enfrentam um triplo desafio: garantir a segurança alimentar e nutricional de uma população mundial em crescimento, assegurar as fontes de subsistência dos muitos milhões de pessoas que trabalham na cadeia alimentar e garantir a sustentabilidade ambiental do sistema. Quando os modelos de produção agroalimentar são geridos de forma sustentável, podem contribuir para preservar e restaurar habitats fundamentais, ajudar a proteger bacias hidrográficas e melhorar a qualidade dos solos e da água, sendo uma componente fundamental do desenvolvimento sustentável.

No caso das práticas insustentáveis, o seu impacto no planeta, logo na Humanidade, é enorme, como se tem verificado nas últimas décadas, com a crescente degradação dos recursos naturais e da biodiversidade, que têm reflexos evidentes na segurança alimentar e nutricional. A erosão física e química dos solos e as alterações climáticas reduzem cada vez mais a água potável disponível, a área coberta por floresta e as áreas piscícolas disponíveis, e, paralelamente contribuem para aumentar a desertificação mundial.

Um milhão de euros para dar lastro a soluções no âmbito da agricultura sustentável 

À 5ª edição, o júri independente do Prémio Gulbenkian para a Humanidade, presidido pela antiga chanceler alemã Angela Merkel, selecionou três nomeados, reconhecendo a complementaridade do seu trabalho e a necessidade tanto de investigação científica como de aplicações práticas para a agricultura sustentável. São eles o Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming (Índia), um programa que apoia pequenos agricultores, predominantemente mulheres, na transição para uma agricultura natural; Rattan Lal (EUA/Índia), cientista pioneiro na abordagem à agricultura centrada no solo; e SEKEM (Egito), uma organização com trabalho no domínio da agricultura biodinâmica, em particular a sua emblemática iniciativa Associação Biodinâmica Egípcia, uma rede que apoia os agricultores na transição para práticas agrícolas regenerativas.

O Prémio Gulbenkian para Humanidade de 2024 – no valor de um milhão de euros, a partilhar equitativamente entre os vencedores – visa chamar a atenção para o facto de as alterações climáticas agravarem a perda de biodiversidade, para a ocorrência de fenómenos climáticos extremos e a degradação dos recursos, e consequentes perturbações nos sistemas alimentares e na saúde humana, a nível mundial. Isto sem esquecer que a agricultura contribui significativamente para as alterações climáticas através das emissões de carbono, da degradação dos solos e dos recursos hídricos, assim como da perda de biodiversidade.

António Feijó, Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian, sublinhou a honra de “distinguir os vencedores deste prémio pelo seu trabalho pioneiro no domínio da agricultura sustentável e pelas soluções inovadoras para a segurança alimentar, resiliência face às alterações climáticas e proteção dos ecossistemas a nível global”. Colocando a tónica no poder transformador do trabalho levado a cabo pelos três pioneiros agora distinguidos, salientou que “cada um dos premiados demonstrou um empenho extraordinário na transformação das práticas agrícolas, provando que os modelos sustentáveis podem prosperar em ambientes desafiantes e diversos. O seu trabalho demonstra também os benefícios da agricultura sustentável para as comunidades e para o planeta”.

O futuro não poderia deixar de estar presente, pelo que realçou também a inspiração e exemplo que os premiados serão nas mais diversas geografias. “Acreditamos que as suas histórias irão inspirar outros a implementar abordagens semelhantes noutras regiões do mundo e ajudar a construir um futuro sustentável para todos.”

Do Egito à Índia, passando pela Academia nos EUA

Vijay Kumar tem liderado o programa Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming – APCNF desde que este foi criado, em 2016. A Rythu Sadhikara Samstha (RySS) (Farmers Empowerment Cooperation) é a agência oficial de implementação do programa APCNF, que tem como foco apoiar pequenos agricultores na transição de uma agricultura intensiva para uma “agricultura natural”, é reconhecido como o maior programa de agroecologia do mundo, envolvendo mais de um milhão de pequenos agricultores, sobretudo mulheres, em 500.000 hectares na região de Andhra Pradesh, no sudeste da Índia.

No âmbito do trabalho desenvolvido pela APCNF, importa ainda destacar a atuação de Nagendramma Nettem, licenciada em Economia e Master Trainer de Referência em Agricultura Natural acreditada a nível estatal. É respeitada na sua comunidade pelos conhecimentos agrícolas que lhe permitiram aumentar o rendimento e a saúde da sua família, bem como a qualidade do solo e a biodiversidade. A sua resiliência e capacidade de inovação são, também, agraciadas por este prémio.

Rattan Lal tem contribuído para desenvolver o conhecimento na área da agricultura sustentável e da resiliência climática. Em 2024, foi o cientista de botânica e agronomia mais citado do mundo. Foi distinguido com diversos prémios a nível internacional, incluindo o Japan Prize em 2019, o World Food Prize em 2020, o prémio Padma Shri em 2021 e o Plant Science and Agronomy Leader Award em 2024. O seu percurso de vida, de refugiado a Professor Universitário na Universidade do Estado de Ohio e fundador do Carbon Management & Sequestration Center, é um exemplo claro do poder da resiliência e da superação intelectual.

Em representação da SEKEM, uma plataforma que congrega ONG e empresas que promovem abordagens holísticas no combate às alterações climáticas esteve Helmy Abouleish, diretor-executivo da iniciativa SEKEM no Egito, que promove a transição a transição de uma agricultura tradicional para uma agricultura biodinâmica, envolvendo a gestão sustentável dos recursos hídricos e das energias renováveis, em prol do desenvolvimento comunitário e da educação. E ainda Naglaa Ahmed, Diretora-Executiva de Projetos da Associação Biodinâmica Egípcia (EBDA), a maior associação de agricultores independentes do Egito, que dá apoio na transição de modelos agrícolas convencionais para modelos agrícolas regenerativos. Até à data, a EBDA apoiou mais de 5 000 agricultores e converteu mais de 12.000 hectares de terra. Sob a sua liderança, foram realizados programas de capacitação e vários projetos transformadores com milhares de agricultores, focados nas alterações climáticas e que têm um impacto cada vez mais significativo no aumento do rendimento dos pequenos agricultores.

Um prémio com olhos no futuro

O Prémio Gulbenkian para a Humanidade distingue contribuições excecionais para a ação climática e soluções que inspiram esperança e novas possibilidades, e tornou-se, em pouco tempo – esta é tão-só a quinta edição – um marco internacional, facto que é atestado pelo maior número de sempre de nomeações e distribuição geográfica propostas para o Prémio – 181 candidaturas, de 117 nacionalidades –, avaliadas pelo Júri, presidido por Angela Merkel.

Este é o quinto ano em que o prémio é atribuído. Em 2020, foi a ativista Greta Thunberg a agraciada; em 2021, foi distinguido o Pacto Global de Autarcas para o Clima e a Energia; em 2022, foi atribuído conjuntamente ao Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) e à Plataforma Intergovernamental Científica e Política sobre a Biodiversidade e os Serviços dos Ecossistemas (IPBES); e, em 2023, conjuntamente a Bandi “Apai Janggut”, líder comunitário tradicional da Indonésia, Cécile Bibiane Ndjebet, ativista e agrónoma dos Camarões, e Lélia Wanick Salgado, ambientalista, designer e cenógrafa do Brasil.

Nos últimos cinco anos, o valor do Prémio serviu para ajudar as comunidades que enfrentam os impactos mais graves das alterações climáticas e para alargar o trabalho dos vencedores na sua mitigação, nomeadamente através da recuperação de ecossistemas vitais e do apoio a projetos de transição energética e resiliência climática.

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