O sector nacional do turismo confronta-se com um cenário desolador há meses, a atividade da hotelaria encontra-se no mesmo barco à deriva. O presidente da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, Raúl Martins, avisa, em declarações exclusivas ao Jornal Económico:
“Neste momento, encontram-se encerrados cerca de 80% dos hotéis a nível nacional. Relativamente a situações de insolvência, a hotelaria tem uma dimensão empresarial mais elástica e até ao eclodir da crise pandémica as empresas estavam mais capitalizadas, tinham amortizado dívida nos bons anos e por isso estavam bastantes sólidas. Todavia, os hotéis que abriram recentemente, e aqueles que já estavam numa situação difícil, terão de encontrar soluções de reestruturação financeira para não ficarem insolventes ou encerrarem”
Qual o impacto da Covid-19 na atividade do sector da hotelaria em Portugal em 2020 em comparação com o ano anterior?
A AHP foi desde o início monitorizando o impacto da Covid-19 na hotelaria. Logo em março fizemos um primeiro inquérito do qual resultou que estimávamos perder 7,3 milhões de dormidas e 800 milhões de euros em quatro meses. Em abril prevíamos que 85% dos trabalhadores estivessem em lay-off e que até ao final de junho de 2020 teríamos no mínimo 11,8 milhões de dormidas e 1,28 mil milhões de euros de receitas perdidas. Os meses foram passando e a situação foi-se agravando. Em junho, o inquérito aos hoteleiros dava nota de que metade dos hotéis em Portugal estavam encerrados e para os meses que de verão (julho, agosto e setembro) cerca de 25% a 30% das unidades hoteleiras estariam encerradas, mas este período acabou por ser muito bom para alguns destinos, como é o caso do Alentejo e do Centro.
Qual o impacto destas quebras da hotelaria na economia nacional como um todo?
O peso da hotelaria nas receitas turísticas, é muito expressivo. Tendo por referência 2019, o melhor ano turístico de sempre, em que as receitas turísticas ascenderam a 18,4 mil milhões de euros, e sabendo que as receitas da hotelaria refletem 25% desse total, significa que nesse ano pesámos 4,48 mil milhões de euros. De notar que as receitas não decorrem só das dormidas em hotelaria – nesse ano, tivemos 58 milhões de dormidas nas unidades hoteleiras -, mas de todas as outras unidades de negócio dentro dos hotéis: restauração (F&B – Food & Beverages) [ou seja, alimentação & bebidas]); tratamentos de estética e bem estar; eventos; congressos; reuniões; etc. Assim, porque em 2020 as perdas estimadas pela AHP são enormes – pelo menos 70% das dormidas, menos 40 milhões de noites, e 80% das receitas, menos 3,6 mil milhões de euros perdidos – imagine só na nossa área, só hotelaria, o impacto que tal gera nas receitas totais.
Há cerca de um mês, considerava-se que a Páscoa poderia ser um bom barómetro para a retoma da atividade do sector em Portugal. Com o agravamento dos números de infetados e mortos com Covid-19 em Portugal, a Páscoa ainda pode ser a ’tábua de salvação’ para os empresários do sector ou as melhores hipóteses apontam agora para o verão? Quais são agora as perspetivas de recuperação do sector que antes apontavam para 2023 ou 2024 como horizonte temporal para o ‘breakeven’ das perdas registadas em 2020?
A AHP nunca considerou que a Páscoa seria a ‘tábua de salvação’ para os empresários do sector. Apontámos, isso sim, o segundo trimestre como o início da atividade para a hotelaria. Por um lado, porque a pandemia está obviamente descontrolada, em todo o mundo, por outro, porque se é certo que a vacinação já começou, foi para profissionais de saúde e para grupos de risco que, à partida, não viajam. As pessoas têm muita vontade de viajar, mas é fundamental haver confiança. Ainda assim, num inquérito realizado pela European Travel Commission, no final de 2020, mais de metade dos europeus inquiridos diz pretender viajar nos próximos seis meses, um terço dos quais já na primavera, e principalmente em lazer. Contudo, sabemos que não irá acontecer, pois está dependente da aceleração do processo de vacinação. Mas enfim, retoma e recuperação não são a mesma coisa. As perdas de 2020 e 2021, e não o breakeven – ponto de equilíbrio entre ganhos e perdas – só serão recuperados ao longo dos próximos quatro ou cinco anos.
Quais são os segmentos e as áreas geográficas mais afetados pela pandemia no sector da hotelaria em Portugal?
Todo o país está, agora, a ser severamente afetado. O terceiro trimestre do ano de 2020 permitiu que alguns destinos tivessem uma performance interessante junto do mercado interno, mas foi sol de pouca dura. Mas então, tal como agora, as cidades, como Lisboa e Porto, estão a ter um impacto ainda maior do que o resto do país, com o seu destino quase que 100% ligado aos mercados emissores internacionais e aos segmentos city e short break, negócios e eventos. O Algarve sofre também severo impacto, para mais sem o golfe, fundamental nas épocas média e baixa.
O Eurocontrol prevê quebras de tráfego para 2021 e a retoma do sector da aviação civil apenas para 2024. Tendo em conta que Portugal é um destino em que cerca de 90% dos turistas chegam por via aérea, e que o turismo é determinante para evolução da hotelaria, quais as soluções que preconiza para superar este cenário negativo?
Segundo a OMT [Organização Mundial do Turismo], não atingiremos os movimentos de chegadas de turistas internacionais pré-Covid antes de 2023. Há vários fatores que apontam para isso. Como diz, e bem, Portugal depende em 90% do transporte aéreo. É por isso que apontamos a recuperação da hotelaria para valores de 2019 apenas em 2024. A retoma do nosso sector só começa quando atingirmos, pelo menos 35% de ocupação e, para isso, precisamos de metade dos passageiros que desembarcaram em Portugal em 2019, o que só virá acontecer em 2022.
Qual o balanço que fazem da atuação do Governo durante a pandemia?
Atuou de forma muito rápida e eficiente na 1ª fase da pandemia, o que foi fundamental para as empresas, mas os apoios da 2ª vaga tardaram, o que para a hotelaria foi difícil. Agora, com o novo encerramento do país, as medidas que anunciaram para a hotelaria demostraram um perfeito desconhecimento do sector. Senão repare, os hotéis estão a fazer um verdadeiro serviço público, visto que só as pessoas que por motivos profissionais ou outros similares é que se podem deslocar para os hotéis, é incompreensível que os hotéis não possam prestar serviço de refeições aos hóspedes, como até aqui. Considerando que estão 80% dos hotéis encerrados, a hotelaria tem de ter acesso ao lay-off simplificado, uma vez que permite o pagamento da TSU [Taxa Social Única], o que irá reduzir os custos das empresas e manter os postos de trabalho.
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