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Presidente do SNQTB: “Concentração bancária significa menos concorrência, despedimentos, menos impostos e preços mais altos”

Sobre as negociações salariais com os bancos, onde o SNQTB reivindica um aumento de 2,9%, refere que “em linha geral, os bancos de capital português e centros de decisão em Portugal, têm maior sensibilidade a certos temas”. Já sobre a reforma laboral, alerta que a “reposição do estímulo aos despedimentos tornará a sociedade mais extremada”.
8 Outubro 2025, 07h00

Paulo Gonçalves Marcos, é presidente do Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos e Bancários (SNQTB) desde 2016. É quadro do Novobanco, recém vendido ao BPCE. Em entrevista ao Jornal Económico, a propósito da rubrica semanal “Decisor da Semana”, fala no anteprojeto da reforma laboral, da qual é um crítico sobretudo porque considera que a “reposição do estímulo aos despedimentos e de destruição da classe média levará ao enfraquecimento da moderação, do respeito pelas diferenças e tornará a sociedade mais polarizada e mais extremada politicamente”.

Sobre as negociações salariais com os bancos, onde o SNQTB reivindica um aumento de 2,9%, refere que “em linha geral, os bancos de capital português e centros de decisão em Portugal, têm maior sensibilidade a certos temas”.

Já no que toca à consolidação bancária, diz que apenas beneficia os acionistas, já que” significa menos concorrência, despedimentos, menor arrecadação de impostos e preços mais altos”.

Destaca-se ainda o que refere sobre a União da Poupança e Investimento, acusando Bruxelas de “discurso hipócrita de quem não tem coragem de contar aos europeus que a Defesa, preventiva e dissuasora, custa dinheiro e implica escolha no curto-prazo”.

Desde que chegou ao SNQTB, o Sindicato cresceu, ganhou relevância. O que é hoje o SNQTB? Qual o papel na economia, na sociedade, na política?

O SNQTB é hoje o maior sindicato de trabalhadores no ativo em Portugal e uma organização da sociedade civil que procura valorizar as carreiras e os salários dos trabalhadores do sector bancário. Fazemos também parte de uma tradição secular de participação cívica e de cidadania. E como tal, temos um serviço de assistência médica-social (SNQTB Saúde), instituímos há quase vinte anos uma Fundação com relevante atividade de solidariedade e promoção de igualdade de oportunidades. Obviamente que temos e somos voz ativa em tudo o que diz respeito à legislação e regulação sobre o trabalho. O que nos distingue de outros é que somos independentes de qualquer poder político, económico, confessional ou quaisquer outros. Respondemos apenas a nossas sócios e beneficiários.

O SNQTB Saúde é um dos maiores operadores “privados” em Portugal… quer dar detalhes e dizer como chegaram até aqui?

Em bom rigor somos um operador mutualista, onde os nossos sócios e seus familiares diretos são acolhidos. Negociamos, contratualizamos e gerimos a relação de nossos beneficiários com uma rede de mais de 3.200 prestadores de cuidados médicos. Como uma capilaridade que não tem paralelo em nenhuma outra organização de base mutualista na saúde. Tem sido um processo de crescimento orgânico, acompanhando o crescimento de nosso sindicato ao longo destes mais de quarenta anos. Como operador mutualista e complementar ao SNS temos valores e princípios de gestão que enfatizam o longo prazo e a prevenção e prestação de cuidados de saúde ao longo da vida toda. Sem pré-existências, períodos de carência ou preços diferenciados consoante alguma característica ou atributo de nossos beneficiários.

O Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários não se conforma com o aumento proposto pela banca, de 2,5%, aceite por outros sindicatos, e reivindica um aumento de 2,9%. Acha que a banca vai ceder?

Alguém disse a propósito da revolução francesa que não há nada mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou. Na negociação coletiva, no sector da banca, há uma realidade insofismável e que obriga a um esforço de convergência: as mesmas funções, o mesmo desempenho, nas mesmas empresas multinacionais do sector financeiro, têm salários em Portugal que são, em paridades dos poderes de compra, de 50% a 60% dos verificados nos países de origem desses bancos. O que é injusto.

Vai pedir a mediação do Governo na negociação dos aumentos salariais com a banca. Qual é a expetativa que tem?

Existem um conjunto de mecanismos na lei, previstos para ultrapassar impasses negociais. Mormente através da DGERT – Direção Geral do Emprego e das Relações Laborais. Infelizmente o histórico do desempenho da DGERT tem sido pouco eficiente para os trabalhadores. O que envergonha a cidadania. Vamos ver se o novo governo quer efetivamente promover a melhoria das condições salariais dos trabalhadores portugueses, mormente da classe média, ou se pelo contrário, teremos mais do mesmo: aumento para os salários mínimos, estagnação para os restantes. A independência e o magistério de influência da DGERT podem ser decisivas no desiderato de melhorar a contratação coletiva e as condições de vida da classe média portuguesa.

Há bancos mais fáceis que outros nas negociações?

Nunca temos facilidades, em sentido literal. Geralmente temos interlocutores profissionais, mas a mais das vezes sem mandato para repartir de forma mais justa os ganhos de produtividade de sector ou para convergir com os salários, em posições equivalentes, nos bancos em Espanha ou França. Mas em linha geral, os bancos de capital português e centros de decisão em Portugal, têm maior sensibilidade a certos temas.

O Governo aprovou o anteprojeto de reforma da legislação laboral, invocando quatro objetivos principais: Modernizar o Código do Trabalho e adaptar a lei à nova realidade económica e digital; Valorizar o mérito, o emprego jovem e as novas formas de trabalho; Dinamizar a negociação coletiva e responder aos pedidos dos parceiros sociais; e Garantir serviços mínimos em setores essenciais, mesmo em situação de greve. Em causa está a revisão de “mais de uma centena” de artigos do Código de Trabalho, para flexibilizar o mercado laboral. Como vê o SNQTB este anteprojeto?

O SNQTB está integrado na União dos Sindicatos Independentes (USI) – Confederação Sindical, que ao longo de mais de vinte anos tem adoptado uma postura reformista e de valorização da aprendizagem e do mérito. Dito isto, vemos muitos aspectos positivos no anteprojeto governamental mas também outros preocupantes, que não queremos acreditar que relevem de uma agenda mas tão e somente no facto de os parceiros sociais relevantes (e não a “brigada do reumático” herdeira do 11 de Março de 1975) não terem sido consultados ou envolvidos. Este envolvimento teria possibilitado que o anteprojeto Trabalho XXI pudesse ser usado para aquilo que tem que ser o propósito estratégico de qualquer reforma laboral: melhorar as remunerações médias dos trabalhadores, premiar o mérito e o esforço, valorizar as práticas remuneratórias mais ambiciosas.

 O SNQTB falou com o Ministério do Trabalho a manifestar as suas preocupações? Os bancários foram ouvidos antes deste anteprojeto?

O SNQTB, enquanto maior sindicato de trabalhadores no ativo em Portugal, não foi ouvido. A União dos Sindicatos Independentes também não o foi.

Que pontos da proposta do Governo são mais críticos? Há pontos positivos no pacote laboral? Ou é tudo negativo?

Há pontos positivos e pontos negativos. Nos aspectos positivos, sem ser exaustivo: a possibilidade de aquisição de dois dias adicionais de férias; uma melhor definição de conceitos como de Comissão de Serviço ou Teletrabalho; o alargamento de quotas para pessoas com deficiência; a maior facilidade na contratação de desempregados de longa duração ou de reformados. Sem esquecer a actualização, muito necessária, do regime de presunção contratual das novas formas de trabalho digital. Adicionalmente este anteprojeto tem um rigor semântico e uma técnica jurídica apurada, o que nos apraz registar.

O principal ponto negativo é que esta reforma não permite atingir aqueles que deveriam ser os desideratos de qualquer reforma laboral: elevar o nível médio das remunerações dos trabalhadores e premiar e incentivar as empresas com políticas remuneratórias mais ambiciosas. Os salários continuarão a não convergir com os dos nossos principais parceiros comerciais.

Como corolário disto tudo, a tentativa de eliminar o artigo 338.º-A (ao proibir a terceirização de serviços que tenham sido desempenhados por trabalhadores alvo de despedimento nos 12 meses anteriores) vem estimular as grandes empresas internacionais (que dominam amplos sectores em Portugal) a despedir trabalhadores qualificados, mais bem remunerados, menos jovens, com mais experiência, e a substituírem-nos por uma legião de trabalhadores subcontratados em empresas de trabalho temporário ou por trabalhadores em geografias sem direitos laborais mínimos.

Este processo de reposição do estímulo aos despedimentos e de destruição da classe média levará ao enfraquecimento da moderação, do respeito pelas diferenças e tornará a sociedade mais polarizada e mais extremada politicamente. Era difícil ter uma só medida mais nefasta para aquilo que entendemos ser o consenso social em Portugal.

Acredita que e flexibilização do mercado laboral, vai aumentar a produtividade das empresas, como defende o Governo?

A produtividade, medida pelo rácio produto/trabalho, vai decerto aumentar, embora de forma não significativa. Infelizmente nada neste anteprojeto induzirá a uma melhor repartição dos ganhos desse acréscimo, entre trabalhadores e empresas. Vamos continuar a manter um padrão de repartição do rendimento mais semelhante a economias subdesenvolvidas de que das economias dos nossos parceiros europeus.

Como vê o impacto da IA no setor bancário? É uma preocupação para os sindicatos da banca?

A Inteligência Artificial não retira relevância aos bancários; obriga, isso sim, a reforçar a sua voz coletiva para garantir que a transição tecnológica não se faz à custa dos trabalhadores. É uma ferramenta criada por pessoas, com riscos concretos e benefícios potenciais. Como habitualmente, o sector financeiro estará na linha da frente tecnológica.

Disse recentemente, a propósito da intervenção do novo Governador do Banco de Portugal, que o mercado não precisa de mais consolidação. Mas isso não vai em contramão com o que defende o BCE, Mário Draghi, etc?

O mercado dos serviços financeiros precisa de concorrência na remuneração dos depósitos, qualidade na prestação dos serviços financeiros, adequados níveis de remuneração e formação dos trabalhadores que nele operam. E de operadores com perspectiva de longo prazo, visando satisfazer as necessidades da sociedade como um todo, e não apenas a valorização bolsista (ou os níveis de dividendos). A concentração, consolidação ou qualquer outro sinónimo, responde apenas à maximização de retorno acionista. Mas significa menos concorrência, despedimentos, menor arrecadação de impostos, preços mais alto….Tudo aquilo que como sociedade deveremos rejeitar…

O que lhe pareceu a venda do Novobanco ao grupo BPCE? Já conheceu o banco francês?

Como o SNQTB disse na altura da resolução do BES, teríamos preferido que o banco tivesse sido nacionalizado, e após a sua recuperação deveria ter sido vendido, paulatinamente, em bolsa, com condições preferenciais para os clientes e trabalhadores. Desta forma teríamos maximizado o retorno aos contribuintes e preservado mais e melhor emprego no sector bancário (e nas empresas clientes do antigo BES). Infelizmente não foi essa a opção do poder político, decerto muito condicionado por Bruxelas. O Governador do Banco de Portugal não teve capacidade ou vontade de se opor a que o País fosse usado como cobaia da novíssima resolução bancária europeia…

Dito isto, e sem qualquer familiaridade com o processo de venda recente, parece-nos que de entre as opções aventadas pela imprensa, a venda a um operador internacional sem operações relevantes em Portugal ou sem sobreposição de linhas de negócio, foi o que melhor protegeu o emprego, a concorrência no mercado e a paz social.

Como é que os sindicatos da banca lidam com existência de cada vez mais concorrentes dos bancos, como o neobancos, e o shadow banks?

Com um elevado nível de exigência sobre os reguladores que deverão ser mais assertivos quanto á transparência destes operadores, quanto ao risco sistémico que introduzem, quanto ao desprezo que devotam a sectores e a regiões inteiras. Em bom rigor, quem não cria emprego, não paga impostos e despreza o longo-prazo, não deveria poder usar a denominação “banco” nem ter acesso aos mercados em que se cria massa monetária ou se fazem os pagamentos internacionais.

Recentemente um ex-administrador de um banco disse que o único banco verdadeiramente pan-europeu é a Revolut. Que comentário lhe merece este comentário?

Não existem cidadãos pan-europeus…nem língua…nem império…a Europa é um espaço de diversidade e concorrência. O euro, a liberdade de circulação de pessoas, bens e capitais, os fundos de coesão, políticas comum e dissuasora de defesa ou de imigração, é o que a Europa precisa. É aqui que os esforços dos burocratas e decisores políticos europeus devem estar focados. Não em destruir sectores económicos vitais ao emprego, em nome de um qualquer modernismo bacoco…Sob o risco de os “private equities” norte-americanos e os subsídios estatais chineses nos levarem de volta a um mundo triste, pobre e subserviente…

Sobre a União da Poupança e Investimento, concorda que os bancos devem ajudar a dinamizar o investimento bolsista na Europa? Ou vê nisto apenas uma narrativa para convencer os europeus a usarem os depósitos para financiarem a defesa?

Vejo nisso um discurso hipócrita de quem não tem coragem de contar aos europeus que a Defesa, preventiva e dissuasora, custa dinheiro e implica escolha no curto-prazo.

Em que citação se revê?

“Vou devagar, porque tenho pressa”.

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