A história recente da TAP, marcada por avanços, recuos e turbulência política, impõe uma reflexão serena e estratégica sobre o futuro da companhia aérea nacional. A privatização de 2015, conduzida sob forte pressão financeira e política, gerou impactos imediatos significativos, mas também revelou erros que Portugal não pode repetir. Hoje, à luz da experiência europeia, há lições concretas a retirar para garantir que a eventual alienação de capital público não signifique a perda de controlo estratégico nem o enfraquecimento de um ativo essencial para a coesão e competitividade nacional.
Impactos imediatos da privatização de 2015
A entrada do consórcio privado Atlantic Gateway trouxe, de facto, mudanças operacionais importantes. A renovação da frota — com encomendas de Airbus A330neo e A321LR — modernizou a capacidade de longo curso, enquanto a expansão das rotas reforçou a presença atlântica da TAP, sobretudo nos EUA, Canadá e Brasil. Ao nível do serviço, foram implementadas melhorias visíveis, num esforço de reposicionamento da marca. No entanto, estes avanços foram acompanhados por instabilidade laboral, restrições financeiras e decisões de gestão contestadas, demonstrando que a privatização não foi acompanhada da robustez institucional necessária.
Os erros estratégicos de um processo apressado
A falta de consenso político foi um dos principais erros, na minha opinião a privatização ocorreu
num contexto de mudança de governo, sem debate público alargado nem mecanismos de salvaguarda eficazes. O Estado perdeu o controlo acionista e estratégico da companhia, sem assegurar contrapartidas adequadas ou direitos especiais de intervenção. Acresce que o plano de negócios apresentado pelos novos acionistas privados assentava em pressupostos financeiros demasiado otimistas, colocando a sustentabilidade da operação em risco no médio prazo.
Modelos alternativos: o que fizeram Lufthansa, Air France e Alitalia? A experiência europeia oferece modelos contrastantes.
A Lufthansa foi privatizada de forma gradual, mantendo o Estado alemão direitos de veto temporários e garantindo uma transição ordenada e eficaz, no que concerne à Air France, por sua vez, manteve o Estado francês como acionista minoritário durante vários anos, assegurando influência estratégica e apoio em momentos críticos, como durante a pandemia, já no caso da Alitalia, ao contrário, seguiu uma trajetória errática com custos elevados para a atratividade da companhia, com tentativas de privatização fracassadas, renacionalizações parciais e um processo contínuo de instabilidade institucional, servindo de alerta, principalmente, para os riscos da ausência de visão estratégica.
A importância da gestão das relações laborais
Todos estes processos demonstram que o diálogo com os sindicatos e a proteção dos trabalhadores são condições essenciais para uma privatização bem-sucedida. Enquanto a Lufthansa e a Air France implementaram medidas de compensação, reformas antecipadas e acordos coletivos adaptados, a Alitalia falhou nesse aspeto, enfrentando greves prolongadas e resistência generalizada, o que acabou por fragilizar ainda mais a empresa.
Cinco lições concretas para Portugal
Portugal deve, por isso, aprender com o que funcionou — e com o que falhou — noutras geografias. É de facto fundamental garantir transparência e consenso político em todo o processo. O Estado deve manter mecanismos de controlo estratégico, seja através de uma participação minoritária com direitos especiais, seja por cláusulas contratuais bem definidas.
Deste modo, deve haver um modelo de transição gradual, que não coloque em causa a estabilidade da companhia, pelo que é essencial assegurar estabilidade laboral, com medidas negociadas com os sindicatos. Por fim, o processo deve estar alinhado com uma visão de longo prazo, que reforce a sustentabilidade económica, ambiental e territorial da TAP como operadora de bandeira e ativo estratégico nacional.
Portugal não precisa apenas de privatizar — precisa de privatizar com inteligência, com estratégia e com responsabilidade. O futuro da TAP e da aviação nacional depende disso.