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Proposta para regular ‘lobbying’ “pior do que regulação nenhuma”

Presidente da TIAC diz que o texto aprovado na Comissão para a Transparência é só um “mal menor”. Proposta foi modificada para incluir obrigatoriedade de divulgar clientes representados por “lobistas”.
4 Maio 2019, 11h00

A 26 de março, após cerca de três anos de negociações, a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas aprovou uma proposta de regulação do “lobbying” que foi alvo de críticas generalizadas, na medida em que não obrigava os agentes lobistas a divulgar os respetivos clientes. Ou seja, um lobista poderia reunir-se com deputados ou governantes e não ficar registado que interesses estava a representar nessas audiências. Duas semanas mais tarde, porém, houve um recuo, com o PS a apresentar uma emenda visando a divulgação obrigatória dos clientes.

Para João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade – Associação Cívica (TIAC), “a última versão conhecida da proposta de regulação do ‘lobbying’ na Comissão para a Transparência pode, com alguma generosidade, ser vista como um avanço em relação a versões anteriores. Mais propriamente, é antes um recuo no retrocesso. Infelizmente, o resultado final de três anos de trabalho da Comissão para a Transparência resume-se a uma tentativa de evitar o mal maior. De tudo o que está em preparação, há poucos avanços, vários retrocessos e nada de verdadeiramente reformador”.

Foi, segundo João Paulo Batalha, o que se passou no ‘lobbying’: “Depois de uma versão aterradora, que permitia uma mancha total de opacidade na atuação dos representantes de interesses, que não teriam sequer de reportar quem representam, chega-se a uma proposta meramente preocupante. Mas continua a ser um recuo face à situação atual. E sendo a situação atual de vazio regulatório, não deixa de ser uma proeza termos uma regulação que é pior do que regulação nenhuma”.

“A forma como a legislação foi discutida na Comissão para a Transparência revela que não se tinha, à partida, uma ideia clara dos problemas que se pretendia resolver. Avançou-se basicamente para a regulação de uma profissão – a representação profissional de interesses – sem se perceber que o problema de fundo não é a falta de regulação de um setor que, na verdade, é muito incipiente no contexto português”, lamenta. “O problema de fundo é que temos um processo decisório, regulatório e legislativo muito opaco, mau a prestar contas e pior ainda na responsabilização dos decisores. Essa opacidade permite a infiltração de grupos de interesses que, muitas vezes, não precisam da assessoria de profissionais da representação. A regulação do ‘lobbying’ deveria servir, antes de tudo, para aumentar a transparência dos processos decisórios e para alargar as oportunidades de participação. Ao tornar os processos mais transparentes, ao aproximá-los dos cidadãos e dos grupos de interesses, estaria a promover-se a abertura e a equidade de acesso. Estaríamos a garantir decisões públicas mais participadas e uma democracia em que mais vozes seriam ouvidas. Não foi isto que se procurou”.

O presidente da TIAC diz que “sobrou uma regulação dos representantes profissionais de interesses, que cria um registo de lobistas”, recuando-se na ideia de que os lobistas não teriam sequer de listar os seus principais clientes ou dizer quem representam quando reúnem com decisores públicos. “Esse recuo, que resultou da pressão da opinião pública, foi obviamente positivo. A publicação das audiências que sejam concedidas aos lobistas é outro passo positivo. Mas estes avanços ficarão sob ameaça permanente por causa de outra norma da mesma lei que dá aos deputados a faculdade de, sem especial justificação, invocarem a confidencialidade do processo legislativo e esconderem-se atrás dela para não revelar nenhuma das reuniões ou contributos dos grupos de interesses. É um retrocesso claro em relação às obrigações de transparência que já hoje existem e mostra que o instinto da Comissão é fazer o mínimo de avanços possível. E poder revogá-los a qualquer momento”.

“É surpreendente o aspecto apressado e hesitante que esta legislação toma, ao cabo de tanto tempo que tiveram para estudar, ouvir, aprender, formular as questões certas e perceber os problemas que havia para resolver. A Comissão trabalhou com mau método e pior vontade. No ‘lobbying’, como nas outras questões, os avanços medir-se-ão em centímetros. Para um trabalho que consumiu toda a legislatura, é pouco. Não haverá um antes e um depois da Comissão para a Transparência no que toca à integridade das instituições democráticas e resgate da confiança dos cidadãos”, conclui.

Artigo publicado na edição nº 1985 de 18 de abril do Jornal Económico

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