Qual o poder e o impacto de uma manifestação nacional?
As manifestações e formas de protesto em geral não podem desligar-se dos ciclos políticos. E quando há coincidência entre ciclos políticos e adversidade económica – como sucedeu durante a troïka – não surpreende um crescimento do volume de protestos. Em contexto de crise as razões para protestar são maiores em resultado de sacríficos impostos, retirada de direitos e retrocessos vários. Porém, as manifestações não deixam de fazer sentido mesmo quando o contexto político (como o atual) é mais convergente ideologicamente com as principais estruturas sindicais portuguesas (CGTP e UGT).
Nem tão pouco se esfumam perante cenários económicos mais promissores como o atual. Creio que o clima de otimismo em redor da economia poderá mesmo ser capitalizado pelas organizações sindicais no sentido de clamarem por mais justiça social e melhor redistribuição do sucesso económico. A ideia de “valorizar o trabalho e os trabalhadores”, não sendo nova no discurso da CGTP, vai nesse sentido. E apoia-se num discurso que faz apelo à necessidade de intensificação da luta e da busca por resultados mais concretos que vão além da restituição salarial aos funcionários públicos, reposição de feriados, entre outros, que marcaram a mudança de ciclo político e o início da governação socialista.
Um protesto deste tipo enfraquece o poder político?
Qualquer protesto é um elemento de pressão a que qualquer Governo está sujeito. É a democracia a funcionar. Não se tratará de um enfraquecimento do poder político, mas antes de um teste à sua capacidade de reação perante uma pressão (a das ruas) a que não tem estado habituado. Digamos que esta manifestação (e outras greves recentes) funciona como elemento de pressão social “externa”, complementar à pressão política “interna” que PCP e BE exercem sobre a governação socialista. E o desafio é um pouco o de perceber se o legítimo discurso político de recuperação económica tem tradução no plano social.
E tem resultados efetivos para os trabalhadores?
O impacto tende a ser medido em função do número trabalhadores mobilizados. Os resultados, por sua vez, podem não ter uma tradução imediata e ser mais dilatados temporalmente. Se se assumirem compromissos de encontros entre representantes governamentais e sindicais para debater agendas reivindicativas que possam vir a traduzir-se numa redução de injustiças e num valorizar do fator trabalho (muito penalizado durante a austeridade) já será, em si mesmo, um passo para algo de melhor. Por exemplo, o combate à precarização do trabalho faz parte de um processo, composto por etapas, que levam o seu tempo. Mas é claro que as organizações sindicais (talvez porque mais atentas aos problemas do dia a dia do mercado de trabalho) são mais ávidas de resultados imediatos do que os governos (estando estes porventura mais condicionados pelos timings dos ciclos políticos).
A UGT é mais pacífica no que toca a manifestações e greves?
Durante a austeridade, em especial na sequência da mudança de liderança, em 2013, a UGT envolveu-se em processos de conflito (participou em três greves gerais conjuntas com a CGTP). Porém, a matriz ideológica fundadora da UGT remete-a mais para o campo da negociação, sendo o conflito relegado para segundo plano. Digamos que procura tirar dividendos para os trabalhadores apostando preferencialmente no diálogo e na concertação social. O que é tão legítimo como valorizar o conflito. Ou não fosse o consenso e o conflito duas faces da mesma moeda. Mas no caso da UGT, ante um Governo socialista (por sinal da cor política da maior parte dos seus associados e que ainda por cima tem somado resultados positivos do ponto de vista da recuperação económica) é adivinhável que continue a fazer jus, como até aqui, a um sindicalismo de negociação.
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