A Provedoria da Justiça considera que a operação policial na rua do Benformoso, em Lisboa, realizada em dezembro do ano passado, teve “falhas graves” no que diz respeito à sua planificação, designadamente “quanto à previsão de necessidade de realização de revistas pessoais e a sua justificação”, lê-se no ofício enviado ao Diretor Nacional da PSP, no qual são feitas recomendações.
Assinalando que a operação em causa se enquadrou na legislação existente (na Lei das Armas e na Lei Quadro da Política Criminal) e cumpriu os requisitos e formalidades, nomeadamente na comunicação ao Ministério Público e especificação da respetiva delimitação geográfica e temporal, o provedor adjunto Rui Afonso Pereira sugeriu à PSP “a melhoria das práticas na planificação de operações policiais, por forma a garantir a previsibilidade, racionalidade e proporcionalidade da atuação policial”.
As revistas feitas no decorrer dessa operação, e que se tornaram polémicas no plano político e não só, são o principal alvo de críticas da Provedoria. Escreve o provedor adjunto que estas foram feitas de forma “intrusiva” e “prolongada”, sem respeitar a norma que as regem (a Norma de Execução Permanente), e “sem que a excecionalidade que pudesse justificar esse desvio se encontre devidamente fundamentada”.
O que o leva a assinalar ser “fundamental uma preocupação acrescida quanto à ponderação e fundamentação prévias relativamente à necessidade e meios a adotar na realização de revistas pessoais, nomeadamente em vista de uma concreta operação especial de prevenção criminal”.
Notando que em causa parecem ter estado revistas sumárias de segurança (um dos seis tipos de revista existentes), a Provedoria assinala que estas devem obedecer a vários pressupostos, tais como: “suspeitas/indícios de que a pessoa tem na sua posse substâncias/objetos suscetíveis de originar atos de violência e danos a polícias, a si mesmos, ou a terceiros; para garantir a segurança da polícia, do visado ou de terceiros; para garantir que é segura a passagem/acesso/permanência de determinada pessoa em local aberto ao público (…)”.
Pressupostos estes que a Provedoria considera que não terão sido cumpridos na operação realizada no Benformoso na qual foram identificadas 73 pessoas, detidas duas e apreendidas nove armas brancas. “Não é possível concluir sobre o (s) exato (os) pressupostos que a PSP considerou verificado (s) para a realização de revistas pessoais na operação de 19 de dezembro de 2024, tendo por referente o que a NEP concretiza a esse respeito, ou seja, as próprias normas que essa força de segurança para si mesmo corporizou e às quais se autovinculou”. “Esta é uma falha crítica”, sublinha mesmo a Provedoria de Justiça, “porque desvaloriza as garantias adequadas contra a arbitrariedade e o abuso de poder que a existência de regras e procedimentos predefinidos visa justamente acautelar”.
Por outro lado, à exceção de situações de identificação no âmbito de mandados de busca a estabelecimentos comerciais, da documentação enviada à Provedoria da Justiça “não existe nenhum elemento” do qual seja possível retirar que “aos visados tenha sido comunicado o motivo pelo qual estavam a ser identificados e revistados durante a operação”, quando a norma determina que a realização de revistas deve ser precedida de comunicação à pessoa revistada sobre o fundamento legal para tal.
A estas críticas o provedor adjunto junta outras: “É pressuposto deste tipo de revista a sua realização em local resguardado, sempre que possível (e desde que garantidas as condições de segurança de quem as realiza), sendo dever dos elementos policiais garantir o pudor e dignidade pessoal dos visados.” No caso concreto da operação no Martim Moniz, “não só as revistas foram realizadas na rua, ficando as pessoas perfiladas contra a parede e de braços erguidos”, como também “foi chamada, pela PSP, a comunicação social”.
No ofício enviado ao Diretor Nacional da PSP Rui Afonso Pereira frisa que no âmbito de uma operação policial “é exigida a interiorização forte de uma cultura de direitos humanos, com especial atenção aos membros mais vulneráveis de uma comunidade, designadamente pessoas migrantes”. Neste domínio, pode ler-se, “as boas práticas incluem atuação colaborativa, comunicação e escuta efetivas, responsabilidade, abertura e transparência, tratamento do cidadão com respeito e atuação com integridade e empatia”.
Tendo em vista operações policiais futuras, nomeadamente operações especiais de prevenção criminal como aquele que ocorreu em Lisboa em dezembro de 202, a Provedoria recomenda que, na sua planificação, “se proceda a uma avaliação prévia de impacto, com especial incidência no prisma dos direitos humanos”.
A Provedoria da Justiça, que se encontra sem provedor depois da saída de Maria Lúcia Amaral para o Ministério da Administração Interna, recomenda ainda à PSP que “reforce a divulgação dos procedimentos de revista junto dos elementos policiais em contexto de ação de formação”.
A operação policial no Martim Moniz suscitou duras críticas por parte da oposição, sobretudo pela forma como foi feita a revista das pessoas. Já Luís Montenegro, primeiro-ministro, disse ter ficado “atónito e perplexo” com a reação da esquerda perante a ação de natureza preventiva e policial. “A segurança não é de esquerda nem de direita”, argumentou, na altura, defendendo que operações de grande aparato como aquela fazem parte da estratégia do Governo para criar “visibilidade e proximidade” no policiamento e para aumentar a sensação de tranquilidade dos cidadãos portugueses.
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