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PSD desafia ‘lobby’ dos empreiteiros na adjudicação de obras públicas

Esta sexta-feira, 12 de abril, a Autoridade da Concorrência multou a Mota-Engil em mais de 900 mil euros por participação num cartel que incidiu sobre concursos públicos de manutenção ferroviária. Em março ficou decidido que a AdC vai ser ouvida no Parlamento, a pedido do PSD, para explicar se tem feito tudo o que está ao seu alcance para controlar a concertação nos concursos públicos.
13 Abril 2019, 11h00

“Uma iniciativa arrojada”. Foi assim que o Bloco de Esquerda se referiu ao requerimento apresentado pelo PSD para ouvir, na Assembleia da República, a Autoridade da Concorrência (AdC) sobre a alegada atuação em cartel de cinco construtoras em concursos públicos. Os sociais-democratas querem perceber se o regulador tem cumprido todos os mecanismos legais para controlar o lobby das grandes empresas nas obras públicas e esclarecer porque é que empresas que já foram condenadas por lesarem o Estado em milhões de euros continuam a poder concorrer a novos concursos públicos.

O requerimento apresentado pela bancada social-democrata foi aprovado por unanimidade esta quarta-feira na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas. A iniciativa de chamar a AdC para prestar declarações no Parlamento surge depois de o regulador ter acusado, em setembro, a Mota-Engil, Comsa, Somague, Teixeira Duarte e Vossloh de dividirem entre si os lotes de concursos públicos, em acordo restritivo da concorrência. A acusação diz respeito a concursos lançados pela empresa pública Infraestruturas de Portugal (IP), entre 2014 e 2015, para a prestação de serviços de manutenção de equipamentos da rede ferroviária nacional, como cancelas, agulhas e semáforos.

“Estamos a falar de casos em que as empresas manipulam preços deliberadamente e em clara ilegalidade para prestarem serviço público. O que pretendemos é que casos como este, que está a ser investigado pela AdC, não se repitam e para isso queremos perceber se a entidade contratante está a cumprir todos os meios e mecanismos previstos na lei”, explica ao Jornal Económico o deputado social-democrata António Costa Silva, autor do requerimento apresentado. “Queremos evitar o passado pouco feliz para Portugal, cujos processos  ainda correm nos tribunais e levaram o país à bancarrota”.

A construtora espanhola Sacyr assumiu, após a abertura da investigação da AdC, que atuou em cartel em vários concursos públicos, tendo a empresa e o seu diretor-geral de produção sido condenados ao pagamento de uma coima de 365.400 euros. O PSD lembra que a atuação em cartel não se pode fazer de forma isolada e que, por isso, há outras entidades que  terão também participado neste cartel e que, até agora, não reconheceram responsabilidade nas infrações cometidas. “A cartelização é uma infração em que as empresas manipulam os preços dos contratos públicos lesando não só a entidade contratante como os contribuintes portugueses”, sublinha  António Costa Silva.

Os sociais-democratas questionam ainda a estranheza da AdC ao perceber que as mesmas empresas que estão a ser investigadas estão agora a concorrer à atribuição de empreitadas para a construção da Linha Ferroviária de Évora. Uma parte da obra, que foi dividida em três partes, foi adjudicada à Mota-Engil. Já a Sacyr – condenada pela AdC por participação em cartel – é a construtora que está na liderança de um segundo troço. O PSD recorda que a Lei da Concorrência permite ao regulador aplicar a sanção acessória de privação do direito de participação noutros concursos públicos até dois anos, mas a AdC terá optado apenas pela condenação da Sacyr ao pagamento de uma multa. “Esta condenação é manifestamente insuficiente”, defende o deputado do PSD.

Contactada pelo Jornal Económico, fonte da AdC justifica a decisão de não avançar com a aplicação de uma sanção acessória porque “a participação da empresa e o nível de ilícito que foi praticado não a justificavam”. A AdC diz ainda que o caso está ainda sob investigação e que a aplicação de uma sanção acessória é ainda uma hipótese para as restantes acusadas. O regulador frisa ainda que “sempre que é detetada cartelizador em qualquer setor é punida”.

Surpresa à esquerda
Apesar de o requerimento do PSD ter sido aprovado por unanimidade, não deixou de causar estranheza. Na hora das votações, o deputado bloquista Heitor de Sousa elogiou o PSD, que historicamente é conotado com a defesa do patronato, por ter assumido a dianteira no combate aos cartéis nas obras públicas. Costa Silva diz que o reparo foi um “perfeito disparate” e sublinha que a prioridade do PSD é a legalidade. “Sempre que há situações de aparente falta de transparência em empresas públicas ou no Governo, cabe-nos a nós, enquanto deputados, fiscalizar e zelar pelas boas práticas”, explica.

Segundo a AdC, ao longo dos últimos cinco anos houve 16 decisões de condenação por cartelização, que resultaram no pagamento de coimas no valor de 12 milhões de euros.

Artigo publicado originalmente na edição impressa do Jornal Económico nº1980, em 15 de março.

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