A confusão a que assistimos esta semana no Parlamento, a propósito da eleição do presidente da Assembleia da República, permite-nos antever como será o resto da legislatura. Só um entendimento entre o PSD e o PS em matérias de regime poderá impedir que o país viva em instabilidade permanente. A dificuldade é fazer isso sem cair num sistema de bloco central, que transformaria o Chega no principal partido da oposição.

Tal como vários analistas têm assinalado, o sistema político português tem agora três grandes forças, nomeadamente o PSD (ou a AD, se preferirmos), o PS e o Chega. Ainda é cedo para perceber qual será a sustentabilidade futura do Chega, mas parece certo que o movimento de Ventura ocupou o espaço mais à direita do espectro político e procura, cada vez mais, não ser apenas um partido de protesto. Por sua vez, o PSD de Montenegro tenta estabelecer-se como o grande partido do centro, capaz de ir buscar votos ao espaço compreendido entre o centro-esquerda e o centro-direita, enquanto o PS de Pedro Nuno é o grande partido da esquerda.

A grande novidade, para além da ascensão do Chega e do reduzido peso eleitoral dos partidos mais à esquerda, é o facto de o PSD estar em vias de assumir um papel que durante décadas foi desempenhado pelo PS, tornando-se o partido charneira entre esquerda e direita, com o qual todas as outras forças políticas terão de chegar a entendimento. Mas a posição do PSD não é fácil. O partido trava uma luta pela sobrevivência e só conseguirá manter esta posição central se, por um lado, resistir ao “abraço de urso” do Chega e, por outro, se o PS ficar encostado à esquerda. Algo que os socialistas tentarão evitar a todo o custo, porque também sabem que as eleições (ainda) se vencem ao centro.

Como assegurar a estabilidade política nesta conjuntura? A única solução passa por um entendimento entre o PSD e o PS que permita que o Governo possa manter-se em funções durante pelo menos metade da legislatura, o que, na prática, significa o PS abster-se na votação do Orçamento de 2025. Os dois partidos deviam começar por clarificar em que assuntos estão de acordo e se tal será suficiente para viabilizar o OE. Na verdade, basta dizerem que concordam em pontos como a descida dos impostos e o investimento no SNS, na educação e outros serviços públicos.

Esta estratégia tem muitos riscos, como se viu pelas experiências dos “cordões sanitários” em vários países, mas a alternativa será o caos e a maioria dos portugueses não deseja isso. É preferível um entendimento entre os dois grandes partidos democráticos (158 deputados em 230), que assegure um mínimo de estabilidade, do que viver num tumulto permanente, que dará ainda mais força a quem promete meter o país na ordem e acabar com os “tachos” (dos outros, entenda-se), gerando ainda mais instabilidade.

Para tal ser possível, o PSD terá de permanecer fiel ao “não é não”. E o PS terá de colocar o interesse do país à frente do seu, deixando de utilizar o fantasma do Chega para garantir votos no eleitorado “móvel” moderado, que receia um acordo do PSD com Ventura, como se viu na conquista da maioria absoluta de Costa. Estarão ambos à altura?