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Quando António Horta Osório tentou salvar o Credit Suisse

Foi numa tentativa do banco suíço de se curar dos erros de gestão, cujos os mais mediáticos foram os escândalos do colapso do hedge fund Archegos e da falência do fundo de investimento Greensill Capital, que convidam o “Ronaldo da banca” para chairman do banco em 2021. Mas a sua passagem pela administração do gigante suíço não durou mais de nove meses. Veja os escândalos ao longo da história que afundaram o banco de 167 anos.
23 Março 2023, 22h00

No dia 1 de dezembro de 2020 era notícia que António Horta Osório ia ser Presidente do Conselho de Administração do Credit Suisse, o que acabou por acontecer em maio, quando foi eleito em Assembleia Geral. Era a derradeira tentativa de salvar a reputação do Credit Suisse que acumulava escândalos desde há quase uma década – se tivermos em conta que em 2009 foi alvo de uma multa de 536 milhões de dólares pelo não cumprimento das sanções dos EUA ao Irão e em 2014 foi multado em 2,6 mil milhões de dólares por participar em operações de evasão fiscal nos Estados Unidos.

Foi numa tentativa do banco suíço de se curar dos erros de gestão, cujos os mais mediáticos foram os escândalos do colapso do hedge fund Archegos Capital Management e da falência do fundo de investimento Greensill Capital (onde o Crédit Suisse tinha uma participação de dez mil milhões de dólares), que convidam o “Ronaldo da banca” para chairman do banco em 2021. Mas a sua passagem pela administração do gigante suíço não durou mais de nove meses.

Que escândalos abalaram o Credit Suisse?

Em setembro de 2020 o regulador suíço (Finma) avança com uma investigação à vigilância do banco a dois administradores executivos. O então CEO do Credit Suisse, Tidjane Thiam, demite-se na sequência de um escândalo relacionado com espionagem empresarial. Tudo começou em setembro de 2019, o antigo administrador responsável pela gestão de patrimónios e considerado o guru do Credit Suisse, Iqbal Khan, que tinha saído em divergência com Thiam, percebeu que estava a ser seguido por um investigador em Zurique.

Também em 2020 o Credit Suisse enfrentou acusações de lavagem de dinheiro ligadas à máfia búlgara. O banco foi acusado de não ter tomado todas as medidas preventivas para impedir a lavagem de dinheiro. O Credit Suisse viu-se então envolvido numa investigação criminal do Gabinete do Procurador-Geral da Suíça sobre lavagem de dinheiro relacionada com uma máfia búlgara supostamente responsável pelo tráfico de drogas.

Em março de 2021, o Credit Suisse suspende 10 mil milhões de dólares em fundos ligados à Greensill Capital.

O banco viu o seu braço de gestão de ativos tremer com a falência da companhia financeira britânica Greensill em 2021, na qual havia investido cerca de 10 mil milhões de dólares através de quatro fundos. O Greensill Capital grupo britânico especializado em financiamento de cadeias de fornecimento e fundado em 2011 era o único fornecedor de um conjunto de fundos geridos pelo banco suíço. O colapso do grupo desenrolou-se em poucos dias em 2021, mas o caso começou a desenhar-se um ano antes, quando a seguradora australiana Bond & Credit Company decidiu interromper a cobertura dos créditos concedidos pela Greensill, avaliados em mais de 4 mil milhões de dólares.

No mesmo ano, a Archegos Capital Management, um “family investment office” entrou em colapso quando falhou o pagamento das chamadas conta margem de algumas operações e o Credit Suisse que era um dos financiadores da empresa reporta uma perda significativa de 4,4 mil milhões de francos suíços devido à exposição à sociedade. O que levou o CEO do Credit Suisse, Thomas Gottstein, a dizer que “houve uma perda significativa no nosso negócio de Prime Services relacionada com o fracasso de um fundo de cobertura baseado nos EUA”. O que “é inaceitável”, disse numa declaração o CEO que falava em “lições sérias serão aprendidas”.

Nesse ano e para tentar reconstruir a reputação, bem inestimável num banco e mais ainda num banco que gere as fortunas do mundo inteiro, chamam António Horta Osório. Mas o banqueiro português, que construiu uma sólida reputação ao salvar o banco britânico Lloyds da ameaça de insolvência, foi ele próprio manchado por revelações da imprensa em dezembro sobre a quebra de regras de prevenção contra a covid-19 e demitiu-se em meados de janeiro de 2022, entregando a liderança do banco a Axel Lehmann, um banqueiro suíço conhecido pelas suas competências em gestão de riscos, que tinha entrado para o conselho de administração em outubro.

Mais tarde, na cerimónia em que lhe foi atribuído o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade Católica Portuguesa, o banqueiro veio reconhecer que foi uma escolha que se revelou errada, a propósito “das coisas que podem não resultar por mais que se planeie, tenha objetivos e ambição”.

Em fevereiro do ano passado, o Credit Suisse voltou a ver-se envolvido em novas acusações de corrupção e branqueamento de capitais. A revelação foi feita por um consórcio de quase 50 meios de comunicação social, coordenado pela organização sem fins lucrativos “Organized Crime and Corruption Reporting Project” (OCCRP).

O golpe de misericórdia do Credit Suisse foi quando teve de reconhecer “desconformidades materiais” nos seus relatórios financeiros. A 14 de março deste ano, o banco suíço afirmou ter “identificado debilidades materiais” nos seus controlos internos de informação após um aviso da SEC (regulador financeiro dos EUA) que o obrigou a adiar os seus resultados anuais. Os auditores da PwC, no relatório, incluíram um parecer negativo sobre a eficácia dos controlos internos do banco. Isto provou ser o último prego no caixão para o banco em dificuldades.

O In$ide Paradeplatz, nos últimos dias antes da intervenção das autoridades para salvar o Credit Suisse, revelava que na primeira fase da corrida aos depósitos, o Credit Swiss Group reduziu o seu rácio de capital core (CET1) em setembro de 2022 para reforçar o capital da sua subsidiária, o banco na Suíça, em 9 mil milhões de euros. Se a gestão de topo do Credit Suisse não o tivesse feito, o banco já não teria sido suficientemente capitalizado no Outono passado, diz a publicação suíça.

Solução para o Credit Suisse

O banco central suíço (SNB) proporcionará ao UBS Group e ao Credit Suisse Group o acesso sem restrições às suas facilidades de liquidez em “instrumentos de política monetária”, bem como acesso a uma facilidade de assistência à liquidez sem garantia até 100 mil milhões de francos suíços pelo estatuto de credor privilegiado em situação de falência. Além disso, o CSG terá acesso a uma nova facilidade de apoio à liquidez pública de até 100 mil milhões de francos suíços garantidos pelo Estado (backstop). Para já não falar de que o regulador, Finma, desencadeará a amortização de todos os instrumentos AT1 do Credit Suisse Group no valor de 16 mil milhões de francos suíços, reforçando o rácio Common Equity Tier 1 (CET1) do Credit Suisse Group em cerca de 600 pontos base para cerca de 20%, pró-forma ao final de 2022, e fornecendo amortecedores de capital adicionais ao nível do grupo consolidado, ajudando o UBS a manter o seu rácio de capital CET1 acima do atual objetivo de 13%. Como proteção adicional, após a conclusão da aquisição, as autoridades suíças cobrirão também até 9 mil milhões de francos suíços de perdas potenciais em ativos não core do Credit Suisse Group depois dos primeiros 5 mil milhões de francos suíços de perdas que serão suportados pelo UBS.

António Horta Osório não fala do desfecho do Credit Suisse. Mas é mais ou menos previsível que o banqueiro português vê a aquisição do Credit Suisse pelo UBS, anunciada pelas autoridades suíços como a única “solução viável”, como o desfecho inevitável de um banco que não quis tomar a “medicina” requerida (que era dura) enquanto ainda havia tempo para recuperar o banco.

A solução encontrada para o Credit Suisse, com grande apoio financeiro do Estado e do banco central suíço, teve o mérito de evitar alastrar do risco sistémico ao sector bancário europeu dado o Credit Suisse ser um banco global de importância sistémica.

António Horta Osório ganhou o estatuto de Ronaldo da banca, não só por ser português com uma carreira internacional, mas pela enorme reputação de banqueiro que consegue guiar colossos bancários em dificuldade rumo à rentabilidade. Um estatuto que a liderança do Lloyd’s Banking Group lhe deu. Em dez anos, António Horta Osório – um menino Santander – levou a cabo o desafio de fazer o turn-around do banco inglês que tinha sofrido a entrada do Estado com 39% do capital, por via de ter sido intervencionado com uma injeção de 20 mil milhões de libras. O banqueiro português conseguiu que o Lloyds Bank, nacionalizado aquando da crise do subprime, voltasse a ser totalmente privado, tendo devolvido ao Estado inglês todo o dinheiro dos contribuintes injetado na crise. Em 2015 pôs o banco a dar lucro ao fim de oito anos de prejuízo e a distribuir dividendos aos acionistas.

 

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