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Ramalho Eanes: “Caixa Geral de Depósitos é exemplo paradigmático de colonização partidária”

Primeiro Presidente da República eleito depois do 25 de Abril traçou retrato dos principais problemas políticos e económicos de Portugal nas últimas décadas. Mas também apontou na conferência que fez na SEDES caminhos para melhorar o futuro.
25 Junho 2019, 07h38

O general Ramalho Eanes disse nesta segunda-feira, numa conferência realizada pela SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e dedicada ao tema “Portugal: As Crises e o Futuro”, que “a Caixa Geral de Depósitos é o exemplo paradigmático da colonização partidária”. O atual conselheiro de Estado, primeiro Presidente da República eleito depois do 25 de abril de 1974, apontou a distribuição de cargos na administração do banco, e de outras empresas de capital público, a dirigentes de partidos políticos como uma das demonstrações da “descaracterização da democracia” portuguesa.

“Muitos eleitores não se sentem representados pelos partidos políticos”, disse Ramalho Eanes no início de uma intervenção em que também teceu intensas críticas ao “imobilismo” dos partidos, em  absolutcontraste com as mudanças verificadas em todas as outras organizações ao longo das últimas décadas.

Eanes não poupou críticas ao sistema eleitoral “caracterizado por listas fechadas e bloqueadas”, em que “a relação entre eleitor e eleito é praticamente inexistente”, sendo cada deputado “mais um delegado do partido do que um representante do eleitor”.

De igual modo, o antigo Presidente da República salientou que as finanças públicas nunca apresentaram excedente no regime democrático e não conseguiram “merecer a atenção da sociedade civil”. Daí resultou, no retrato feito por Eanes, que “não se conteve a espiral da dívida”, o que deixou Portugal à beira da insolvência e conduziu a “privatizações que não foram decididas estrategicamente”.

No que toca à apreciação custo-benefício das infraestruturas, voltou a ser cáustico. “Não nós podemos vangloriar, pois muitas foram as decisões infelizes que levaram à delapidação dos recursos escassos que temos”, afirmou o conselheiro de Estado, apontando como exemplos os “muitos pavilhões gimnodesportivos espalhados pelo país”, bem como os estádios de futebol do Euro 2004 e a autoestrada do Baixo Alentejo.

Considerando “anémico” o investimento público e privado, Ramalho Eanes alertou para “vulnerabilidades que se podem transformar em ameaças se ocorrer uma nova crise internacional”.

O militar que foi Chefe de Estado entre 1976 e 1986, após ter sido um dos responsáveis pela normalização democrática a 25 de novembro de 1975, apontou ainda “sinais evidentes de crise” na Justiça, como “atrasos sucessivos em casos que se arrastam longos anos”, falta de meios, violações frequentes do segredo de justiça e condenações de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Na Defesa apontou a falta de recursos humanos e operacionais disponíveis, concluindo que “bem não vão as Forças Armadas”.

Apesar desse diagnóstico pessimista, Eanes realçou que ”não se deve abdicar de combater pela democracia”, apelando à sociedade civil, que ao longo das décadas tem visto demasiadas vezes “amorfa”, para exercer o direito de questionar e de reivindicar “perante o Estado e o mercado”.

Desígnio para o país

“Impõe-se que Portugal estabeleça um projeto ajustado e racional que seja um desígnio para o país”, referiu o conselheiro de Estado, avançando que esse deveria ser colocar, até 2050, Portugal no primeiro terço dos países europeus que “melhor tenham respondido à Quarta Revolução em curso”. Algo que passará, em sua opinião, por uma forte aposta nos setores da Educação, da Justiça, da Administração Pública e da Economia.

No que toca à “grande questão demográfica a que imperativamente é necessário responder”, Eanes reafirmou a ideia de que talvez seja necessário definir uma política de imigração centrada na procura de migrantes qualificados e identificados com a cultura portuguesa.

Ainda assim, Eanes deixou claro que “temos que reformar o país com a prata da casa, os partidos políticos existentes e outros que venham a criar-se com o apoio dos portugueses”. Apesar de admitir que, não obstante todos os defeitos que apontou, a “adesão dos portugueses aos partidos é muito grande”, o que leva a que o leque partidário nacional tenha mudado tão pouco desde as primeiras eleições democráticas, ao contrário do que tem acontecido na generalidade dos países europeus.

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