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Reabilitação não passa de uma operação de ‘cosmética’

Apesar da importância da reabilitação urbana na dinamização do imobiliário, os especialistas asseguram que não se reabilita com qualidade.
24 Fevereiro 2017, 11h21

A reabilitação urbana está em grande expansão nas principais cidades portuguesas, sobretudo em Lisboa e no Porto. A ela deve-se o incremento do mercado imobiliário nos últimos anos, com o surgimento de novos projetos residenciais nos centros históricos. Contudo, a maioria dos especialistas tem alertado para a má qualidade dessa reabilitação. Em entrevista ao Jornal Económico, publicada no dia 21 de outubro de 2016, o arquiteto Eduardo Souto de Moura referiu que as reabilitações que se têm vindo a fazer são de ‘cosmética’. Uma afirmação corroborada por César Neto, presidente da Associação dos Industriais da Construção de Edifícios – AICE: “Em Portugal, especialmente nas zonas urbanas de maior densidade, uma parte significativa da reabilitação urbana que está a ser feita, não passa de uma operação de ‘cosmética’ barata”.

O responsável admite que,  excetuando os projetos de investimentos elevados, pertencentes a clientes institucionais, a propriedade pública e outros, cujos promotores ou investidores, praticam uma responsabilidade ética e jurídica na sua atividade, as práticas na reabilitação urbana não são na generalidade boas.

Também Vítor Cóias, presidente da GEcORPA, o Grémio do Património, alerta para o facto de a reabilitação em Portugal estar a ser comandada pelo negócio imobiliário e, em consequência, pensada sobretudo no curto prazo, sem grandes preocupações quanto à durabilidade e, muitas vezes, quanto à segurança estrutural. “Isto é particularmente grave nas zonas sísmicas do país, que abrangem toda a metade sul, com particular incidência nos estuários do Tejo e do Sado e no Algarve. As boas práticas de reabilitação não estão suficientemente difundidas, apesar do conhecimento necessário estar disponível”, afirma.

Também o arquiteto Paulo Moreira, especialista em reabilitação urbana, refere que existem boas práticas, mas infelizmente representam uma ínfima fração daquilo que está a ser feito na reabilitação urbana. “As práticas comuns são, por um lado, destruir para fazer de novo, por vezes mantendo as fachadas, outras vezes nem isso, ou, por outro lado, ‘remediarem-se’ os edifícios antigos com materiais novos que escondem as patologias construtivas. Normalmente, este último tipo de intervenção não tem qualquer qualidade e tem um aspeto falso”, garante. Reconhece, no entanto, alguns bons exemplos de intervenções cuidadas e com qualidade, mas são exceções no panorama geral.

Para José Rui Meneses e Castro, Partner da MAP Engenharia, especialista em projetos de reabilitação, em geral, existem boas práticas na reabilitação urbana em Portugal. “E o principal indicador é vermos hotéis de última geração, empreendimentos residenciais de gama alta, espaços comerciais e escritórios de multinacionais a utilizar edifícios reabilitados. Se a reabilitação não estivesse de acordo com as exigentes necessidades destes ocupantes, certamente não estariam a ser um polo dinamizador da mesma”, garante. Considera como mais negativo nesta atividade da reabilitação urbana, a sistemática necessidade de manter as fachadas existentes. Na sua opinião, era mais eficaz preservar a arquitetura realizando um levantamento detalhado das fachadas e garantindo que a reconstrução das mesmas cumpre na íntegra a estética da anterior. “Certamente seria uma solução mais económica, que facilitaria os processos construtivos, que beneficiaria as áreas úteis, que utilizaria materiais de melhor qualidade e com melhores comportamentos térmicos e acústicos, e ainda muito mais segura, com menos riscos e perigos”, garante.

Uma lei pouco clara
Segundo César Neto, a lei não é clara no que diz respeiro à reabilitação urbana. Até porque, na sua opinião, a reabilitação urbana apenas se tornou uma realidade massificada há uma dúzia de anos. Até lá, toda a legislação, hábitos e negócios eram pensados para as obras chamadas de ‘raiz’. Vítor Cóias vai mais longe e revela que os arquitetos, os engenheiros e os construtores desconhecem os materiais e processos construtivos anteriores ao betão armado, que se tornou rei nas universidades e nos empreiteiros a partir dos anos quarenta. “Por outro lado não são sensíveis ao valor cultural de grande parte do edificado, sobretudo na cidade antiga, nos centos e bairros históricos. Daí a frequente substituição de edifícios antigos por construções espalhafatosas e exibicionistas, que nada têm a ver com esses locais”, salienta.  Adianta ainda que o regime jurídico da urbanização e da edificação, o decreto lei DL n.º 555/99, de 16 de dezembro, precisa de ser totalmente revisto. “Foi pensado para a construção nova e é hoje uma manta de retalhos. A última vez que contei, já ia em 16 versões!”, revela.

Paulo Moreira também explica as dificuldades que encontra na lei no que respeita a projetos de reabilitação. Num projeto industrial em Lisboa, é assustadora a carga legislativa para uma pequena indústria num armazém antigo. Num outro caso, transformar uma habitação num edifício de serviços teve que obedecer a regras completamente desproporcionadas. “É difícil conciliar a legislação em vigor com a prática da reabilitação para comércio, serviços e indústria. Note-se que a lei do regime excecional para a reabilitação de edifícios (Decreto-Lei nº 53/2014) está vocacionada para a habitação, ou seja, é como se o comércio e a indústria não encaixassem na estratégia de reabilitação urbana das cidades. Essa é uma das razões, não a única, pelas quais temos hotéis a destruir totalmente edifícios antigos”, revela.

No entanto, todos são unânimes em afirmar que a reabilitação urbana é uma atividade necessária e importante, e que ajuda a dinamizar o imobiliário e a economia.

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