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Regras previstas pela Anacom colocam em causa viabilidade do 5G, aponta Roland Berger

Estudo defende que regulação deve trabalhar para assegurar a atratividade do investimento na rede 5G e garantir que os termos do leilão não sejam “facilitadores” a novos entrantes, a fim de promover a “sã concorrência”. Estudo indica que isso não está a aconteceter. Termos do leilão do 5G devem ser “reformulados”, diz ‘partner’ da Roland Berger.
  • DR
15 Outubro 2020, 18h15

Numa altura em que o lançamento da quinta geração da rede móvel (5G) está atrasada em Portugal, aguardando-se pela indicação da Autoridade Nacional de Comunicações sobre o regulamento final e o início do leilão de frequências 5G, que está marcado para este mês de outubro, a consultora Roland Berger acredita que as regras previstas para o leilão do 5G levantam “questões sobre a sua viabilidade”.

Num estudo a que o Jornal Económico teve acesso, a consultora germânica avança que o 5G será um catalisador de valor económico, estimando um impacto de 35 mil milhões de euros na economia portuguesa nos próximos 15 anos. Mas só no caso de a regulação trabalhar para assegurar a atratividade do investimento na rede 5G e se as regras do leilão não forem “facilitadoras”, a fim de promover a “sã concorrência”.

“A estrutura do leilão é fundamental para o futuro da tecnologia no país, pois irá definir as bases do lançamento do 5G em Portugal”, afirma o partner da Roland Berger, Jorge Pereira da Costa, ao Jornal Económico. “É no leilão que ficarão definidos os incentivos e as obrigações dos responsáveis pelo enorme investimento tecnológico necessário para tornar o 5G uma realidade e a capacidade dos mesmos de entregar uma infraestrutura que sirva os objetivos do país”, bem como o “quadro concorrencial do mercado para as próximas décadas”.

Por isso, exige-se “o desenho correto do leilão”, diz Pereira da Costa, garantindo que o consumidor final “terá acesso a uma qualidade de serviço elevada, preços competitivos e acesso à sociedade digital global”.

“No entanto, parece-nos que o atual projeto de regulamento do leilão das frequências, na sua intenção meritória de introduzir concorrência no mercado nacional, poderá estar a colocar os objetivos globais do 5G em risco”, atira.

No estudo, a consultora defende que as telecom nacionais “não têm sido capazes de monetizar o aumento da utilização de dados resultante dos últimos ciclos de evolução tecnológica (fibra e 4G), enfrentando agora uma nova ronda de investimentos do 5G”. Por isso, lê-se no documento ser “fundamental garantir a rentabilidade dos ativos para atrair capital privado”.

“O setor das telecomunicações em Portugal apresenta um dos piores retornos de ativos na Europa”, lê-se. Assim, “atendendo as baixas taxas de retorno sobre os investimentos do país, a preservação da atratividade da rede 5G é fundamental”, prossegue o estudo.

Como é que se garante essa atratividade? A consultora germânica conclui que o caminho é recorrer aos termos do leilão para evitar que a situação verificada se agrave. Isto é, os termos do leilão do 5G “devem salvaguardar a capacidade dos operadores para executar os
investimentos necessários e evitar a concorrência desleal”, lê-se no estudo.

Mas a consultora alerta que a concorrência do setor pode não estar salvaguardada, uma vez que as regras previstas para o leilão do 5G vão “facilitar a entrada no mercado de operadores, que beneficiarão de vantagens competitivas inéditas sem obrigações de investimento, desvirtuando, desta forma, os incentivos dos potenciais entrantes que, como observado em outros países, não acrescentarão qualquer valor ao país”. O estudo conclui, ainda, que “não é evidente” a razão do referido facilitismo.

“O objetivo está correto. Mas, não obstante, a forma não nos parece a mais adequada”, reforça Jorge Pereira da Costa.

“As regras do leilão vêm obrigar os operadores nacionais a um elevado investimento nas infraestruturas, para atingir os objetivos de cobertura definidos para o país, enquanto que para os novos entrantes não existe qualquer obrigação nesse sentido, excetuando na faixa dos 700Mhz”, detalha.

As vantagens reservadas a novos entrantes
Segundo o projeto de regulamento da Anacom, ainda por aprovar, foi reservado espetro em algumas frequências para novos entrantes e definido um desconto de 25% na licitação do leilão para os mesmos – “prática utilizada quando o regulador pretende a entrada de novos players“, segundo a Roland Berger.

Além disso, a Anacom não pretende obrigar os novos entrantes a realizar investimentos nas bandas adquiridas e prevê o direito de acesso à rede de outros operadores (roaming), o que evidencia a inexistência de “barreiras à operação caso não exista iniciativa de investimento”.

Na questão do roaming, a consultora frisa que “a partilha de rede deverá ser voluntária, sendo que qualquer obrigatoriedade deverá apenas incidir em áreas de baixa competitividade”. Ou seja, “dada a capilaridade e rentabilidades heterogéneas da rede de telecomunicação e, tendo em conta o acrescido risco económico associado à nova vaga 5G, cujo retorno financeiro levará anos a
materializar-se, deve ser dada primazia à procura de soluções partilhadas”, mas apenas em áreas não-competitivas entre as telecom.

“As regras permitem a estes novos players operarem em território nacional suportados na atual e futura rede dos operadores portugueses durante pelo menos os próximos 10 anos, sem que para isso tenham de fazer investimentos substanciais no desenvolvimento da sua própria rede. Isto, tendencialmente, irá desincentivá-los a investir, pois poderão fazer free riding numa das, reconhecido por todos, melhores infraestruturas de telecomunicações a nível mundial”, explica o partner da Roland Berger.

Assim, a Roland Berger conclui que estas condições específicas criam potenciais riscos na estrutura prevista do leilão. Que riscos? “Desincentivo ao investimento; incentivo à entrada de operadores apoiados por players financeiros com objetivos de curto prazo; possibilidade de litigação atrasando o início do deployment do 5G e destruição de valor e de postos de trabalho”, resume o estudo.

Regras previstas para leilão não combinam com objetivos do Governo
Acresce a estas conclusões a verificação de que viabilidade dos objetivos da implementação do 5G no país ficam em causa, uma vez que as “regras previstas no leilão não se coadunam com o conjunto de objetivos definidos pelo Governo”.

Como assim não se coadunam? Ora, a resolução do conselho de ministros, de 7 de fevereiro, que elenca os objetivos da estratégia nacional para o 5G, não prevê a entrada de um quarto operador nem determina a partilha de infraestruturas. Mas o projeto de regulamento da Anacom para o leilão do 5G exige a disponibilização de espetro para um quarto operador e a partilha de infraestruturas.

A esta diferença nas interpretações do desenvolvimento do 5G em Portugal, a consultora relembra que os objetivos do  Governo para o 5G vão desde a ambição de ter cobertura 5G em duas cidades portuguesas (uma de baixa densidade e outra com mais de 50 mil habitantes) já em 2020 (passo que está em risco devido aos efeitos da pandemia que atrasaram o lançamento da nova vaga tecnológica) até à meta de ter 90% da população com acesso a serviços de banda larga móvel, com uma experiência de utilizador de pelo menos 100 Mbps, em 2025.

Ora, o estudo da Roland Berger salienta que o plano do Governo está em risco, caso os termos do leilão não considerem os “impactos da crise pandémica”, para salvaguardar a atratividade do investimento em 5G e para “assegurar que os operadores têm a capacidade de fazer os investimentos necessários na rede”.

A solução? Reformular os termos do leilão
Questionado sobre se os moldes apresentado pelo regulador das comunicações deve ser reformulado, João Pereira da Costa é perentório: “Sim, o leilão deve ser reformulado”.

“Não é evidente o porquê de as regras do leilão virem agora facilitar a entrada no mercado de operadores que beneficiarão de vantagens competitivas inéditas sem obrigações de investimento”, salienta.

O partner da Roland Berger, autora do estudo que aponta que as regras previstas para o leilão podem retirar viabilidade ao 5G em Portugal, adiante que os termos conhecidos podem não “acrescentarão concorrência saudável ao setor, nem qualquer valor à economia do país”.

“O caso holandês é paradigmático: em 2012, através do leilão das frequências 4G o regulador do país, utilizou uma reserva de espetro para atrair a entrada de um quarto player no setor. Numa fase inicial, a medida atraiu concorrência, o que resultou no aumento dos preços no leilão do espetro e acabou por comprometer a viabilidade dos demais operadores. Em resultado desta iniciativa, as principais operadoras viram-se obrigadas a reduzir dividendos para financiar a subida de preços do leilão, observou-se uma consolidação do mercado, com a fusão de pequenos operadores com incumbentes e, por último, o novo operador (Tele2) foi vendido, tendo o mercado regressado às três incumbentes iniciais”, ilustra.

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