O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, definitivamente, num acórdão de 2 de maio, a decisão de levantamento do arresto dos bens dos ex-administradores do Banco Espírito Santo – José Maria Ricciardi, Pedro Mosqueira do Amaral, António do Souto, João Freixa, Jorge Martins e Rui da Silveira – que tinha sido decretado judicialmente a pedido do Fundo de Recuperação de Créditos dos lesados do papel comercial da ESI e Rio Forte.
A juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo Central Cível), numa sentença proferida de 18 de janeiro deste ano, tinha determinado “o levantamento do arresto decretado nos autos”. Mas o Fundo de Recuperação de Créditos não se conformou e recorreu para o Tribunal da Relação, que num Acórdão, ao qual o Jornal Económico teve acesso, confirmou a decisão do tribunal da 1.ª instância (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa), em termos definitivos.
A notícia já tinha sido avançada pelo jornal “Observador”.
É assim determinado, de forma definitiva, o levantamento do arresto dos bens de José Maria Ricciardi, Pedro Mosqueira do Amaral, António do Souto, João Freixa, Jorge Martins e Rui da Silveira, que tinha sido decretado “sem prévia audição da parte contrária”, através de um procedimento cautelar interposto pelo Fundo de Recuperação de Créditos, constituído para ressarcir os investidores do papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo (GES).
Os bens arrestados incluem pensões, casas, carros, etc. Por exemplo, a José Maria Ricciardi tinha sido arrestada a casa de Cascais com o valor patrimonial de 1.138.342,49 euros [1,138 milhões de euros]; a parte da casa de Cascais que lhe coube, em herança, da mãe Vera Espírito Santo Silva Ricciardi no valor de 422,5 mil de euros; as suas ações da Optimal; e a pensão do Novobanco de 11,5 mil euros.
Já a Pedro Mosqueira do Amaral tinha sido arrestado o “direito de usufruto vitalício da Coutada da Comporta”, na Herdade da Comporta, uma casa na Comporta, e um carro.
António Souto, João Freixa, Rui Silveira e Jorge Martins viram arrestados bens como carros, casas, saldos bancários, pensões, etc. Uma vez efetuado o arresto, os requeridos (ex-administradores do BES) deduziram as suas oposições.
O Tribunal Judicial de Lisboa julgou “as oposições procedentes” e determinou “o levantamento do arresto”.
“O FRC – Inq – Papel Comercial ESI e Rio Forte interpôs recurso da sentença do Tribunal Judicial de Lisboa para o Tribunal da Relação que julgou o recurso improcedente, tendo confirmado a sentença recorrida”, segundo fonte próxima ao processo.
O Tribunal da Relação concluiu “pela não verificação dos dois requisitos (cumulativos) do arresto”.
“São requisitos cumulativos para o deferimento da providência cautelar de arresto: a probabilidade séria de existência de um direito de crédito de que o Requerente (FRC) se arroga titular (fumus boni iuris) e a existência de fundado receio que o Requerido [ex-administradores do BES] venha a dissipar o seu património, inutilizando, por conseguinte, o efeito útil da sentença condenatória a ser proferida numa ação principal ou a efetividade da execução (periculum in mora)”, lê-se no documento.
Como conta, ao Jornal Económico, um dos ex-administradores, “depois de efetuado o julgamento e analisadas as provas oferecidas pelos demandados, o Tribunal da primeira instância considerou que não ocorria nenhum dos pressupostos de arresto, ou seja, a probabilidade séria da existência de um direito de crédito dos subscritores de papel comercial da ESI e da RFI sobre os ex-administradores do BES, nem, obviamente, o justo receio de perda da garantia patrimonial desse direito”.
Os dois tribunais concluíram não existir “qualquer relação contratual entre os credores de uma sociedade e os seus administradores”.
Ora “concluindo-se pela não verificação dos dois requisitos (cumulativos) do arresto, impunha-se o levantamento do arresto anteriormente decretado. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida”, lê-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
O Fundo de Recuperação de Créditos dos lesados do papel comercial d0 GES vendido aos balcões do BES intentou, no procedimento cautelar, que fosse ordenado “o arresto dos bens identificados no requerimento inicial”. Isto é, “pediu o decretamento do arresto sobre determinados bens que identificou como pertença dos requeridos”, alegando que estes, “com as suas ações e omissões, ilícitas e culposas, provocaram danos aos INQPC (Investidores Não Qualificados em Papel Comercial), que investiram em Papel Comercial da ESI (Espírito Santo International) e RFI (Rio Forte Investments), traduzidos no não ressarcimento dos créditos emergentes de tais investimentos, nem nas datas dos respetivos vencimentos, nem até à presente data”.
O “FRC – Inq – Papel Comercial ESI e Rio Forte” invocava o facto de o crédito detido pelos investidores não qualificados (INQPC) ter sido entretanto transferido para o requerente (FRC), “num total de 561.255.354,52 euros [561,2 milhões de euros]”, para justificar a sua legitimidade para a ação.
Recorde-se que o Fundo de Recuperação de Créditos dos lesados do BES, gerido pela Patris, foi constituído para obter o ressarcimento dos investidores do papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo (GES) de aplicações de mais de 400 milhões de euros.
O FCR lembrava, no procedimento cautelar, que o “património da ESI e RFI era insuficiente para reembolsar os INQPC dos investimentos em Papel Comercial emitido por aquelas duas sociedades”; e que “a ESI e a RFI foram declaradas insolventes em 2014, bem como o BES, em 2016, com revogação da autorização para o exercício de atividade de instituição de crédito pelo Banco Central Europeu”.
O FCR justificou ainda o pedido de arresto com o facto de “os requeridos terem onerado ou alienado já património” e por ter “fundado receio de que a morosidade inerente à tramitação da ação judicial” fizesse “perigar a garantia patrimonial”.
Depois de o arresto ter sido efetuado, os ex-administradores do BES (requeridos) tiveram a oportunidade de deduzirem as oposições.
“Todos os Requeridos terminaram pedindo o levantamento do arresto e requereram a produção de prova documental, testemunhal e por declarações de parte”, avança o documento.
O FCR exerceu o seu direito ao contraditório, “tendo deduzido requerimento de resposta quanto aos documentos juntos nas oposições, nos termos e com os fundamentos que daí constam e que ora se dão por reproduzidos, por mera facilidade e celeridade de exposição”, lê-se no documento.
Até ao momento, o FRC perdeu todas as ações cíveis já julgadas contra ex-administradores do BES em que se habilitou como cessionário de eventuais créditos dos subscritores de papel comercial da ESI e da RFI.
“A ação principal de que este procedimento cautelar é apenso foi instaurada em 29 de março de 2019”, e posteriormente “foi julgado deserto, por negligência do FRC em promover os seus termos”, revela fonte ligada ao processo.
Esta decisão proferida no processo principal ainda não transitou em julgado, por estar pendente de recurso.
A ação principal interposta pelo fundo, contra 59 réus, tem o valor de 514.202.198,35 euros [514,2 milhões de euros].
As nossas fontes revelam ainda que o contrato de prestação de serviços com o escritório de advogados que patrocina o FRC (PARES) envolve o pagamento de três milhões de euros ao longo de seis anos, o que ainda não foi possível confirmar.
A gestão do Fundo de Recuperação de Créditos, constituído a mando do então primeiro-ministro António Costa para ressarcir os lesados do BES, “foi cometida à sociedade Patris – SCFTC, detida pela Real Vida Seguros, e pela GNB Gestão de Activos SGPS”, tendo o Novobanco sido designado depositário dos valores mobiliários do fundo.
“Como decorre da leitura do Regulamento de Gestão do Recorrente, para o mesmo foram já mobilizados 146.116.000,00 euros [146,1 milhões de euros] e prometidos mais 155.897.500,00 euros [155,9 milhões]”, segundo a contra-alegações de um dos ex-administradores do BES, à qual o Jornal Económico teve acesso.
O mesmo documento diz que “tudo isto” foi feito “num autêntico financiamento público à litigiosidade entre privados, tendo como contrapartida a renúncia do FRC a todos os direitos e a desistência de todos os pedidos referentes ao papel comercial emitido pela ESI e pela Rio Forte, que tenham como contrapartes o Novobanco, o Best, o Novo Banco Açores (ex-BAC), o BdP, a CMVM, o Fundo de Resolução, o Estado, incluindo os membros de quaisquer Governos Constitucionais, e quaisquer organismos públicos, entre muitos outros”.
O texto jurídico de defesa de um dos administradores aponta que o FRC renunciou a quaisquer direitos sobre o Best e o Novo Banco Açores (ex- BAC), “tão colocadores do papel comercial ora em causa como o BES, e, bem assim, sobre o BdP e o Novobanco, responsáveis pelo desvio, ao arrepio da NIC (IAS) 37, da provisão reputacional registada nas contas do BES referentes ao 1º semestre de 2014, que havia sido constituída em vista da defesa da reputação do BES, enquanto colocador de parte do referido papel comercial e que, em última análise, asseguraria aos investidores não qualificados o reembolso total dos seus investimentos”.
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