O novo relatório do Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas (IPCC) vem divulgar fortes alertas sobre o estado atual e futuro dos oceanos e da criosfera – o gelo que cobre o planeta Terra. Mais inundações costeiras, mais tempestades tropicais, menos biodiversidade, menos glaciares, milhões de pessoas que vivem em regiões costeiras em risco são os traços gerais do primeiro relatório dedicado unicamente aos oceanos e às partes geladas.
O documento, divulgado esta quarta-feira, vem com o objetivo de expor os problemas, as soluções e apresentar várias propostas para formuladores de políticas em todo o mundo de modo a criar resiliência, ajudar na adaptação às alterações climáticas (que já não podem mais ser evitadas) e trazer benefícios para o desenvolvimento sustentável.
O Relatório Especial sobre Oceano e Criosfera num Clima em Mudança foi apresentado esta manhã, no Museu Oceanográfico do Mónaco e vem apresentar as consequências que já podem ser observadas, projecções e, por último, soluções para evitar os cenários negros que se anunciam (se nada for feito). O diagnóstico feito à “saúde” dos oceanos, por mais de 100 cientistas de todo o mundo, não é animador.
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Ao longo deste século, presume-se que os oceanos enfrentarão “condições sem precedentes”: continuará a haver um aumento de temperatura das águas, ainda mais acidificação, perda de oxigénio, mais ondas de calor marinhas e os fenómenos atmosféricos El Niño e La Niña tornar-se-ão mais frequentes (duas vezes mais do que o normal, tanto no melhor como no pior cenário possível).
No fundo, o documento sublinha que os impactos das alterações climáticas já são facilmente visíveis. Desde o topo da montanha mais alta até o fundo do oceano – e tangíveis para todos os seres humanos no planeta.
Desaparecimento dos glaciares
Até 2100, “prevê-se que desapareçam muitos glaciares independentemente das emissões [de dióxido de carbono] futuras” e que os danos provocados por inundações em zonas costeiras devam aumentar de magnitude (duas a três vezes mais grave do que são hoje). Cerca de 680 milhões de pessoas vivem em zonas costeiras baixas, e estima-se que esse número possa ascender para mil milhões em 2050. Na região do Árctico, são cerca de quatro milhões de pessoas, sendo que 10% delas são povos indígenas. Juntam-se ainda os 670 milhões que vivem em zonas montanhosas altas. Todas elas ficarão em risco. “Muitas nações terão de enfrentar desafios de adaptação”, afiança-se no relatório. Há ainda risco de “impacto severo na biodiversidade” nos ecossistemas costeiros, riscos para a saúde humana e animal.
Subida do nível do mar
Os oceanos cobrem 71% da superfície da Terra e contêm cerca de 97% da água no planeta. O IPCC aponta uma subida “sem precedentes” do nível médio global dos oceanos no período de 2006 a 2015 em relação ao último século, a um ritmo de 3,6 milímetros por ano, atribuindo-a principalmente às massas de gelo e glaciares que derreteram. Na Antárctida, a perda de gelo foi três vezes maior entre 2007 e 2016 do que tinha sido entre 1997 e 2006; na Gronelândia foi duas vezes maior. Esta aceleração na Antárctida pode “potencialmente levar a um aumento do nível das águas do mar de vários metros em poucos séculos”.
A projeção dos cientistas é que a subida do nível dos oceanos atinja 15 milímetros por ano em 2100 e “vários centímetros por ano no século XXII”.
Absorção de dióxido de carbono
Os cientistas do painel constataram que o oceano global tem vindo a aumentar de temperatura desde 1970, absorvendo “mais de 90% do calor em excesso no sistema climático”, com ondas de calor marinho duas vezes mais frequentes desde 1982.
“Ao absorver mais dióxido de carbono, o oceano sofreu um aumento da acidez à superfície”, apontam os cientistas, considerando muito provável que 20% a 30% do dióxido de carbono (CO2) emitido pela atividade humana desde 1980 foi parar ao oceano e provocou uma perda de oxigénio desde a superfície marinha até aos mil metros de profundidade.
Nos últimos 100 anos, “perto de 50% das zonas húmidas costeiras perderam-se em resultado da pressão humana, subida do nível do mar, aquecimento e eventos climáticos extremos”, perdendo-se “ecossistemas vegetais costeiros que protegem o litoral de tempestades e da erosão” e que absorviam dióxido de carbono, refere também o documento.
Perda de biodiversidade
O relatório refere que os corais de águas quentes já se encontram em elevado risco devido às “temperaturas extremas e à acidificação do oceano”.
Desde 1997 que as ondas de calor marinhas os fizeram perder a cor, degradando estes recursos importantes para a biodiversidade, para a protecção do litoral e também para o turismo. Os corais são de “recuperação lenta” e estima-se que fiquem ainda mais ameaçados, mesmo que se consiga reduzir as emissões e limitar a subida da temperatura global a 1,5ºC.
IPCC acusa Governos de inação e lista medidas de prevenção
O relatório do IPCC aponta o dedo aos governos, dizendo que o impacto das alterações climáticas no oceano e na criosfera tem uma escala temporal bem maior do que a duração dos governos e da sua capacidade de organizar medidas de prevenção e contenção, tornando difícil “que as sociedades se preparem adequadamente e respondam a estas mudanças a longo-prazo”.
Os cientistas consideram importante estar-se ciente do que nos espera e tomar medidas, mesmo havendo casos em que a redução de emissões de dióxido de carbono e o cumprimento do Acordo de Paris não devolvam a saúde aos ecossistemas. As medidas de mitigação dos efeitos descritos “ambiciosas e adaptação eficaz” são a única maneira de contrariar “os custos e riscos crescentes” de continuar a adiar ações concretas para limitar o aquecimento global, afirma o painel.
Entre as medidas apontadas como positivas, o IPCC refere a recuperação de ecossistemas vegetais costeiros, que poderão absorver cerca de “0,5% das emissões anuais atuais” e emitir menos dióxido de carbono, proteger o litoral de tempestades, aumentar a qualidade da água e trazer benefício à biodiversidade.
Outra das medidas sugeridas, para além da utilização de energia renovável produzida a partir dos oceanos, é o desenvolvimento e aplicação de sistemas de alerta em caso de cheias, assim como equipamentos à prova de inundação em edifícios localizados em zonas litorais.
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