Estarão hoje deteriorados alguns dos valores conquistados pelo 25 de Abril de 1974? Quarenta e quatro anos depois da revolução, não estarão eles a corroer o regime democrático à época implementado? Quando os partidos políticos não revitalizam o sistema democrático, alimentando a sua dificuldade de afirmação e de autoridade junto do povo, o risco de isso acontecer é demasiado grande. E este é hoje um debate mais do que necessário, urgente, porque aos olhos de muitos cidadãos, a atividade política aparece mais associada ao cadastro do que ao reconhecimento ou prestígio.

Esta semana, Rui Rio trouxe (e bem) a público o tema da absoluta necessidade de uma reforma profunda do regime democrático, com consequente restauro do sistema político e eleitoral. Não se trata só de adotar medidas de combate aos níveis de abstenção, crescentes de eleição para eleição, ou ao notório afastamento entre eleitos e eleitores, mas sim de travar e reverter o estado de desgaste do atual regime, muito afetado pelos casos judiciais que têm ocorrido nos últimos anos, pelo populismo, pela falta de transparência e exclusividade no exercício dos cargos públicos por eleição. São vários os exemplos da deterioração da vida política, que impõem uma mudança de paradigma e que determinam a adoção de medidas retificativas.

Todos os que hoje são eleitos no Portugal democrático – refiro-me aos autarcas e deputados nacionais e europeus – podem legalmente acumular os seus cargos com rendimentos provenientes de outras funções que já exerciam ou que venham a exercer após as eleições. E são muitos os que o fazem. Bem sei do que falo, pois no desempenho tido ao serviço da República Portuguesa, fi-lo em exclusividade, com absoluta consciência e com a convicção plena de que só assim seria possível o exercício de mandato em proximidade com os cidadãos. Com prejuízo financeiro pessoal, mas sem qualquer arrependimento.

O alargamento do âmbito da limitação dos mandatos e da acumulação de cargos, bem como a criação de incentivos eficazes à dedicação exclusiva às autarquias e ao parlamento, são temas que merecem uma reflexão atenta e responsável. Para melhorar a qualidade da nossa democracia, urge efetuar reformas profundas do sistema político e eleitoral.

O financiamento público dos partidos (e a sua necessária supervisão), a exclusividade ou não de candidaturas partidárias ao Parlamento, a autonomia dos deputados eleitos em relação aos seus partidos, a criação de círculos uninominais e um circulo único nacional em detrimento dos distritais, o voto preferencial nos deputados de uma lista, a regionalização versus descentralização, os executivos monocolores nas Autarquias, o voto dependente das Freguesias nas Assembleias Municipais, o acesso real de todos à comunicação social e aos órgãos reguladores do Estado são temas fundamentais e fulcrais para adaptar a nossa democracia à realidade.

Todas estas alterações são estruturais e só serão possíveis com um amplo consenso na Assembleia da República sobre a nossa Constituição. Julgo que todos concordarão que tudo o que se possa fazer para aumentar a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, para combater a abstenção e o défice de participação política é benéfico para o país. Nenhum partido pode ter medo de revitalizar a democracia, pois esse exercício significa o reencontro da cidadania com a política e um novo sentido para o voto e para a liberdade de escolha.