Ricardo Zúquete, arquiteto e docente convertido em fotógrafo pela sua paixão pelo teatro, procura em “Le regard et l’excédent” documentar a experiência corpórea, a expressão e a forma. Este é um projeto fotográfico sobre rituais de passagem, lugares e factos como unidades de sentido, graças à intercessão mediúnica dos atores retratados. Três peças, cada uma delas constituindo-se como unidade espaciotemporal distinta, três cosmogonias, reveladas pelo registo de camadas diferentes da imersão, primeira, dos atores, em ensaios, provas de guarda-roupa, e finalmente no cenário, na representação, e do público, a quem são concedidos diferentes níveis de acesso e interação, uma maior proximidade ou distanciamento dos atores, no palco, nos bastidores, ou nos corredores do Júlio de Matos.
À especificidade dos projetos teatrais correspondem diferentes formas de apresentação dos registos fotográficos, texturas, enquadramentos, escalas e superfícies de impressão. O tratamento da espacialidade, particularmente atrativo para um projetista e docente de arquitetura, e o registo, não intrusivo mas de caracter documental, do processo de apropriação das personagens (ou da possessão do elenco pelas mesmas?), e da forma como estes ocupam, ou deixam livre, o território onde se desenvolve a narrativa, é particularmente cuidado. A dimensão percetiva dos mecanismos de expressão humana e a sua dimensão fenomenológica está relacionada com a narrativa das pessoas e corpos, dos fenómenos espaciais onde se produzem essas linguagens e formas expressivas.
Este trabalho é uma prospeção sobre a inteligência corporal sensível e expressiva das pessoas e dos espaços que habitam – do sentido que procuram, das presenças que criam, dos vazios que ficam e das memórias que sugerem – o que tem sentido na expressão e gesto, o que é excedente e supérfluo. A produção fotográfica procura o registo, o testemunho poético, ser mosaico dessa atmosfera corpórea e expressiva. Procura também lembrar que o olhar deve ser um intenso processo de (re)conhecimento, vital referência, e que anda confundido com imagens leves, coisas frugais. O teatro é o melhor lugar para testemunhar essa intensidade da complexidade humana na expressão e vida dos seus dramatismos, dos seus fingimentos, com os cenários aferidos, e personagens, e metáforas. E verdades.
O interesse de Ricardo Zúquete principia pelo entendimento do espaço humano e expressivo da Arquitetura e também da descoberta da “Preparação do Actor” de Stanislavski, e de um conjunto de aulas dadas no curso de Arquitetura para aprenderem sobre a metáfora corpórea, o espaço e a narrativa, e de como a Arquitetura é feita de presenças humanas expressivas, corpos existentes em lugares que se articulam por entre esses espaços de significados, em que são atores e espectadores simultaneamente. Escritos sobre fenomenologia de Merleau-Ponty e “matière et mémoire” de Henri Bergson são referentes deste projeto.
A não perder, entre 17 de novembro e 15 de dezembro, na Sala do Rei, na Estação do Rossio, em Lisboa.
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