A regulamentação do lobbying é um passo para Portugal seguir o exemplo positivo de outros países europeus, criando regras claras para a influência no processo legislativo e aumentando assim a confiança institucional e transparência, defende Rita Serrabulho Abecasis, vice-presidente da Public Affairs Portugal e managing partner na Political Intelligence Portugal. Ainda assim, ficam por conhecer alguns detalhes fundamentais, como a caracterização do lobbyista ou as sanções para quem violar este regulamento, pelo que a especialista ouvida pelo JE projeta uma legislação que sirva de base para alterações à medida que o sector cresce.
Como caracteriza a proposta da AD?
As propostas, de forma geral, têm bastantes semelhanças, deixam transparecer algum consenso político, o que, no meu ponto de vista, já é uma enorme evolução. Resta saber se depois politicamente se conseguirá esse consenso, porque segundo o que vimos no último processo, que acabou por não ter seguimento, é importante esta questão não se torne política, que não queiram todos ser os donos da iniciativa. De certa forma foi isso que aconteceu. O Chega apresentou o seu projeto lei, não conseguiu; avança o PS, foi aprovada genericamente e quando desce à especialidade, no último dia da legislatura, o PSD não deixou passar. Na altura estávamos no rescaldo do processo Influencer e é bom que esta lei se faça com alguma tranquilidade, reflexão e, acima de tudo, que não seja ligado a processos de corrupção. O lobbying está no extremo oposto da corrupção. Quando muito, e creio que será por isso que está no pacote que o Governo irá apresentar amanhã, depois do Conselho de Ministros [CdM], pode ser uma ferramenta que ajude a minimizar a corrupção. Não vai acabá-la, vai continuar a acontecer, como noutras geografias onde o lobby está regulamentado, mas vai criar um conjunto de regras que permitam quem está em representação dos legítimos interesses fazê-lo com uma pegada legislativa, o que acaba por defender a sociedade civil e a própria esfera política.
Quais as vantagens desta legislação?
Havendo um registo, como na UE, das interações e quais as empresas, associações, cidadãos que reuniram com determinados decisores públicos – e estamos a falar de uma lei que abrange organismos ao nível nacional, mas também ao nível local – isso permitirá ter uma pegada legislativa que nos permite perceber quem participou de forma ativa no desenho de determinadas políticas públicas ou legislação. Haverá quem continuará a funcionar fora das regras, mas pelo menos se essas situações forem detectadas já há regras que definem que estão fora da lei. Por outro lado, é relevante porque permite minimizar este medo das empresas, organizações e associações de se relacionarem com o poder público. As empresas e os investidores internacionais precisam de ter confiança nas nossas instituições, de poderem sentar-se com eles, dar informação que possa ajudar a tomar decisões mais informadas sobre os processos legislativos ou executivos e isso tem de ser um processo normal, com registo, para que saibamos todos quem influenciou e deu contributos para a concretização dessa lei. Quem conhece a realidade de cada indústria são as empresas, associações, sindicatos e a sociedade civil em geral. É muito importante que estas relações aconteçam; têm é de acontecer com este registo que permita minimizar contactos não tão bem-intencionados e que pretendam de alguma forma influenciar a favor dos seus interesses e não do resultado final, de uma lei que abranja a sociedade.
A perceção da população quanto à opacidade das decisões legislativas e as suspeitas de corrupção têm crescido? Em que áreas é mais notória?
Não sei se tem crescido. A perceção conta e o último ano não foi propriamente positivo. Isto tem influência numa serie de outras atividades, nomeadamente investimento, financiamento externo, que acabam por gerar desconfiança e muita insegurança nas relações institucionais com o país. É importante perceber que a corrupção e o descrédito das instituições são uma injustiça para com a sociedade que paga impostos, mina a confiança no nosso país e é um péssimo exemplo para as gerações mais novas. Por tudo isto, também, a regulação trará regras que permitem gerar este tipo de relacionamento, esta representação dos legítimos interesses da sociedade civil junto dos decisores públicos. A perceção tem aumentado porque vivemos num mundo mais integrado e informado – não só em Portugal, temos assistido a casos também na Europa e na própria Comissão. O pacote corrupção, apesar de ainda não conhecer as medidas, vem num bom momento. Primeiro porque é uma bandeira do governo, o combate à corrupção, e passados dois meses e meio apresentam essa agenda contra a corrupção; por outro lado, estamos a viver um momento em que, além de já termos alguns portugueses em cargos internacionais, podemos vir a ter um quarto, António Costa. Este pacote pode ser um pontapé de saída para haver uma perceção de que estamos a fazer algo contra isto. é importante que, tendo altos cargos internacionais com altíssimas responsabilidades, que sejamos vistos como um país confiável e que transmita segurança a quem quer investir e quem nos representa lá fora.
Caso seja aprovada esta regulamentação, como fica Portugal comparando com o resto da Europa?
Vai depender um pouco do que vai ser a própria lei. Temos neste momento 63% dos Estados-membros regulados ou com algum tipo de regras estabelecidas e Portugal não está nessa contagem. Existem três modelos: o modelo da UE, o GRECO ou o da OCDE. Têm todos diretivas diferentes, o GRECO é o que mais orienta para uma regulação própria de cada sociedade. A Europa arrancou este processo com a Alemanha em 1972, foi o primeiro país a adotar uma regulamentação. Ao longo das décadas, cada vez mais países têm aderido – só nos últimos dois anos, mais seis países fizeram regulação própria. Era bom que Portugal seguisse este caminho. Há muitos países já regulados e temos de escolher uma lei que dê resposta à realidade portuguesa. Enquanto profissional do sector e vice-presidente da Public Affairs Portugal, o que pretendemos é que se consiga fazer uma lei que possa, à medida que vamos ter mais experiência, evoluir. Há muitas coisas que são básicas: um registo de transparência – é importantíssimo quem queira estabelecer contactos possa ter esse registo; o regime da pegada legislativa, em que cada cidadão, empresa, agência, associações que reúna com um membro de governo, uma comissão, um conjunto de deputados, fique registado para essa pegada legislativa, para percebermos como determinada lei foi construída. Parece-me básico que isto esteja associado a um código de conduta que estabeleça algum conjunto de boas práticas, para que, quando estas organizações do lado da sociedade civil o fizerem, mas também do lado dos decisores políticos, estejam salvaguardadas.
Que avaliação merece a proposta para um período de cooling-off?
Faz todo o sentido. É muito importante. Para nós, profissionais, não importa tanto quem faz o lobbying, mas sim como se faz. E isso implica as tais regras, que precisem quem pode ter eventualmente conflitos de interesses quando pratica esta atividade. É importante que a lei aprovada defina factualmente quem está abrangido pelo registo e quem pode fazer lobbying – porque quem faz lobbying não são apenas os lobbyistas profissionais, as empresas, associações, os sindicatos são os maiores lobbyistas. [Período de cooling-off] Tem de existir, para evitar as portas giratórias de forma muito clara. Estou em crer que está a haver uma maior evolução sobre esses projetos de lei apresentados há seis meses – veremos o que diz o pacote.
O que fica a faltar?
É preciso ainda esclarecer alguns pontos. Alguns projetos de lei, tirando o do PAN, criam exceções à lei, nomeadamente no que diz respeito a solicitadores e advogados. Não é muito claro a forma como os advogados e solicitadores são excluídos. Esta é uma questão que gostaríamos de ver esclarecida. O que é a definição de lobbyista e o que vai definir os vários tipos de registo – lobbyistas profissionais, as pessoas dentro das empresas e as representam, as associações que representam um conjunto de interesses de um sector, os sindicatos – que tipo de registo cabe a cada uma destas entidades. Onde vai estar esse registo? Vai ser centralizado e onde? Outro ponto: as sanções. Se não houver sanções é um pouco indiferente o regulamento. Que tipo de sanções irão existir? Outra questão é quem são os poderes públicos abrangidos pela lei.
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