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Rui Abrunhosa Gonçalves: um psicólogo a cumprir funções de carcereiro

Estudioso das causas mas também das consequências do encarceramento, o ainda diretor geral encontrou, em 2022, um caos dentro de muros com muitos metros de altura. Chamou a atenção para os problemas em 2023 mas nada indica que, um ano depois, eles tenham sido resolvidos.
10 Setembro 2024, 16h46

Professor universitário e especialista em Psicologia da Justiça e em agressores, Rui Abrunhosa Gonçalves foi convidado pelo secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Costa, para assumir o cargo de diretor-geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) no verão de 2022. Sucedia no cargo a Rómulo Mateus, que deixava funções no final de julho desse ano.

Na altura, Jorge Costa afirmava que Rui Abrunhosa Gonçalves, então professor na Universidade do Minho, era alguém em quem o governo deposita “uma enorme confiança no sentido de dar continuidade a políticas que já vêm sendo tomadas quanto à resolução de alguns problemas ao nível do sistema penitenciário, nomeadamente, por exemplo, quanto à questão da reinserção social”, segundo nota da Lusa. A aposta era, portanto, ‘o dia seguinte’ – o pós-prisão dos reclusos, que alguém ligado à área da Psicologia poderia cumprir com vantagem sobre os ‘tradicionais’ responsáveis ligados ao Direito.

Rui Abrunhosa Gonçalves é doutorado em Psicologia da Justiça pela Universidade do Minho, e era, à época, psicólogo forense da Unidade de Consulta em Psicologia da Justiça e Comunitária, onde se dedicava à avaliação pericial. Tinha também atividade na área da intervenção junto de ofensores violentos e perigosos – desenvolvendo investigação sobre o sistema prisional, a psicopatia, os ofensores conjugais e os ofensores sexuais, segundo informa a própria universidade.

A investigação de Abrunhosa Gonçalves saía do âmbito mais reduzido do mero ‘acontecimento’, para tentar explicações mais abrangentes sobre questões de violência. Um dos temas em que, de algum modo, os seus estudos apontavam para uma visão mais ampla tem exatamente a ver com as agressões sexuais. Para o investigador – como é referido num dos seus trabalhos – a agressão sexual é não apenas um problema social grave, mas também um problema sociológico de largo espectro: “a violência sexual corresponde a uma das violações mais importantes dos direitos das mulheres, que tem sido utilizada como arma de dominação étnica (Balcãs, Ruanda,…)”, refere um dos seus estudos.

Nascido em 1958, Abrunhosa Gonçalves concluiu uma licenciatura em Psicologia na (Universidade do Porto em 1982), um mestrado em Psicologia do Comportamento Desviante, ainda na Universidade do Porto em 1991, e um doutoramento em Psicologia da Justiça em 1997, desta vez na Universidade do Minho. Foi diretor do Mestrado em Psicologia da Justiça da Universidade do Minho e responsável pela Unidade de Consulta de Psicologia da Justiça e Comunitária do Serviço de Consulta Psicológica e Desenvolvimento Humano da Universidade do Minho. Foi ainda técnico superior no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira entre 1986 e 1989. Foi ainda coordenador do projeto «Caracterização sócio -psicológica do incendiário português: Implicações para a prevenção deste tipo de crime», do Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais.

O seu currículo internacional coloca-o como membro do Painel de Avaliadores de Propostas do Projeto Daphne e do Painel de Peritos Independentes para assistência à Comissão Europeia nos domínios da Justiça, Liberdade e Segurança – entre vários outros projetos e coordenações.

Um dos aspetos que mais iria impactar no trabalho do novo responsável da Direcão-Geral era, contudo, o problema da superlotação das prisões portuguesas – que colocava em causa qualquer envolvimento terapêutico na fase pós-prisão. Mas era apenas um deles: falta de pessoal, envelhecimento, problemas mentais entre reclusos e ausência de técnicos também fazia parte do sombrio diagnóstico que, pouco mais de um ano depois de tomar posse, elencava aos microfones da Rádio Renascença.

Já na altura, o diagnóstico induzia uma exigência: o governo deve investir no reforço de guardas prisionais e de profissionais dos centros educativos, “sob pena de, daqui a seis anos, não termos gente para trabalhar”. Só passou um ano – mas, aparentemente, a fuga dos cinco reclusos, este fim-de-semana, tem todas as marcas para que a falta de guardas prisionais entre na equação. Rui Abrunhosa Gonçalves afirmava que “sem pessoal em número e qualificação suficientes fica difícil implementar um conjunto de atividades, projetos e programas necessários a reclusos, pessoas que cumprem pena na comunidade e jovens internados”.

Há um ano, Rui Abrunhosa Gonçalves admitia já não ter técnicos para preencher todas as equipas de vigilância eletrónica: “O que fazemos é reverter a vigilância de algumas equipas para o Centro Nacional onde há sempre gente. De facto, em alguns períodos do dia, pode não haver pessoas numa equipa, mas o Centro Nacional consegue chamar alguém em caso de urgência”.

Um ano depois – e a acreditar nos vários responsáveis e outros especialistas que entretanto ‘enchem’ os espaços noticiosos desde a fuga do passado fim-de-semana, nenhum destes problemas elencados pelo diretor-geral teve sequência para a sua resolução.

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