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António Costa diz a Rui Rio que “seria melhor seis meses do meu Centeno do que quatro anos do seu”

Debate radiofónico entre os líderes do PS e do PSD mostrou prioridades para os próximos quatro anos. Mas a figura mais presente acabou por ser Mário Centeno e o seu alegado sósia social-democrata, embora Catarina Martins também tenha marcado presença, tal como a eventual falência do empresário David Neeleman.
23 Setembro 2019, 10h57

A figura que mais se destacou no debate radiofónico entre António Costa e Rui Rio, realizado nesta manhã de segunda-feira pela Antena 1, Rádio Renascença e TSF, não esteve no estúdio improvisado na Faculdade de Medicina Dentária, em Lisboa, mas foi omnipresente. “Os portugueses preferem o meu Mário Centeno, que esse é de contas certas”, disse o primeiro-ministro, após o líder social-democrata fazer referências ao “seu Mário Centeno”, sem nomear Joaquim Sarmento ao longo de mais de uma hora. Depois de Rio contrapor que o ministro das Finanças só ficará em funções na próxima legislatura enquanto for presidente do Eurogrupo, Costa fez um reparo: “Seria melhor seis meses do meu Centeno do que quatro anos do seu.”

Centenos à parte, seja o verdadeiro ou aquele que Costa acusou de ter elaborado um quadro macroeconómico do PSD que “não permite contratar nem mais um funcionário público”, o debate entre os líderes do PS e do PSD foi mais vivo do que tem sido hábito nesta corrida para as legislativas, ainda que sem os momentos tensos que marcaram os que envolveram outros líderes partidários. Só à saída do debate é que o líder socialista falou em “trapalhadas preocupantes” do interlocutor, apontando um “grau de desconhecimento” de Rui Rio, “que é um economista”, quanto ao que se está a passar na economia portuguesa.

Em causa estiveram as preocupações do presidente do PSD com o saldo externo, salientando que tal desequilíbrio foi “determinante” para a vinda da troika. Pouco antes, António Costa dissera que o aumento das importações esteve relacionado com a importação de máquinas e equipamentos – “não é o consumo de iogurtes estrangeiros”, fez notar -, destinadas a “aumentar a produtividade e competitividade das empresas”, alegando que 77% das importações se referem ao “gigantesco investimento” da TAP na renovação da frota que permitirá à transportadora aérea reforçar a oferta e abrir novas rotas.

A esse propósito, Costa manteve a convicção de que a decisão da reversão parcial da privatização da TAP foi acertada, considerando-a “absolutamente fundamental” para garantir que não sofrerá se um dos seus parceiros “tiver um vicissitude”, exemplificando com a eventual falência do “senhor Neeleman”. Quanto à confiança na gestão privada da transportadora aérea, que acaba de anunciar prejuízos de 119 milhões de euros, limitou-se a dizer que “o Estado tem os poderes de controlo que tem, e exerce-os no local apropriado”.

Na primeira ocasião em que referiu que “não troco o meu Mário Centeno pelo seu, e os portugueses também não”, o primeiro-ministro ouviu Rui Rio dizer que “não há níveis de investimento que justifiquem o desequilíbrio” na balança corrente.

Ventos de Espanha e do Bloco

As referências de António Costa à situação em Espanha, nomeadamente a “quarta eleição em quatro anos”, levaram Rui Rio a ironizar com a “nova série” lançada pelo primeiro-ministro, a que chamou “o Bloco de Esquerda é perigoso”.

Já no final do debate, depois de ambos os líderes políticos terem afastado a hipótese de um Bloco Central – Costa chamou-lhe “solução indesejável, pois a democracia vive de alternativas”, enquanto Rio disse que a existência de ministros do PS e do PSD só pode ocorrer em situações-limite, “por uma questão de saúde da própria democracia” -, o primeiro-ministro salientou que “é fundamental haver estabilidade” e recordou que “derrubámos um muro” e que a “geringonça” iniciada há quatro anos “revelou-se uma boa alternativa”.

Confrontado com declarações da líder bloquista Catarina Martins, para quem o PS é adversário da esquerda, Costa lamentou aquilo a que chamou estratégia, alegando que representa “uma frustração para quem deseja prosseguir com os bons resultados desta legislatura”, levando Rui Rio a duvidar de que esteja em causa um divórcio, pois “se precisarem terão de se entender”.

Sem nunca apelar à maioria absoluta, António Costa terminaria o debate – assim determinou o sorteio – com uma declaração aos eleitores: “Governarei com as condições que os portugueses nos derem. Fundamental é ter estabilidade e não entrarmos num impasse à espanhola.”

“Tique” do PS com o Estado

Antes disso, o líder social-democrata Rui Rio disse que “o PS desde sempre tem o tique de olhar para o Estado quase como se fosse o dono disto tudo”, reagindo a uma pergunta dos moderadores do debate radiofónico com António Costa sobre os 20 secretários de Estado e ministros que saíram do Governo ao longo de quatro anos de legislatura, e em particular ao caso do secretário de Estado da Administração Interna, Artur Neves. O presidente do PSD referiu que se trata de “uma cultura dominante” no PS, recordando o apelo “no jobs for the boys” feito por António Guterres em 1995, quando subiu ao poder.

Por seu lado, António Costa disse que “nunca devemos tirar conclusões precipitadas” ao ser confrontado com o louvor que deu ao secretário de Estado ao sair do Governo, apesar de Artur Neves ser arguido no caso da adjudicação a empresas ligadas aos programas Aldeias Seguras e Pessoas Seguras. “Entendo a figura do arguido como ela é realmente. Não é uma acusação, é um estatuto que reforça os direitos de alguém que está a ser investigado”, disse o primeiro-ministro, acrescentando que caberá às autoridades competentes apurar se houve algum comportamento ilícito.

Inquirido sobre se Artur Neves o desiludiu enquanto governante, Costa disse que este “deu um contributo muito importante para reforçar o sistema de prevenção e combate aos incêndios”, salientando que respeita o principio da presunção de inocência.

Quanto ao “familygate”, Rio admitiu que “nenhum partido é virgem nisto”, sendo o “nisto” a nomeação de militantes para cargos públicos sem terem as qualificações necessárias, mas salientou que este Governo “excede um pouco o que até agora tinha acontecido”. Já o primeiro-ministro garantiu que “essa conversa do ‘familygate’ assenta numa grande confusão”, afirmando que em todos os gabinetes dos ministros e secretários de Estado só houve três casos de nomeações familiares, aos quais reconheceu a mesma competência que presumiu ter levado Rui Rio a nomear uma irmã do seu então vice-presidente na Câmara do Porto para a administração do Teatro Rivoli.

O debate transmitido pela Antena 1, Rádio Renascença e TSF arrancara com os resultados nas eleições regionais da Madeira. Rui Rio  considerou que o PSD obteve uma vitória, apesar de ter perdido a maioria absoluta, destacando o “feito praticamente impossível de igualar” de o partido ter vencido todas as eleições na região autónoma em 43 anos, e considerou que tem alguma responsabilidade no resultado. “Dei alguma ajuda, particularmente na unidade do PSD-Madeira”, salientando ainda o papel do ex-presidente do Governo Regional da Madeira Alberto João Jardim.

Já António Costa admitiu que perder as eleições foi “algo frustrante”, ainda que com um “resultado histórico” manifesto na grande subida do número de votos, realçando que ficou a apenas cinco mil votos da vitória, e dos deputados eleitos. Quanto ao apelo implícito do candidato regional Paulo Cafôfo ao CDS-PP, incluído num entendimento de toda a oposição, o primeiro-ministro limitou-se a dizer que o PS-Madeira tem autonomia, como espera que também exista nos outros partidos, e garantiu que o seu Governo manterá um “compromisso com a Madeira independentemente da solução governativa”.

Passes sociais para ficar

Rui Rio foi mais tarde pressionado a dizer se mantinha a posição negativa em relação aos novos passes sociais, demorando a fazê-lo. Embora tenha reconhecido que “são uma boa medida por razões de ordem social, ambiental e por ser função do Estado”, voltou a referir que a medida “foi feita em cima do joelho”, pois estavam a aproximar-se as eleições europeias, e a dizer que o Governo “já tem operadores a berrar com a falta de pagamento”. Especialmente sublinhada por Rio foi a desigualdade territorial, mas acabou por admitir que não anulará a medida se for primeiro-ministro.

Também referidos foram os salários, sem nenhum dos interlocutores se comprometer com metas além da necessidade de subir o salário mínimo e médio. “Não quero condicionar ou ajudar parceiros sociais. Seria negativo para o Governo, que deve ter uma posição arbitral”, justificou Costa, aludindo às diferenças de prioridades entre sindicatos e associações empresariais. Já Rui Rio admitiu “alguma ambição”, situando aumentos um pouco acima da taxa de inflação, tendo em conta os ganhos de produtividade, e salientou que empresas com maiores diferenças entre salários mais baixos e mais altos devem ser penalizadas fiscalmente.

Quanto à reestruturação da dívida, Costa disse que nunca lhe foi favorável, enfatizando a “redução continuada dos juros da dívida” que atribuiu à saída do procedimento por défice excessivo, à melhoria do “rating” da dívida e à venda do Novo Banco. Graças à redução do défice, ao cumprimento das obrigações internacionais e à estabilidade terá sido possível, na sua opinião, ter “juros ao nível da Espanha”.

Já Rui Rio responsabilizou o Banco Central Europeu por “ter reduzido de forma transversal a toda a Europa, e não só em Portugal”. O mérito do Executivo de António Costa terá sido, assim, só terem “partido um bocadinho quando podiam ter feito como no passado e partirem tudo”.

 

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