Dois meses depois, o presidente executivo da Ryanair regressa a Lisboa para dar uma nova conferência de imprensa.
Michael O’Leary mantém um longo diferendo público com a TAP/Estado português/Comissão Europeia pelo auxílios prestados à companhia aérea e este deverá ser um dos grandes temas do evento que vai ter lugar na manhã desta terça-feira, em Lisboa.
Mas há mais. Os slots nos aeroportos de Lisboa e do Porto e a construção do novo aeroporto do Montijo são temas recorrentes na comunicação da Ryanair e do seu líder e poderão estar novamente em cima da mesa no evento de hoje.
1. ‘Troca de galhardetes’ entre O’Leary e Pedro Nuno Santos
A alta tensão entre o presidente executivo da Ryanair e o ministro das Infraestruturas, que tutela a TAP, têm vindo a escalar nos últimos meses.
Num dos últimos episódios, Michael O’Leary chamou o ministro de “Pinóquio” apresentando uma imagem manipulada do ministro para esse efeito. O irlandês disse em junho que são “falsas e injustas” as “acusações” do ministro sobre a Ryanair estar a promover uma guerra comercial com a TAP, de estar envolvida em ‘dumping social’ ou de não respeitar os trabalhadores.
“Não estamos a atacar o ministro, foi ele que nos atacou ao fazer acusações e temos de nos defender”, disse o executivo, a 23 de junho durante uma conferência de imprensa, em Lisboa.
Sobre os três mil milhões que o Governo pretende injetar na TAP, O’Leary considera que isto “não é um investimento, mas são impostos deitados na sanita da TAP”, segundo a apresentação feita durante o evento.
Antes, a 26 de maio, o ministério de Pedro Nuno Santos veio a público dizer que o Governo não aceita “intromissões nem lições” da Ryanair.
“A Ryanair é uma empresa privada e não tem de interferir nas decisões soberana tomadas pelo Governo português”, segundo a tutela.
O Ministério reagiu assim às declarações de Michael O’Leary nesse dia durante uma videoconferência onde lamentou que o Governo está a “desperdiçar” o dinheiro dos contribuintes na TAP, considerando que deveria ser aplicado em escolas, hospitais ou até no aeroporto do Montijo”, e não numa “companhia aérea falhada e com preços elevados”.
Mais tarde, a 7 de junho, o ministro voltou a reforçar que um país como Portugal “não se pode dar ao luxo de perder empresas que exportam três mil milhões de euros”, como a TAP.
“Nós não somos a Suíça, nem a Noruega, para podermos, sem esforço, dar-nos ao luxo de perder empresas com esta dimensão. Nós somos um país com grandes dificuldades em matéria de balança de pagamentos, não podemos perder uma empresa que exporta três mil milhões de euros num ano normal. E é esse esforço estamos a fazer”, afirmou, citado pela Lusa.
2. O’Leary acusou PNS de atrasar o aeroporto no Montijo para “proteger a TAP”
O líder da Ryanair tem defendido insistentemente a necessidade de construção de um novo aeroporto no Montijo. Na sua passagem mais recente por Lisboa, o irlandês criticou os atrasos na construção da nova infraestrutura que vai servir a região da grande Lisboa.
O projeto “está a ser adiado para que a TAP possa ser protegida. Quem beneficia do constrangimento de ‘slots‘ na Portela? Só a TAP”, afirmou, citado pela Lusa.
“Ele [Pedro Nuno Santos] continua a prometer e a atrasar para proteger a TAP, mas abrir o Montijo seria um grande impulso para o turismo, emprego e economia de Lisboa”, alegou Michael O’Leary, acrescentando que a “a capacidade na Portela está a ser constrangida há vários anos para que a TAP seja protegida”, e referindo ainda que por ter a TAP reduzido a frota devia, por isso, libertar ‘slots‘ no aeroporto de Lisboa”.
A Ryanair acredita que a nova infraestrutura poderá trazer cinco milhões de passageiros por ano para Lisboa e criar cinco mil postos de trabalho.
“Apelamos ao ministro das Infraestruturas e da Habitação a fazer o que deve fazer e fornecer infraestruturas. Queremos o Montijo aberto porque Lisboa-Portela tem constrangimentos, e se o Montijo abrir prometemos entregar cinco milhões de passageiros e criar cinco mil novos empregos aqui no Montijo e em Lisboa”, disse Michael O’Leary em conferência de imprensa na capital portuguesa, a 23 de junho.
Para o líder da transportadora irlandesa, é “claro que a Ryanair vai liderar uma recuperação de tráfego pós-Covid muito forte aqui em Portugal, tudo isto a custo zero para o estado português, ao contrário dos três mil milhões de apoio à TAP”.
Para a posteridade, ficam frases polémicas como a dita em fevereiro de 2017 sobre o aeroporto do Montijo. Na altura, Michael O’Leary criticou a Aeroportos de Portugal (ANA) por adiar a decisão de abrir a extensão no Montijo. O gestor também afirmou que o problema ambiental que envolve os pássaros no Montijo ficaria resolvido com “duas caçadeiras”.
Recorde-se que a 2 de março o Ministério das Infraestruturas anunciou que vai realizar um processo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), para comparar as diferentes soluções possíveis para aumentar as infraestruturas aeroportuárias da grande Lisboa: a solução Humberto Delgado como aeroporto principal, e o do Montijo como secundário; uma solução em que o do Montijo vai começando progressivamente a tornar-se no aeroporto principal e o de Lisboa no secundário; e a construção de um novo aeroporto internacional de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete, uma solução que era defendida pelo Governo de José Sócrates e que é defendida atualmente pelo PCP.
Recorde-se também que a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) deu um parecer desfavorável à construção do aeroporto do Montijo depois de duas autarquias da margem sul terem chumbado o projeto. O Governo anunciou que pretende rever a atual lei para impossibilitar que os concelhos afetados possam dar pareceres negativos vinculativos à construção de grandes infraestruturas.
3. Segunda queixa em Bruxelas contra auxílios da TAP
A escalada de tensão entre a Ryanair e a TAP assumiu novos patamares com a mais recente queixa da companhia aérea irlandesa ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), formalizada na semana passada. Determinada em bloquear a empresa nacional de aceder aos apoios estatais, a empresa com sede em Dublin colocou em causa os 462 milhões de euros aplicados pelo Governo português na TAP, devidamente autorizados pela Comissão Europeia, ao abrigo das ajudas Covid e já entretanto transformado em capital.
Esta nova queixa, procede a primeira apresentada no ano passado, altura em que a empresa liderada por Michael O’Leary questionou o empréstimo de 1,2 mil milhões de euros aprovado por Bruxelas, e que deu início ao plano de reestruturação a aplicar na companhia aérea portuguesa. Na altura, o TJUE deu razão à Ryanair quando considerou o apoio como “ilegal”, “escandaloso”, chamando-lhe ainda “o maior desperdício de dinheiro de sempre em Portugal”.
No que diz respeito aos 462 milhões agora questionados por Michael O’Leary, o Governo optou por usá-los para reforçar o capital da companhia aérea em maio, passando a deter directamente cerca de 92% da TAP. Na prática, o Estado ficou com 97,8% daquele que é o principal ativo do grupo TAP, ao utilizar o apoio concedido como compensação pelas perdas ligadas às restrições nas viagens entre março e junho de 2020.
4. Bruxelas abre investigação a auxílios à TAP. Plano de reestruturação só deverá ser aprovado em novembro
A 16 de julho, a Comissão Europeia anunciou a abertura de uma investigação a Portugal para saber se o plano de reestruturação cumpre as regras europeias, no seguimento de uma primeira queixa apresentada pela Ryanair.
Bruxelas abriu uma “investigação para avaliar se o plano de reestruturação que Portugal planeia conceder à TAP está em linha com as regras europeias de ajuda estatal concedidas às empresas em dificuldades”, segundo o comunicado divulgado na altura.
Na ocasião, o executivo de Ursula von der Leyen anunciou que reaprovou o empréstimo de 1,2 mil milhões de euros à TAP. “Adotámos uma nova decisão sobre o plano de resgate para a TAP, depois da decisão do Tribunal Geral da União Europeia de anular a decisão original da Comissão. Isto assegura que o desembolso do resgate à TAP não vai ter de ser devolvido, enquanto esforços continuam a ser feitos para um plano de reestruturação robusto que assegure a viabilidade da TAP no longo prazo, sem a necessidade para a continuação da ajuda do Estado”, disse em comunicado a vice-presidente comunitária, responsável pela concorrência, Margrethe Vestager.
A investigação da Comissão Europeia pode atrasar o plano de reestruturação em três a quatro meses, conforme apurou em julho o Jornal Económico. Desta forma, o plano poderá só ser aprovado em novembro, quase um ano depois de ter sido enviado pelo Governo português para Bruxelas.
5. Ryanair quer mais slots no aeroporto de Lisboa e no Porto
Esta ofensiva vai em linha com os esforços da companhia aérea de low cost de aumentar a sua posição em Portugal. Já em dezembro de 2020, o CEO irlandês argumentou que a “TAP não pode continuar sentada em cima dos slots [autorização para aterrar e descolar num dado horário] que controla em Lisboa”, tendo pedido que a empresa portuguesa, agora controlada pelo Estado, que “liberte esses espaços à Ryanair e outras companhias aéreas interessadas”. Este interesse iria sustentar a estratégia da Ryanair de explorar seriamente a entrada nos voos transatlânticos, e Portugal pode ser um trunfo devido à sua posição geográfica estratégica.
Neste sentido , a Ryanair solicitou para o próximo inverno mais 45% de slots em Lisboa e no Porto face a 2020, avançou recentemente o “Expresso” que citou fonte oficial da NAV Portugal. Atualmente, a companhia irlandesa conta com 12% do total de slots atribuídos no aeroporto de Lisboa, mais dois pontos face aos 10% obtidos em período homólogo.
Já a TAP conta com 50% dos slots no aeroporto de Lisboa, sendo a companhia dominante. Mais a norte, no aeroporto do Porto, a Ryanair domina com 30% dos slots, face aos 20% da TAP, segundo o “Expresso”.
Na semana passada, a TAP enviou para Bruxelas a sua respostas às dúvidas da Comissão Europeia em relação ao programa de reestruturação da companhia aérea. No documento, a TAP propõe cortar cerca de dez slots no aeroporto Humberto Delgado, conforme revelou o “Eco”. Outras duas companhias aéreas europeias que receberam auxílios estatais foram obrigadas a prescindir de slots: a Air France recebeu quatro mil milhões de euros, e libertou 18 posições em Paris Orly, enquanto a Lufthansa prescindiu de 24 slots em dois aeroportos depois de receber nove mil milhões de euros.
Além desta pressão sobre os lugares reservados para aterrar e levantar voo nos aeroportos, necessárias para assegurar as ligações aéreas programadas, a Ryanair anunciou a 5 de agosto um investimento de 300 milhões de dólares na operação de inverno deste ano. Um passo que a levou a anunciar depois a contratação de 300 trabalhadores (pilotos, tripulantes, técnicos informáticos).
Apesar desta posição dura contra os apoios estatais, pode dizer-se que a multinacional com sede em Dublin assume por vezes uma posição considerada contraditória. Não só por receber ajudas públicas para voar para determinados aeroportos como também já ter sido condenada a devolver apoios do Estado: 9,5 milhões de euros a três aeroportos regionais franceses, em 2014, ou 12 milhões de euros à Irlanda, em 2016, como adianta o “Expresso”, que revela ainda que os apoios dados à Ryanair por entidades públicas portuguesas desde que a companhia começou a voar para Portugal também não são claros.
Esta terça-feira, espera-se um novo capítulo na polémica entre as duas companhias aéreas, uma vez que Michael O’Leary tem agendada uma conferência de imprensa para as 10h da manhã em Lisboa. Mas enquanto não se sabe o que será dito, a Ryanair promete não facilitar a vida a Pedro Nuno Santos. Neste momento, decorre uma consulta pública ao plano de reestruturação da TAP, até 6 de setembro, onde os interessados, incluindo outras companhias aéreas, poderão expor o seu ponto de vista sobre o documento.
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