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“São precisos incentivos ao investimento da poupança”

A poupança portuguesa continua estacionada nos bancos, a perder valor. Para o presidente da APFIPP, falta literacia, mas principalmente incentivos para que as alternativas sejam atrativas. Não é preciso inventar, já se testaram soluções noutros países. E avisa que não estamos a dar a devida atenção ao desenvolvimento dos sistemas de pensões e que isso nos pode sair caro.
1 Novembro 2025, 15h10

Os fundos de investimento têm tido ganhos expressivos. Ainda há combustível para alimentar o crescimento ou há sinais
de sobrevalorização?

Nós achamos que há sempre espaço para investir no mercado de capitais. Obviamente, depende do perfil de cada investidor. Recomendamos muito que o investimento seja feito com algum prazo, que não sejam compras e vendas feitas de um momento para o outro. Nessa perspetiva, achamos que a longo prazo vale sempre a pena investir.

Se eu antevejo, neste momento, que o mercado possa cair amanhã ou depois, não tenho uma visão. Começa a falar-se numa bolha por causa da inteligência artificial, mas aquilo que se vê é uma economia americana com força, uma economia europeia com alguma força também e, portanto, olhando para os fundos de investimento, na medida em que investem em mercados, vemos sempre espaço para investimento e não vemos propriamente sinais de preocupação. Mas insisto: se amanhã o mercado cair eu continuo a achar que faz sentido o investimento nos fundos de investimento e no mercado de capitais. Não pode ser visto dia a dia, não posso estar a ouvir as declarações do presidente de um determinado país e estar a acompanhar subidas e descidas. A inflação também está bastante mais controlada em relação ao pico que se verificou. É bom e não vejo razão nenhuma para as pessoas se afastarem neste momento do mercado de capitais.

As taxas de juro têm descido, o que gera maior apetência por risco. Que impacto tem?
Quando há um aumento da inflação e sobem as taxas de juro isto pode gerar movimentos por parte das famílias e empresas, porque há a aparência de que pode valer a pena aplicar a poupança, por exemplo, em depósitos a prazo [quando] de repente se vê uma taxa de juro elevada. Eu acho que nunca vale a pena aplicar em depósitos, porque ainda que tenham uma taxa mais alta, muito provavelmente é inferior à inflação e, portanto, há sempre uma perda. Mas reconheço que vendo esse aumento que as famílias se sintam tentadas. Havendo uma diminuição, como agora, as pessoas começam a olhar mais facilmente para investimentos alternativos, que valem mais a pena.

Mas numa perspetiva de longo prazo…

Eu acho que o investimento tem de ser sempre visto como de longo prazo, na medida do possível, porque nos mercados aquilo que se verifica é que sobem a prazo. Há quem faça uma gestão diária do investimento, mas eu acho que isso deve ser deixado para profissionais; quem não é profissional destas áreas, deve fazer investimentos com prazos. Depois, pode ter ativos com maior ou menor risco, em função do prazo que está a considerar. Se calhar, uma pessoa mais nova pode comprar ações, um fundo de ações, e deixar ficar 10 ou 20 anos o investimento e vai com certeza vê-lo subir. Uma pessoa com 70 anos, se calhar, compra menos ações e compra fundos de obrigações, por exemplo, com menos de volatilidade. Mas aquilo que nós recomendamos é que as pessoas tenham sempre parte do seu património de poupança com exposição ao mercado de capitais.

As famílias continuam

a privilegiar os depósitos bancários. O que falta para que olhem para outras alternativas?

Faltam duas coisas. Primeiro, os incentivos, e esse ponto para mim é fundamental. Dou um exemplo que acho que é paradigmático do 401k americano [planos complementares de reforma]. O programa foi iniciado no final dos anos 1970 [início dos anos] 1980 e tem triliões de dólares investidos, que traduzem uma exposição a mercados de capitais e que hoje em dia têm um impacto gigantesco. E tem um benefício fiscal. Quando dizem que os americanos têm uma apetência para o risco, os americanos estão é, em grande parte, investidos no 401k e quando se vê a exposição das famílias americanas isso conta.

Faz falta haver um estímulo para trazer as pessoas para o mercado, porque as empresas também precisam de capitais na Europa, como é amplamente falado neste momento, porque precisamos de desenvolver o segundo [previdência profissional] e o terceiro pilar [poupança e reforma privada] da segurança social. Os incentivos [são importantes]. Podem não ser benefícios fiscais, pode ser, por exemplo, uma alteração da forma como se tributam alguns rendimentos, como fizeram na Suécia com a conta de investimento, o ISK [uma conta-poupança com regras fiscais especiais], que mudou a forma de cálculo e trouxe muitas famílias para o mercado. Tem de haver um incentivo.

Também acho, obviamente, que a literacia é muito importante. Mas pode ser feita em planos mais fáceis do que parece. Um ponto que era fundamental ser desenvolvido e em que deviam ser os governos a começar é, por exemplo, falar da evolução do primeiro pilar da segurança social e da redução da taxa de substituição, dos atuais 60 e tal por cento para os 38% ou 40% daqui a uns anos. Esse é um tipo de literacia que as pessoas compreendem e que faz com que possam fazer determinadas aplicações que levam alguma poupança para a exposição aos mercados. Incentivos e literacia são dois pontos importantíssimos.

Insistem muito na literacia

e nós falamos muito nessa necessidade, mas estamos aqui. O que continua a falhar?

O que pode ter algum efeito é o incentivo. Se estivermos só à espera do desenvolvimento da literacia financeira, e se calhar mesmo com literacia financeira, as pessoas continuam a ter o dinheiro em depósitos. Conheço muitas pessoas que têm muita literacia financeira e têm muito dinheiro em depósitos.

É uma questão cultural?

Não sei. Tenho alguma renitência em achar que os portugueses são diferentes dos outros. As famílias americanas, em 1978, também não tinham muito dinheiro investido na bolsa, o 401k fez toda a diferença, e, portanto, esta ideia de que eles veem o risco de uma forma diferente ou de que uma pessoa no Kentucky tem mais literacia, eu tenho muitas dúvidas, acho que não tem mais literacia do que as pessoas em Portugal. Nós temos de ter benefícios e perceber as vantagens que isso traz para a pessoa que tem o benefício, mas também para o país.

Em termos geracionais, vê diferença na forma como se encara o risco?

Fala-se muito nos mais jovens, que investem em coisas diferentes, nas criptomoedas. Consigo perceber que alguns jovens o façam, tendo meios para o fazer e meios que o facilitam. Não consigo perceber ainda qual é o impacto em termos de volume. Há uma coisa que percebo é que alguns ativos em que devia ser fácil investir não o são, como é o caso dos fundos de investimento. Os OICVM [Organismo de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários] são fundos harmonizados que obedecem a regras que protegem muito os investidores, na dispersão de risco, supervisão, tipo de ativos que podem ter, mas são mais difíceis de subscrever, porque a burocracia é de tal forma exigente que é difícil subscrever um fundo de investimento e, por vezes, os jovens acabam por ir para outros produtos que são mais fáceis de subscrever.

Os ativos digitais ganharam tração, com gestoras conceituadas a terem-nos em consideração. Como é que o setor tradicional olha para isto?

Temos de distinguir sempre, quando falamos de cripto ou quando falamos de blockchain, o que tem ativos subjacentes e o que não os tem, porque são coisas completamente diferentes. O blockchain quando tem por base ativos subjacentes, ações, imóveis, o que for, no fundo é uma forma de transacionar mais célere e mais segura e penso que o setor a vê de uma forma normal. Nós, na associação, já estivemos muito envolvidos num estudo para implementar e, de facto, é uma coisa bastante cara, mas é algo que se vê com normalidade.

Quando estamos a falar de coisas que não têm ativos subjacentes, nomeadamente as criptomoedas, pessoalmente vejo com muita desconfiança. Acho que é muito difícil perceber o que é que está por trás da procura, nomeadamente se é lavagem de dinheiro, não sei. Há muitos fatores que estão por trás da evolução das cotações e acho que às tantas se aproximam muito de um casino. Pessoalmente, vejo com muita desconfiança, e admito que o setor em geral também veja com alguma desconfiança, mas vamos vendo como evolui.

O peso regulatório para o setor é excessivo?

O peso regulatório é excessivo em tudo na União Europeia (UE) e por isso é que neste momento há um trabalho que está a ser feito, transversalmente, para ver onde é que se pode cortar. De facto, exagerámos completamente. Se nós criamos produtos como, por exemplo, os fundos de investimento, com todo o cuidado, para serem um produto bom para as pessoas investirem e depois não deixamos que as pessoas os comprem porque não os podem subscrever porque é tão complicado, há qualquer coisa que está errada. Não é só nos investimentos, é em muitas outras atividades na UE e, portanto, é um trabalho que nós achamos que tem de ser feito.

Achamos também que é um trabalho que tem de ser feito a nível nacional. Graças a Deus, temos supervisores que acham isso mesmo e que também querem fazer esse trabalho. Temos de ver o ponto em que estamos. Temos um excesso de regulação e estamos a perder em termos concorrenciais com os nossos competidores principais, nomeadamente com os Estados Unidos.

Estamos a discutir o Orçamento do Estado. Que alterações seriam necessárias para tornar o investimento em fundos mais atrativo?

Três coisas. Os fundos de investimento deviam ter o mesmo regime dos seguros e que ao fim de oito anos deviam ter a mesma redução de tributação que os seguros têm, que é uma coisa que nós pedimos há muitos anos.

Os fundos de investimento deviam ter ainda outra coisa que é a não tributação no momento da transferência. Quando eu transfiro do fundo A para o fundo B, há duas razões fundamentais: querer mudar de prestador do serviço, porque acho que o outro tem uma rendibilidade melhor, e a outra é querer mudar de estratégia. Se tenho um fundo de ações que comprei quando tinha 30 anos, agora tenho 45, quero começar a reduzir a exposição a ações e quero um fundo de ações e obrigações, não devia ser tributado neste caso, mas só quando resgato e fico com o dinheiro no bolso. Quando transfiro e aplico todo o valor da transferência isto devia ser neutral, como, aliás, é nos PPR, como pode ser nos seguros, e como é recomendado.

Outro ponto para trazer as pessoas para o mercado é o desenvolvimento do segundo e do terceiro pilar da segurança social. Neste momento, temos os benefícios para fundos de pensões com todos os outros benefícios, como saúde e educação, que esgotam o plafond e, portanto, aquilo não funciona como benefício. É fundamental que nós, como país, desenvolvamos o segundo pilar da segurança social e o terceiro. Não podemos continuar a fechar os olhos e a empurrar para a frente, porque isto daqui a uns anos, para os mais novos, vai ter um impacto grande no momento da reforma.

Depois, está em cima da mesa a recomendação da Comissão Europeia para as contas de investimento. Acho que tem de haver um incentivo e há duas formas de o fazer: com um benefício fiscal, em que quem tiver o dinheiro na conta de investimento paga menos nos dividendos, nos juros ou nas mais valias; mas há outra forma muito inteligente de o fazer, que fizeram na Suécia, que em vez de tributarem o rendimento de juros tributam todo o património, obviamente, por uma taxa mais baixa. Ao simplificarem desta forma a tributação, houve milhares de pessoas a aderir, e, já agora, numa primeira análise que fizemos, informal, verifica-se que o imposto que o Estado arrecada desde que mudou o sistema é muito superior, porque houve muita gente a pedir.

Estes três pontos parece-me fundamental que o Governo olhe para eles.

Quais são as perspetivas para o final deste ano e para o próximo?

Eu estou otimista. Acho que há uma boa hipótese de os mercados continuarem estáveis em subida. Não antecipo quedas, nem do mercado americano nem do europeu, em geral. E as taxas de juro também são uma boa ajuda à estabilização dos mercados. Pode haver uma grande correção algum dia, faz parte dos mercados. Quando há, afeta os fundos de investimento – as pessoas não gostam de perder dinheiro, mesmo que lhes diga que têm de ter uma visão de longo prazo.

Neste momento, estou otimista porque acho que os mercados vão continuar tranquilos e espero que essa correção não venha tão cedo.


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